Psicologizando… | O Papel da Fala – Leitura Bibliográfica (III)steemCreated with Sketch.

in #pt7 years ago

Nesta série de artigos, estou a analisar o livro de Alexander Luria The Role of Speech in the Regulation of Normal and Abnormal Behaviour (O Papel da Fala na Regulação do Comportamento Normal e Anormal), publicado em 1961.

Capítulo I - O Papel da Fala na Formação de Processos Mentais, Terceira Parte


A influência da fala nas relações pode dar origem a novos sistemas funcionais: a sua complexa estrutura inclui um sistema de associações verbais e os padrões comportamentais adquirem uma característica de intenção.

O reajuste dos processos mentais sob a influência da fala e a criação de formas complexas de atividade não surgem repentinamente; são produto de um longo processo de desenvolvimento e passam por uma série de fases.

Nomeação

Numa primeira fase temos a formação de conexões simples temporárias sob a influência da nomeação.


pixabay

Experiências nesta área foram feitas em Leninegrado por Lyublinskaya: foram dadas a crianças de um a três anos pequenas caixas, uma verde vazia e outra vermelha cheia de rebuçados. Sem instruções nenhumas, provou-se difícil para as crianças escolherem a caixa correta.

O panorama mudava completamente quando a fala era trazida à experiência: quando o cientista nomeava as cores das duas caixas. Mais interessante ainda era que essa conexão era rapidamente transferida para outros objetos que as crianças começavam a classificar de forma semelhante.

Generalização

No entanto, a forma como a fala interage com ações mais complicadas de generalização dos estímulos visuais é bem mais complexa.

Experiências levadas a cabo por Ruzskaya no laboratório de Zaporozhets em Moscovo tornaram claro quão longe a fala tem que se desenvolver antes de se tornar uma base para a elaboração de generalizações visuais mais complicadas.

Apenas em crianças dos 5 aos 7 anos foi observada uma mudança significativa; neste grupo, a fala começou a ganhar uma verdadeira forma de generalização.

Mas será que isto significa que estes limites etários são irredutíveis e que formar perceções generalizadas através da fala está fora de questão mais cedo?

Ruzskaya refuta este argumento e afirma que se, antes da experiência básica, a criança tiver tido contacto com o objeto em questão, sentido os seus contornos, contado os seus ângulos e nomeado corretamente o objeto, os resultados mudam consideravelmente.

O resultado é que estas ações inibem as respostas impulsivas a impressões imediatas e tornam possível a formação de padrões generalizados em crianças de três e quatro anos.

Pensamento e Fala

A formação de um sistema de pensamento visualmente concreto e verbal é bem mais complexa, empreende um processo mais longo e acontece numa idade mais avançada.

Por volta dos anos 30, Vygotsky pediu a crianças com menos de 8 anos para fazerem uma tarefa simples, como fazer um desenho, e tornou depois a tarefa mais complicada; por exemplo, a criança não encontrava lápis para desenhar.

As mais novas – de três e quatro anos – não conseguiam de todo cumprir a tarefa e normalmente apelavam a um adulto que as ajudasse, transmitindo verbalmente o que a estava a impedir de cumprir a tarefa, acabando por não fazerem nada até que essa ajuda lhes fosse disponibilizada.

As crianças de cinco e seis anos, tentavam encontrar sozinhas uma forma de ultrapassar a dificuldade, mas essa dificuldade intensificou a sua orientação para o meio envolvente e evocou uma explosão da fala: a dificuldade causou uma tremenda intensificação no que naquela altura se designou como “fala egocêntrica” da criança.


unsplash

Esta violenta explosão da fala tinha uma função prática: era uma orientação verbal ao meio envolvente que refletia os objetos à volta e verificava as possibilidades para fazer uso destes para encontrar uma solução.

Desta forma, a própria fala da criança está envolvida nas suas atividades práticas e, ao aplicar os métodos que ela já tinha desenvolvido nas suas relações sociais, a criança começa a formar novos sistemas funcionais.

No início, este tipo de discurso acompanha a atividade da criança para depois passar a planear essa mesma atividade.

Nessa fase, o discurso externo da criança é gradualmente reduzido e aparece apenas sob a forma de conexões reduzidas ou de sussurros; passa gradualmente para discurso interno que é parte do processo de pensamento.

Tal como Sokolov, Novikova e Bassin mostraram, este discurso está latente no pensamento, apenas para se tornar ativo quando uma dificuldade surge, e é vital para a orientação da criança em situações difíceis.

Vários investigadores mostraram que este processo é característico do desenvolvimento de qualquer forma de atividade mental. Estes sistemas são socialmente gerados, estruturalmente nascidos a partir do discurso e volitivos por natureza.

As experiências de Minskaya são de particular interesse aqui. A investigadora pediu a crianças para fazerem várias tarefas ligadas à manipulação de alavancas e mostrou que crianças de três a cinco anos conseguem levar a cabo a tarefa de forma bem-sucedida.

No entanto, quando a mesma tarefa era apresentada somente sob a forma de imagens, a criança era complemente incapaz de fazer a tarefa.

Tudo mudava se se treinasse a criança com ações orientadoras acompanhadas por relações sociais em que a fala era usada. Minskaya recorreu a “experiências com pares”: a criança era chamada a fazer a tarefa juntamente com o investigador ou outra criança mais velha.


pexels

A criança foi capaz de mudar a sua atenção do objetivo final para a ligação entre a alavanca e a solução, e foi também capaz de melhorar as suas atividades de orientação e incorporar o seu próprio discurso no processo de desempenhar a tarefa pedida; a criança conseguia tudo isto através da sua relação com o adulto.

Vygotsky tinha sugerido que, ao avaliar as habilidades intelectuais de uma criança, deveria ser-lhe pedido que desempenhasse as tarefas duas vezes para que se pudesse comparar o seu grau de sucesso ao fazer a tarefa sozinha ou com a ajuda de um adulto.

Vygotsky chamou a este método dinâmico de pesquisa de “investigação da zona de potencial desenvolvimento da criança”. As crianças abriam-se muito mais facilmente através deste tipo de avaliação.


Fiquem atentos aos próximos artigos!

Podem também consultar os restantes artigos da série "Psicologizando...":
Neuropsicologia - Como melhorar a nossa atividade mental Parte I | Parte II
A Importância do Brincar Parte I | Parte II
A Psicologia Clínica e o Trabalho com Crianças Parte I | Parte II
O Papel da Fala – Leitura Bibliográfica Parte I | Parte II


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Podem ler mais aqui! Todo o conteúdo é produto da minha própria escrita ou da interpretação que faço de artigos científicos e livros. Estejam à vontade para partilhar desde que citem o meu nome!

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Olá, @helgapn :
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Obrigadas pola túa contribución.
Votado e re-steemed

Caramba! Quanta informação valiosa! Acho muito interessante o trabalho de Vygotski, vou acompanhar seus posts sobre o assunto, agradeço por compartilhar! Abraços.

Obrigada @caroline.muller :) Fico contente por ter gostado!

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