#FILMOTECA - The Wicker Man (1973) - portuguese

in #pt6 years ago (edited)

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Hoje, venho a vocês falar sobre filmes. É o início de um projeto que tratará de construir, em língua portuguesa, uma espécie de "Filmoteca" no Steemit. A proposta consiste em criar textos analisando ou simplesmente comentando filmes, diretores, gêneros e outros temas do cinema sem que haja alguma exigência específica que limite a iniciativa a algum tipo determinado de filme. A ideia é muito simples: escrever sobre o mundo do cinema.

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Pretendo dar início ao projeto falando de um dos meus filmes prediletos: The Wicker Man (Robin Hardy, 1973). Tido hoje como um clássico cult que ganhou, em 2006, um esquecível remake com Nicholas Cage, The Wicker Man (O Homem de Palha em português) é uma obra com um público fiel, mesmo que não seja lá um filme muito conhecido da grande audiência. O filme é, normalmente, classificado nas categorias terror, musical, suspense e também de investigação Porém, antes de começar, devo dar um rápido aviso:

ESSE TEXTO CONTÉM ALGUMAS INFORMAÇÕES QUE PODEM SER INTERPRETADAS COMO SPOILERS (apesar de eu ter evitado colocar as partes vitais da trama)

The Wicker Man (O Homem de Palha) nos apresenta ao Sargento Howie, um policial que encarna os atributos de um cristão reto que confia em sua fé e a professa. Ele é convocado a uma investigação na ilha privada de Summerisle, onde deve resolver o desaparecimento de uma garotinha chamada Rowan Morrison. Porém, ao chegar à ilha, depara-se com um local muito inusitado e diferente do que esperava. Além da estranha atitude de todos os habitantes da vila de vida bucólica para com o caso da garota desaparecida, o Sargento Howie percebe que os costumes dos habitantes são muito diferentes do que ele está acostumado no lugar de onde vem.

O que acontece é que, ao chegar à ilha, Howie não encontra um local de confissão cristã, como o resto do Reino Unido, mas sim uma ilha que segue um tipo de paganismo que faz referência aos deuses celtas e aos ritos de fertilidade a eles correspondentes. Os homens se reúnem no Green Man Pub (aí uma referência ao "Green Man", figura pagã antiga) onde bebem e cantam sobre fazer amor com a filha do taberneiro; os jovens fazem uma dança de fitas ao redor de um mastro (Maypole) enquanto cantam sobre reencarnação e fertilidade; as garotas na escola aprendem o significado dos ritos e mais tarde se reúnem para dançar nuas e saltar sobre uma fogueira entre menires. Como um cristão devoto, toda essa vida soa como loucura impura ao sargento. E é nesse contexto tão estranho que ele terá de elucidar o mistério do desaparecimento de Rowan Morrisson.

Uma palavra deve ser invocada quando falamos em The Wicker Man: estética! O filme tem um sentimento visual de estranheza, como se nos levasse a outro mundo possível onde tudo corre de forma diferente. A fotografia é excelente; o movimento das câmeras, as cores, os trajes e os elementos pagãos agem em conjunto para trazer uma impressão única. As atuações não deixam a desejar, sendo que o filme conta com o lendário Christopher Lee no papel de Lord Summerisle, o vilão da trama e líder comunitário da ilha. Mas tudo isso não seria tão significativo sem um elemento fundamental dessa obra, a música! Não é sem motivos que o filme é encaixado na categoria de musical.

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Christopher Lee como Lord Summerisle
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A música do filme foi composta por Paul Giovanni. Inspirada em canções folclóricas tradicionais, as músicas carregam uma feição obscura de grande beleza. Deixarei uma das minhas favoritas aqui no texto. Arranjos incríveis no violão, vozes suaves e uma sensação de mistério combinam nessa trilha sonora que até hoje influencia várias bandas. Muitos têm o filme como uma das grandes influências do gênero neofolk, sendo que algumas bandas (Nature and Organisation, por exemplo) já regravaram músicas do filme. No mundo musical, podemos ouvir samples retirados do filme em músicas do Agalloch no EP The White. A banda Iron Maiden chegou a gravar uma música chamada "Wicker Man". Bom, acredito que não é preciso ir mais longe para convencê-los do legado cultural do filme.

*Willow's Song

No mundo cinematográfico, The Wicker Man é tido como parte da "trindade profana" de um subgênero pouco conhecido, o Folk Horror, permanecendo nessa "trindade" ao lado de O Enigma de Satanás (1971) e de O Caçador de Bruxas (1968). Esse subgênero chamado Folk Horror reúne os filmes que tratam da vida rural, folk, de modo obscuro, revelando um ambiente peculiar, associando a vida rural aos mistérios e velhos cultos pagãos (lembrando que o termo pagão se associa por via latina ao termo "pago", que é "campo"). Nesse mundo, deparamo-nos com florestas escuras, costumes antiquíssimos, crenças "irracionais" e eventos sobrenaturais.

The Wicker Man parece acompanhar uma tendência da época, a tendência de reviver esse mundo rural com toda uma camada de fantasia sobre ele, retornando aos velhos costumes e imagens que foram desapropriadas de sua magia pelo nosso racionalismo moderno. É como um retorno, através da ficção e da fantasia, ao mundo encantado que foi retirado de nós pela tecnologia e pela inquestionável autoridade da ciência. Tal como o filme A Bruxa (2015), esse gênero nos convida a visitar as florestas esquecidas, as superstições supostamente superadas e encontrar, novamente, os deuses e demônios que habitavam a natureza que parece estar tão longe de nós atualmente.

A ambientação de The Wicker Man nos leva a um conflito. Esse conflito não é apenas o conflito entre o cristão e o pagão, mas é também um conflito que beira a natureza ontológica; o homem como parte de uma natureza sagrada e encantada, nela integrado e fiel a cada instinto ou o homem portador de um pecado original que deve redimir pela ascese, arrependimento e boa vontade para com o próximo? O homem pagão que, como no filme, nega-se a usar a palavra "morte" e crê na reencarnação em meio à natureza ou o homem que anseia pela ressurreição junto ao Pai e vê qualidade no martírio? São dois mundos colocados frente a frente. Como parte do redescobrimento cultural do mundo rural e de sua vida encantada (onde costumes pagãos sobrevivem no seio do cristianismo) que citei anteriormente, o filme nos faz olhar para outra face da vida, uma que foi negligenciada nos últimos séculos. Nesse novo velho mundo campestre, a natureza é brutal por ser verdadeira, eterna, movida pela vida e pelos seus deuses, sendo o homem parte dela e aceitando-a no que há de bom e no que há de ruim; os deuses vivem em tudo. Talvez a emergência dessa temática na música e no cinema nessa época vá de encontro a uma parte de nós que nós reprimimos com o advento da era moderna: a do mundo irracional, da natureza além do bem e do mal e do mundo povoado por deuses, santos, elementais e demônios. Além disso, o pequeno mundo daquela ilha nos leva a imaginar como poderia ser uma comunidade pagã não totalmente excluída da vida moderna.

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Apesar de toda essa confrontação de diferentes visões de mundo, o filme não parece querer demonstrar uma grande lição que favoreça um ou outro lado. É possível que um bom católico veja o filme e partilhe da visão do policial e é possível que um simpatizante das antigas tradições europeias veja verdade nas alegações do Lord Summerisle, líder da comunidade. O que vale na experiência é a reflexão de que pode haver várias visões de mundo e que cada uma pode moldar a vida e o ambiente de maneiras muito peculiares.

Essa é uma visão bem breve e pessoal do filme, onde tento não revelar grandes peças do enredo para não estragar tão rico entretenimento. E, para encerrar essa apresentação, pretendo terminar o artigo com algumas curiosidades sobre o filme:

O lendário Christopher Lee afirma que esse foi o melhor filme em que já esteve, o melhor papel que já teve e, ainda, o melhor desempenho que já ofereceu. O mesmo Christopher Lee não recebeu para atuar no filme, pois, aparentemente, na época, ele participava muito de filmes de terror de baixo orçamento da Hammer Films e ansiava escapar daquele nicho. Outra curiosidade é de que o filme tem múltiplas versões, pois, na época, a versão de 99 minutos não agradou o pessoal da EMI Films, que cortou o filme. O negativo se perdeu e apenas recentemente (2013), depois de várias versões incompletas, foi lançado o "Final Cut" de Hardy. É incrível imaginar que um filme com tanto respeito atualmente foi odiado pelos executivos da EMI Films na época!

Assim, depois de tanto falar bem do filme, sugiro que assistam essa magnífica obra e sintam toda a atmosfera que o filme passa e que sintam o clima que ele cria com suas belíssimas músicas e filmagens por uma ilha onde os velhos deuses ainda vivem.

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Adorei o projeto! Assim que possível vou escrever sobre algum filme. Este é um dos melhores filmes que já vi, a última cena ficou marcada na minha memória e sempre lembro dela... É muito fantástico!

Que bom! Espero mesmo que escreva sobre alguns filmes! :)
É bem raro achar quem conheça o filme, infelizmente. Aquela cena final é incrível. Li que a música dali é baseada em uma canção real do século XIII.

https://steemit.com/pt/@caroline.muller/filmoteca-rosemary-s-baby-1968

Fiz! Veja se tem algum erro na formatação, mas acho que segui certinho como você fez, só linkei o seu para ir organizando...

Está tudo certo! Não precisa colocar aqueles ornamentos dividindo as coisas se não quiser. O importante é o nome, a tag e constar os outros filmes no fim. Ficou muito bom. Conforme formos colocando mais e mais filmes, a gente pode colocá-los um ao lado do outro para poupar espaço (como no dicionário da música) ali no fim.
Vi a formatação só, mas vou ler o texto agora. Adoro esse filme e acho que ele mudou bastante coisa no gênero do terror.
Enfim, que bom que contribuiu com a tag e espero que a gente possa adicionar muitos outros filmes ali ainda!

Filme excepcional que para mim está num patamar separado. Entendo o conceito do folk horror (e fiquei doido pra pesquisar os outros dois), mas nem consigo o considerar horror, não só por ser também musical, mas por que traz uma energia diferente. Talvez principalmente por você não ter certeza de querer ter o investigador como protagonista e inclusive deleitar-se com o final do filme e como que acontece com ele. É uma trama chocante, no mínimo, mas extremamente interessante. Muito forte e sem dúvidas não faltam exemplos de filmes que acabaram seguindo por esse caminho: chega-se a uma cidade, vila, ilha inóspita onde os moradores parecem estranhos e tramam algo contra o protagonista.
Ainda que nesse caso o amigo investigador foi convidado infinitas vezes a ir embora e deixar o povo em paz, nada ali o obrigou a participar daquela situação toda, pelo menos até certa parte.
Recentemente até mesmo o Radiohead fez uma homenagem ao filme, conhece essa?

E pra finalizar:
Viva o Paganismo XD

Boas observações! Também não consigo considerar o The Wicker Man como horror. Talvez num sentido muito diferente, mas não é aquele de causar medo no espectador. O horror poderia ficar na sensação de estranhamento, no mistério do "outro" (aí o ingrediente principal do exemplo de tipo de filme que você dá).
Eu não conhecia essa do Radiohead! Bom, na realidade, quando eu pesquisava para escrever o texto, eu vi que havia, mas eu não abri por não ser muito fã do Radiohead (nada contra, só não ouço). Mas ficou muito bom, gostei! Hahahah
Valeu por comentar! E também pelo incentivo, já que a sugestão de escrever sobre o filme foi sua!

Definitivamente, esse é aquele tipo de filme que não consegue ser digerido tão facilmente por todos os telespectadores. É uma experiência bem surreal e você tem que se deixar levar por ela.

Segue a minha primeira contribuição para o projeto: https://steemit.com/filmoteca/@wiseagent/filmoteca-fragmentado-or-split-2016

Acho interessante tentar "subir" a hashtag "filmoteca" para centralizar todas as postagens referentes ao projeto. ;)

Sim! Ainda mais por ser um filme "antigo"...
Que boa notícia sua contribuição! Lerei ela. Já vi o filme e gostei dele.
Qualquer sugestão, fique à vontade para colocar para nós, pois será bem-vinda!

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