A Ascensão da violência de hoje

in #psychology6 years ago

Realidade social: violência, poder e mudança
A Ascensão da violência de hoje

Hoje vamos falar sobre a violência da vida quotidiana com foco nos aspectos do ambiente familiar e da violência nos media e finalizar mostrando as possibilidades terapêuticas para o tratamento da violência.

1- A Violência do dia-a-dia

1.1 - A Violência Familiar
A família deveria ser um refúgio, um ambiente acolhedor e calmo onde o indivíduo pudesse sentir-se protegido e defendido da agressão externa do mundo.
A família é baseada no afeto, mas também sempre em rejeições que podem alimentar a violência, e estruturam a futura abordagem da violência na vida adulta.
Vamos agora analisar alguns tipos de violência familiar que influenciam a génese de comportamentos agressivos.

1.1.1 - Agressividade dos pais
A agressão dos pais pode ter várias formas de agressão verbal e física e outros comportamentos extremos como abandono, desnutrição, queimaduras, abuso sexual e assédio permanente.

1.1.2 - Conflitos familiares
A agressividade verbal constante e/ou Violência física entre o casal influenciará sempre os modelos agressivos de comportamento na infância e juventude.

1.1.3 - Violência contra idosos da família
Em algumas famílias os idosos estão sujeitos a violência corporal, a serem extraídos os seus bens e dinheiro ou serem abandonados.

1.2 - O Perfil dos pais Agressivos
Alguns estudos concluíram que as crianças que foram espancadas enquanto crianças normalmente batem nos seus filhos quando são pais e estão associadas, a má auto-estima e auto-imagem, expectativas fracassadas em relação às crianças e pedidos de atenção excessiva para serem amadas pela criança.
A agressão na infância e juventude facilita o processo de se tornar um "agressor" na vida adulta.
Este tipo de personalidade quer reparar a sua infância, dando o que não tinham, e ao mesmo tempo exigindo das crianças o amor e a paternidade que não tiveram, mas acabam por se vingar do sofrimento da sua infância e juventude.

1.3 - As influências na violência familiar
1.3.1 - Transferência de estresse

Nós vemos um aumento nas condições que geram estresse na vida social quotidiana.
Alguns estudos mostraram que as tensões acumuladas no dia-a-dia e na fadiga da vida profissional são direcionadas contra as crianças, porque é fácil e não têm defesa, usando-as como uma espécie de droga para liberar a tensão.

1.3.2 - Permissibilidade cultural ao espancamento de crianças
Algumas culturas e famílias ainda aprovam o espancamento de crianças como uma forma de "construção" de comportamento em nome da sua responsabilidade, para justificar o direito de agredir crianças.

1.3.3 - Violência e Teologia
A convicção teológica de que as ações espontâneas nas crianças são más, bem como sua tendência para procurar o prazer, é visto como um pecado.
Então punir a espontaneidade das crianças é usar o sofrimento para corrigir o que pedimos e ela não faz, usando punição para tornar as crianças "boas".

1.3.4 - Condições sociais
A desintegração da família nuclear e a violência estão ligadas à crescente violência social nos dias de hoje..
Infelizmente, muitos estudos descobriram que o número de crianças maltratadas é maior em famílias de baixa rendimento e queas mães sem condições de sustentar as crianças, fácilmente as espancam e ferem.
A impotência dos pais para resolver o problema parece influenciar a brutalidade sobre as crianças.
Alguns resultados mostraram que a violência na França era mais nas classes de baixa rendimento, enquanto nos Estados Unidos a violência era comum a todas as classes.

1.4- Efeitos da violência parental
A primeira conclusão é que a violência parental é como uma epidemia que é passada de geração em geração e é revelada em todas as fases da vida.
Crianças espancadas normalmente vão se transformar em espancadores adultos e muitos estudos mostram que o nível de maus-tratos no desenvolvimento infantil está correlacionado com o nível de violência em crimes cometidos na adolescência.
As pessoas espancadas têm uma tendência pessoal para se sentirem vítimas ou se tornarem violentas, reproduzindo o ciclo vivido de vítima / agressor.

Outras investigações sobre a guerra, situações de reféns e tentativas terroristas mostraram que as vítimas dessa violência sofriam de uma doença chamada PTSD - Posttraumatic stress disorder (Transtorno de Estresse Pós-Traumático).
O Transtorno de estresse pós-traumático foi muito bem estudado na Guerra do Vietnam e mostrou que as pessoas que foram expostas a traumas de guerra, teriam dificuldade em controlar seu próprio comportamento agressivo e tinham sintomas como ódio, depressão ou mau funcionamento social.
Alguns estudos mostraram que crimes violentos aumentariam após qualquer guerra como uma contaminação pós-guerra da violência social.

"A natureza humana é complexa. Mesmo que tenhamos inclinações para a violência, também temos inclinação para a empatia, para a cooperação, para o autocontrole. - Steven Pinker "
É muito difícil mudar comportamentos nas crianças, sendo a melhor ação a antecipação e dissausão dessas ações.

2 - Violência nos Media

Há muitas controvérsias nos estudos sobre a violência institucionalizada presentes em qualquer meio de comunicação, sendo vigiadas por crianças que interiorizam a violência como uma realidade do dia-a-dia.
Assistimos a uma crescente percentagem de cenas violentas nos noticiários e filmes de TV.
Os números mostraram que, em 1977, qualquer adolescente que veja cinco horas de TV por dia, aos dezesseis anos teria assistido a 20 mil assassinatos violentos na TV.
Eu não quero nem imaginar esses números nos programas e filmes de TV de hoje porque eu nem tenho televisão há 30 anos.
Cinquenta anos de pesquisa sobre o efeito da violência na TV sobre crianças leva à conclusão inescapável de que ver a violência na mídia está relacionado ao aumento de atitudes, valores e comportamentos agressivos” - John Murray
2.1- Experimentos de laboratório
Singer e Singer, em 1981, obtiveram resultados comprovando que assistir a cenas de violência na TV não despertam a agressão, mas tem o estranho efeito do sujeito passar a escolher mais filmes contendo mais violência.
Em crianças, até oito anos de idade que assistem a cenas violência, não existem efeitos imediatos na agressão, mas podem ser as sementes da violência que podem ser vistas aos 18 anos de idade.

2.2 - Experimentação na Realidade
Experiências em situações da vida real apontaram que assistir a filmes violentos tem a tendência de "dessensibilizar" a violência, criando atitudes que superestimam o lugar e a importância da violência na realidade e uma necessidade maior de proteção e repressão.
As cenas violentas na TV não são uma causa direta de agressão, mas podem favorecer as respostas violentas de pessoas que já são violentas e facilitam a construção de modelos agressivos na infância e juventude.

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3- Terapias para a violência
A violência em adultos é o resultado da história da violência exercida no seu desenvolvimento inicial, modelando a estrutura psicológica do uso de pulsões agressivas.
Muitos estudos demonstraram que a violência na idade adulta é o produto da violência sofrida desde o seu nascimento.

Chiland, em 1989, aponta que o modelo de violência começa no ambiente social de qualquer criança, porque quando as crianças são canalizadas para ter descargas agressivas, elas consomem a energia aplicada ao investimento no desenvolvimento psíquico, que gera disfunções estruturais de personalidade no futuro.
Assim, é necessário usar modelos terapêuticos que pudessem intervir nas esferas de agressividade da personalidade e no contexto em que acontecem.
A estrutura de qualquer comportamento individual agressivo num contexto social, tem uma estrutura isomórfica (forma igual) á personalidade da pessoa relacionada e sua própria história do que aconteceu em circunstâncias iguais.
Agora vamos ver como tratar a violência social usando educação, mudança social e terapias.

3.1- Ações Educativas
Estas ações costumam ter três frentes de intervenção, a educação, as ações preventivas e dissuasão.
A educação começa com a família (socializando o "comportamento" até os 3 anos de idade e depois ajudado mais tarde pela escola (socializar "pensamento" até 12) e universidade (socializar "personalidade" até a idade adulta).
A educação deve criar adultos responsáveis ​​e autónomos construídos com afetividade infantil, sanções positivas e ternura, em vez de punições que levem ao autoconceito ruim, à autoestima e à autodepreciação baseadas na frustração e no sofrimento.
Portanto, a educação é sobre ternura, ensinar segurança pessoal e respeito pelos outros seres humanos.

Pierre Karli, em 1987, viu a educação como o caminho para evitar estados de imaturidade e irmandade no desenvolvimento e definiu a educação moral como "reconhecimento de igual dignidade de toda pessoa humana e a aceitação de uma verdadeira reciprocidade em todas as interações humanas".
Os pontos de um estudo de Zimmerman, em 1983, mostram que as pessoas que administram choques elétricos em grau dependem da maturidade e do julgamento moral.
75% dos sujeitos com maturidade e julgamento moral se recusam a administrar choques a outras pessoas.
13% (apenas) dos sujeitos com julgamento moral imaturo ou semanal recusaram-se a administrar choques a outras pessoas.

A prevenção é a antecipação de um comportamento pela educação, um diagnóstico da violência existente e a medida de suas consequências.
O outro aspecto da educação é a dissuasão sem repressão, porque as pessoas violentas são totalmente imunes ao poder das sanções, o que limita o nível de dissuasão dos comportamentos violentos.

3.2 - Intervenção social
A intervenção social tem a ver com a atuação nas relações sociais e na estrutura socioeconómica do contexto social.
Pierre Karli apontou que a prevenção deve focar primeiro no modo de vida e espaços urbanos menos povoados, segundo no nível de desenvolvimento de uma "vida associativa" para espalhar a mudança, e um terceiro nível para (re) estabelecer formas de comunicação e reduzir danos .
Pierre Karli acreditava que a sociedade organizadora era o primeiro objetivo para diminuir e dissuadir a violência social.
Em intervenções de psicologia social, não podemos nos concentrar apenas em pessoas, mas em fenômenos sociais complexos para mudar atitudes e cultura.

3.3 - Intervenções Terapêuticas
A intervenção terapêutica é uma maneira de mudar e diluir a agressividade através de mudanças conscientes de atitudes e comportamentos usando dois métodos:
O primeiro é um tratamento comportamental para mudar os hábitos sociais pessoais.
Sabemos hoje que a punição só muda comportamentos temporariamente e sua extinção só é possível substituindo-a por um reforço positivo de ações pró-sociais usando um controle aprendido das emoções pela pessoa.
A segunda maneira de reduzir as agressões é o uso do processo catártico para libertar as pulsões agressivas. Como por exemplo usar uma saco de boxe para exercer a violência e descarregá-la.
Mas outros estudos descobriram que a catarse não reduz as agressões, mas é uma boa maneira de descarregar as pulsões violentas, mas com o perigo de uma recaída posterior na violência.
As pessoas que assistem aos jogos de futebol têm mais tendência a comportamentos violentos depois do final do jogo.
Então a catarse não é uma boa solução segura e duradoura .
Mas, do meu ponto de vista, o processo catártico gerado na intervenção psicanalítica pode ajudar todos a ligar sua história consciente da violência ao facilitando o processo de deflexão(desvio).
A melhor terapia social para uma humanidade sem violência é uma distribuição mais equitativa da riqueza e maior participação das pessoas nas decisões sobre o seu futuro.

3 - Conclusões da série sobre violência

A violência pode ser sempre eanalisada em si mesma, acrescentando os conceitos de agressividade e agressão.
A violência tem várias formas de inclusão na realidade do dia-a-dia, como ataques a bomba, violência nas ruas, guerras, "terrorismo", ódios inter-nacionalistas, etc.

A violência pode ser vista como um instinto interno inerente aos seres humanos, como um fator biológico, necessário para a sobrevivência.
Mais tarde, algumas pessoas propuseram que essa visão é apenas de interesse histórico e que a conduta psíquica agressiva, ou ainda como Freud, a vê na dualidade das pulsões de Vida / Morte exteriorizadas na vida em sociedade.
Outras teorias analíticas explicaram que, por trás da expressão agressiva, há sempre uma frustração que gera uma reação violenta, e que podem estar dependentes de "gatilhos" ambientais.

Vimos que os primeiros modelos de aprendizagem em situações semelhantes influenciam o surgimento de comportamentos violentos, sempre olhando para a cultura, normas e valores do contexto social e do ambiente socioeconômico.
Terminamos falando sobre a violência do dia-a-dia e algumas terapias possíveis que poderiam atenuar ou reduzir a violência social.
O próximo post inicia a série sobre o poder como outra forma de dinâmica da realidade social e alguns aspectos de suas conexões com a violência.

"Se os problemas da humanidade pudessem ser pensados e atuados dentro de um quadro de referência que tem sobrevivência para a espécie, o bem-estar dos indivíduos e a atualização das potencialidades desejáveis do homem como suas coordenadas, essas organizações periféricas se tornariam centrais. A política subordinada de sobrevivência, felicidade e realização pessoal tomaria o lugar agora ocupado pelas políticas de poder, ideologia, idolatria nacionalista e miséria não aliviada."- The Politics of Ecology - Aldous Huxley (1894 - 1963)

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As teorias e a conceptualização da mudança
Fatores que determinam a mudança
Os caminhos da mudança
Mudança social

Referências consultadas:

Les concepts fondamentaux de la psychologie sociale - Gustave-Nicolas Fischer
La psychologie sociale - Gustave-Nicolas Fischer
A dinâmica social-violência, poder, mudança - Gustave-Nicolas Fischer Planeta/ISPA, 1980
Gustave-Nicolas Fischer é Professor de Psicologia e Diretor do Laboratório de psicologia na Universidade de Metz.
French, J. R. P., & Raven, B. H. (1959). The bases of social power. In D. Cartwright (Ed.),Studies in social power. Ann Arbor, MI: Institute of Social Research
Castel, R. As metamorfoses da questão social. Vozes, 1998.
Moscovici, S. (1976).Social influence and social change. London: Academic Press.
Michel Foucault, Discipline and Punish: The Birth of the Prison
Festinger, L. (1954). A theory of social comparison processes.
Karli, Pierre, La notion d'agressivité, Point de vue d'un neurobiologist
Huesmann L. R., Moise-Titus, J., Podolski, C., & Eron, L. D., (2003).Early Exposure to TV Violence Predicts Aggression in Adulthood
Nickie Phillips, Violence, Media Effects, and Criminology

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Mais um post incrível. Daria para elaborar um livro com eles, eu compraria. kkk
E você traz de uma maneira assertiva, de fácil compreensão. Uma leitura leve, e ao mesmo tempo repleta de conteúdos importantes. E fico feliz quanto traz o sinergismo do tratamento, aqui no academicismo ainda há uma rixa do saber entre a psicanálise e a TCC, onde podem ser complementares. Venho estudando a escola francesa de psicanálise. Seguindo a linha Freud - Lacan - Czermak e Melman e outros autores atuais. Estou no segundo ano na formação de psiquiatria, e tenho interesse em fazer uma parte do terceiro em Portugal ou França, só que tenho muita dificuldade com Frances. Como você vê o ensino psicanalítico em Portugal?

Eu aprendi psicanálies no ISPA, que tinha há muitos anos atrás bons mestres, mas que se reuziram em número e talento.
Tive a sorte de terminar análise didática de grupo muito novo ao mesmo tempo que estudava psicologia.
Infelizmente o exercício da psicologia deixou de me interessar devido ás estruturas normativas e de poder nas instituições onde se exerce a psicanálise.
De qualquer maneira senti limitações na catarse analítica, pelo que segui também a linha da anti-psiquiatria de Ronald Laing e David Cooper que me ajudou a desestruturar/restruturar a cultura burguesa e capitalista, não esquecendo também a influência da bio-energia de Wilhelm Reich
Mas a chave de ouro que complementou a minha educação foi a utilização do LSD 25 como uma forma alteranativa de consciencia para além da ciência psicológica, e que me fez viver ao vivo em poucas horas a regressão analítica e que preencheu algumas lacunas de memórias não consciencializadas durante a grupanálise.
Esta miriade de referências foram fulcrais para o meu caminho da auto-análise e do auto-conhecimento.

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