Psicologizando... | Fundamentos da Neuropsicologia - Leitura Bibliográfica (I)steemCreated with Sketch.

in #pt6 years ago

Nesta série de artigos, estou a analisar o livro Fundamentos da Neuropsicologia Clínica Sócio-Histórica, um ótimo livro do IPAF Lev Vygotsky, Brasil, para quem tem interesse na Neuropsicologia Clínica e/ou está a iniciar-se na Psicologia Sócio-Histórica.

Este livro traz-nos o desenvolvimento das Funções Nervosas Superiores, a sua organização e unidades funcionais, as Crises Psicológicas descritas por Vygotsky, e a constituição de cada Função Nervosa Superior em particular.


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A Génese das Funções Nervosas Superiores no Cérebro, Parte I – 1.

Este primeiro capítulo é dividido em três partes e assim divido também as minhas leituras:

1 – O conceito de desenvolvimento humano histórico, cultural e social, e como as funções nervosas básicas se transformam em funções nervosas superiores (FNS);

2 – O desenvolvimento das funções nervosas superiores no cérebro humano numa organização sistémica e dinâmica juntamente com as principais unidades funcionais e suas principais responsabilidades;

3 – A conceção de desenvolvimento da personalidade, relacionando como Vygotsky entende o desenvolvimento psicológico humano de acordo com as crises psicológicas que permitem as transformações e a construção da REALIDADE, do OUTRO e do SELF enquanto indivíduo psicológico.


1 – O conceito de desenvolvimento histórico, cultural e social das FNS

Para Vygotsky e Luria, o conceito de desenvolvimento humano contempla o desenvolvimento de formas superiores de comportamento humano, constituídas historicamente nas relações sociais e de trabalho entre os humanos.

Somente é possível entender o desenvolvimento das FNS ao considerar o desenvolvimento histórico e cultural do homem: como é que os humanos constroem as suas próprias ferramentas e os seus signos psicológicos, como transformam a Natureza e como é que se transformam em indivíduos psicológicos.


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Vygotsky analisa então a conceção histórica através das leis que regulam as sociedades e os homens, considerando-as como sendo produto da ação humana pelo trabalho.

Ao entender a filogénese - desenvolvimento da espécie, entende-se que a transformação que o homem causa no meio-ambiente causa também uma mudança interna: o homem, ao construir as suas ferramentas de trabalho, constrói-se enquanto ser social, desenvolvendo as FNS, tipicamente humanas.

Ao entender a ontogénese - desenvolvimento do indivíduo, Vygotsky diz-nos que o desenvolvimento das FNS é um complexo processo histórico que acontece de uma forma sistémica e dinâmica no cérebro humano desde o nascimento e através dos instintos ou das funções nervosas elementares.

O desenvolvimento da ontogénese atravessa três etapas:

  1. Os instintos inatos - reflexos ou funções nervosas elementares;
  2. Hábitos ou reflexos condicionados - reações aprendidas através do treino;
  3. O intelecto - a adaptação a novas condições humanas para resolver novas tarefas.

Estas etapas constroem-se sob o que Vygotsky chamou de Lei Geral de Duplo Desenvolvimento: a mesmo função desenvolve-se duas vezes no mesmo indivíduo, primeiro de uma forma externa, o social e o cultural usado entre os humanos, e depois de uma forma interna, quando o homem se apropria dessas regras sociais como sendo suas.

Apenas em contacto com o mundo das relações, a criança começa a internalizar os instrumentos, as ações e as relações que lhe são apresentadas. Através deste processo de internalização, a criança desenvolve as FNS e se desenvolve a ela própria enquanto ser social ativo.


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Para Vygotsky, as primeiras relações humanas com o meio externo são diretas: a criança precisa de tocar e manipular os objetos, precisa de experimentar as situações e precisa de se relacionar com as pessoas do seu círculo social para que possa de apropriar, internalizar e criar representações mentais desses objetos, eventos e relações.

Ao fazer uso dos instrumentos externos e dos signos culturais, o cérebro da criança diminui a importância das funções nervosas básicas e melhora a atividade das FNS.

Isto traz-nos o conceito principal de que a criança é um ser ativo no seu processo de desenvolvimento, pois ela começa a interessar-se, a relacionar-se e a construir eventos com o mundo externo.

Para melhor explicar este processo, Vygotsky desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvimento Próximo: o processo intermédio entre o externo e o interno. Até que as experiências externas estejam constituídas na mente, a criança necessita de um processo intermédio onde ainda precisa da ajuda de um outro para realizar uma atividade.

Depois, com o tempo e com a prática, aquela representação constitui-se na sua mente e esta já não precisa de ajuda porque consegue realizar a tarefa sozinha.

Leal refere que estes movimentos da criança com o Outro começam como cadências regulares onde é possível ver que há um Outro capaz de completar as ações da criança e a criança começa a perceber os seus próprios atos dentro da relação com este Outro.

As ações da criança no ambiente social podem acontecer através da mediação da Linguagem, mas também através do Brincar.

Leal enfatiza que o verdadeiro Brincar acontece quando a criança, ao interagir com o Outro, tem a oportunidade de escolher o que irão fazer e como o irão fazer, seguindo a sua própria imaginação.


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A Linguagem tem um papel importante no Brincar, pois a criança substitui as suas ações e os seus gestos, e começa a fazer uso da fala para planear e organizar a sua atividade.

Vygotsky afirma que, enquanto a criança desenvolve as suas FNS, podemos começar a observar uma ação com um propósito, com um objetivo, e é desta forma que a criança começa a construir as regras dos jogos e a interessar-se em jogos com regras.

O autor refere que no final do desenvolvimento infantil surgem as regras e, quanto mais rígidas elas forem, maior será a exigência sob a Atenção da criança, melhor será o controlo que ela terá sobre a sua atividade, e o Brincar torna-se mais tenso e astuto (Vygotsky, 1996).

Resumindo, todas as funções nervosas superiores são constituídas de forma dialética, inicialmente sob a forma de manipulação direta, depois mediada por instrumentos sociais e representações mentais.

Quando internalizadas, elas tornam-se funções sociais e individuais. Estas funções são representadas no cérebro humano de uma forma sistémica e dinâmica, e a sua análise deve ser feita através de processos neuropsicológicos e não apenas através de processos comportamentais.


​​Referência: Marangoni, S. & Ramiro, V. C. (2012). Fundamentos da Neuropsicologia Clínica Sócio-Histórica. Ed: IPAF Lev Vygotsky Brasil (São Paulo).


Fiquem atentos aos próximos artigos!

Podem também consultar os restantes artigos da série "Psicologizando...":
Neuropsicologia - Como melhorar a nossa atividade mental Parte I | Parte II
A Importância do Brincar Parte I | Parte II
A Psicologia Clínica e o Trabalho com Crianças Parte I | Parte II
O Papel da Fala – Leitura Bibliográfica Parte I | Parte II | Parte III | Parte IV

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