Decidi-me por iniciar os relatos enteogênicos com o Psilocybe Cubensis por que talvez seja, de todos os alteradores da consciência o que esteja mais em foco, dada suas recentes pesquisas em duas importantes situações. Mas vamos começar pelo começo.

Não irei fazer uma análise detalhada de sua gênese aqui por que acredito que detalhes demais para os não interessados pode ser cansativo, então, caso queira saber mais, procure-me e nós conversamos. Psilocibe Cubensis teve um uso vasto e conhecido pela cultura indígena da América do Sul e Central. Ganhou fama apenas pouco depois da descoberta do ácido lisérgico pelas mãos do grande pesquisador Albert Hoffman, soube-se que haviam então índios e curandeiros utilizando de um cogumelo para entrar em estados alterados de consciência. Ficou famosa então a figura de Maria Sabina, uma velha xamã curandeira que utilizava junto ao “paciente” destes cogumelos, catalogados como stropharia cubensis. Estudando o princípio ativo descobriu se então a Psilocibina.

Existem relatos do uso destes por astecas também. Ainda existe uma complexa teoria que explanei muito por cima com o amigo flávio no post de introdução ao tema, a respeito da hipótese de que os cubensis podem ter sido responsáveis como propulsores de uma aceleração na cognição e consciência do homem em seu período de evolução, estamos falando da época anterior a linguagem, algo que seria considerado a faísca inicial da “consciência”. É uma teoria romântica, apaixonada, proposta por um pesquisador no mínimo fascinante: Terence Mckenna. Este passou sua vida estudando os enteógenos e com maior ênfase exatamente nos cogumelos, aconselho fortemente ler O Alimento dos Deuses.

Saindo um pouco da história deste fungo, entramos então numa análise a respeito de seu uso atual e popular. E para isso peço que por favor ignore qualquer conceito de senso comum que se tem a respeito de “chá de cogumelo”. Termo clássico, porém extremamente pejorativo, que junto a si já traz uma mochila de ideias, algo como: um hippie fazendo pulseira cantando música do Ventania, ou uma galera que quer ficar “doidona” e tomar o chá. Histórias bizarras e absurdas não faltam, mas o que procuro aqui é falar a respeito de seu uso enteógeno, que está em outro nível.

Essa onda “Nova Era” que permeou boa parte do século, desde os hippies, porém entrando em outra fase mais “pura e saudável, consciente e menos transgressora” nessa atual fase do mundo trouxe a cultura do xamanismo e da busca pela cura espiritual e psicológica para patamares mais alcançáveis. Mas de certa forma o cubensis, diferente da Ayahausca não tem um espaço viável em um protocolo “comercial”, ele se encontra num espaço cinza de lei. Por que a psilocibina é ilegal (seu principio ativo), porém, o cogumelo inteiro não! E indiferente da lei, o cogumelo, diferente da cannabis não precisa ser plantado, ele nasce naturalmente num campo de gado, onde em uma temporada de sol e chuva (o verão do Brasil) eles nascem junto ao esterco da vaca. O cogumelo não é o ser vivo exatamente, para quem não sabe o organismo fundamental ali é o micélio, uma espécie de algodão branco que se espalha como uma rede de informação imensa, o cogumelo que brota é apenas uma espécie de antena, de captação e esporulação.

Abriu-se uma cultura então destes buscadores independentes, também conhecidos como “Psiconautas”, pessoas que se aventuram por conta própria em busca de conhecimento e expansão da consciência. Definitivamente me encontro nesse termo. O psiconauta por sua conta e risco, pesquisa o tema, estuda-o com fome e necessidade, aprende tudo que precisa saber e faz em si os testes necessários, dando-se como cobaia para si próprio em busca de algo que muitas vezes não está claro ainda. Muitas vezes entra nesse mundo de experimentações procurando pela diversão, pelo prazer e pelas supostas visões surreais e psicodélicas, mas muitas vezes sai dali transformado. Meu ingresso nesse mundo especificamente do Psilocibe Cubensis se deu através da fixação pelo universo criado pelo escritor e “supostamente antropólogo” Carlos Castaneda, para quem não conhece a figura vou resumir da seguinte forma. Castaneda tornou-se popular por trazer uma série de livros-diários contanto a respeito de suas aventuras no México com um xamã chamado Don Juan, iniciou o processo buscando fazer um TCC e acabou por se tornar um Nagual. O que é Nagual? Isso é outra história e eu não vou contar aqui. Durante toda essa fase envolvendo seus aprendizados com o bruxo xamã Don Juan, Castaneda utilizou uma gama de plantas enteógenas, principalmente nos dois primeiros livros da série, onde relata utilizar entre elas, os então surpreendentes cogumelos Psilocybe Cubensis. Dali para frente acabei tendo a oportunidade de experimentar tais cogumelos e sem dúvidas, mudaram em definitivo minha concepção de vida. Tive ainda a chance de cultiva-los em terrário, um hobbie muito comum, acreditem, com inúmeras vantagens porém sem o prazer de despertar algo qualquer de ancestral e primitivo ao fazer uma caçada e procura-los num pasto depois de uns dias de chuva.

A respeito da experiência em si, é muito difícil entrar em detalhes, deixarei que o relato fale por si, ainda que limitado. Mas algumas palavras podem ser ditas: uma experiência leve (1 grama mais ou menos) tem um foco mais recreativo, de relaxamento, diversão e leveza. É como vivenciar aquela tão desejada paz mental do zen, onde você vai lavar a louça com sorriso aberto, sentindo o prazer de limpar cada utensílio e vivenciar a água caindo em sua pele, o som da espuma, o cheiro do ambiente e os detalhes que o circulam. Ou simplesmente um bom jeito de ouvir uma música. Mas ao deitar-se e fechar os olhos, você certamente estará entrando em mares mais profundos, você quer entrar?

{Fórmula da Psilocibina}

Se você é sensível as substâncias assim como eu, nem precisa ir tão longe e aumentar a dose, é possível que sem distração, apenas uma música ambiente (suave, por favor, não queremos gerar bad trip) e um quarto confortável no escuro, você pode acessar camadas incríveis de seu subconsciente (ou inconsciente), o que quero dizer com isso? Uma revisita a inúmeras situações, uma oportunidade de questionar e encontrar respostas a anseios e medos internos seus, uma calmaria para as angustias, uma visão panorâmica sobre traumas, o sobrepairar em seu estado mais profundo e verdadeiro. Se você está procurando olhar do outro lado da cortina, dos véus de maia, trespassar o firewall da matrix, então você é dos que tomam uma dose maior.

Uma dose alta de psilocibina irá lhe causar o que se chama de dissolução do ego, mas não apenas em termos de sensação suave, mas sim da dissolução, onde você perde qualquer barreira com o restante do ambiente, onde sente-se ligado com a pessoa que está ao seu lado, seja ela quem for, mas não ligado empaticamente e sim por que você descobre enfim que também É ela. Porém isso tudo fica um pouco difícil de ponderar, devido ao fato de que você está vendo as coisas com contornos acentuados, o céu parece conter linhas geométricas, talvez uma armação do tipo “wireframe”, você observa então suas mão e pode sentir cada veia separadamente circulando o sangue, ou melhor, você vê o sangue circular.

Por algum motivo, existe uma espécie de espiral circulando muito forte em seu topo da cabeça e também no meio de sua testa, coincidentemente exatamente onde os antigos estudiosos do yoga e das vertentes espirituais ancestrais diziam existir o chacra frontal e o chacra coronal, ainda que quando você experimentou, você não saiba disso. As vezes você pode pensar que não é você que está tendo a viagem, mas sim o cogumelo! Como assim? Algumas pessoas relatam adquirir uma percepção assombrada do mundo, como se ao ingerir essa antena você estivesse sendo usado como veículo para uma força qualquer desconhecida e muito, muito diferente da humana. Muitas vezes a viagem ganha um tom completamente inexplicável, devido a falta de linguagem que auxilie para isso.

Raramente utilizei doses elevadas, por que levo muito a sério o cuidado com minha saúde mental. Hoje em dia é sabido que a psilocibina tem sido estudada como um poderoso auxiliador da psique humana, algumas pesquisas o tem utilizado como um antidepressivo e obtido resultados incríveis, além disso estudos recentes apontam a psilocibina como um incrível e até agora único remédio para enxaquecas severas, mais especificamente o único principio ativo capaz de abortar uma crise de enxaqueca em salvas (conhecida como enxaqueca do suicídio, onde muitos optam por se matar diante da dor mais forte conhecida pelo homem e sem cura), uma dose de 1,5 gramas do cogumelo é capaz de anular a enxaqueca pouco tempo depois.
Uma corrente nova de pesquisa porém extremamente promissora vem estudando a substância para ser utilizada em microdoses, não apenas como preventivo de enxaquecas mas como um antidepressivo saudável e natural. Microdose de psilocibina seria algo como 0,3 gramas por capsula, usada uma a cada 3 dias. É um estudo muito recente e acredito que irei falar mais a respeito disso com calma e embasamento em outra oportunidade. Tudo isso deixa claro que, apesar do psilocybe cubensis ser um enteógeno poderoso, capaz de gerar experiências profundas, boas ou não, é ainda um campo de pesquisa muito aberto e promissor, revelando-se cada vez mais benéfico e util para a saúde mental.

{Um dos experimentos de cultivo}

Obs: muito de minha percepção de vida mudou, estarão lendo um texto datado, mudei o mínimo possível para não interferir na percepção do relato.

Junho de 2009

"Hoje foi um dia mágico, como todos os belos dias mágicos devem ser. Fomos andar nos bosques encantados na beira do Rio Iguaçu. Era umas 14:30h quando eu, Welington e o Albert comemos um punhado de Cubensis cada um. Saímos da casa do Albert e fomos...

O lugar em questão é lindo, como se fosse o antigo quintal dos primeiros fazendeiros que moraram em São Mateus do Sul, eles eram donos de uma Olaria, e retiravam argila do terreno próximo ao rio para fazer as telhas, um processo quase artesanal. Nessa região beira rio, só resta pequenos fragmentos de onde era a casa das pessoas que ali moravam. O lugar é literalmente intocado, a vegetação é linda, muito verde e intensa, o rio fica logo ao lado, e as arvores secas caídas no seu interior dão aquele som suave perfeito pra meditar na beira.
Nessa hora estávamos apenas leves e felizes por ali estar, aprofundamos mais nos caminhos, e seguimos alem de algumas cercas de arame, que demarcavam os terrenos, medidos em quilômetros. Mesmo longe da civilização, essas demarcações nos garantiam que não resta terreno livre no mundo. O homem acha que é dono de todo o planeta. Quando finalmente chegamos no gramado verde e infinito, com alguns cavalos pastando, e muito terreno aberto, estávamos no ápice da paz e da alegria. Deitamos na grama sem pensar duas vezes, aquele céu intensamente azul nos deixava bobo. (A partir de agora falarei sobre a minha trip apenas, pois não sei ao certo como prosseguiu a deles).

Deitado lá tudo estava ótimo, me senti muito bem ao ver que nenhuma náusea ou mal estar me abalaram, nenhuma ânsia de vômito, nem dores nem bad física, observava os pássaros voando altíssimo, provavelmente em uma corrente de ar. Pois apenas planavam sem mexer as asas, fazendo lentos círculos suaves e deliciosos no céu. Pareciam estar viajando tanto quanto nós, eu juro ter visto alguns dos pássaros fazendo alguns loops seguidos de vôo de ponta cabeça por um bom tempo, quem sabe estivesse fazendo sinais pra nós. Estava ótimo ficar deitado, mas estava muito a fim de caminhar e conhecer os lugares. Resolvi tirar o tênis, pois queria sentir a grama e durante toda a trip fiquei descalço. Fui caminhar então enquanto eles estavam deitados, eu não estava eufórico nem nada, apenas querendo passear e cada passo que eu dava era ótimo! Por fim achei uma região muito bonita e resolvi chamá-los para irmos dar uma olhada. Enfim descobrimos um lugar mais lindo ainda, era um seguido de outro. Uma beira rio fantástico, com árvores vermelhas na outra borda contrastando com a vegetação intensamente verde, foi maravilhoso passear por todo aquele lugar. Eu estava no ápice da alegria e energia, resolvi fazer um pouco de Yoga, de começo desconfiando que talvez aparecesse alguém por ali e visse um cara de ponta cabeça fazendo algumas asanas, mas não.

{Em seu habitat}

Não apareceu ninguém e os exercícios feitos diante de um sol tão bom como o que estava nos iluminando me deu energia plena, foi simplesmente fantástico, continue caminhando por todo o terreno enquanto os amigos ainda estavam sentados na beira do rio. Comecei a seguir os carreiros beira rio e estava tudo muito lindo, muito intenso, eu era pura alegria e sintonia com aquele lugar. Em certo momento vi uma ave, ou algo parecido. Sei que tinha penas, era enorme, talvez do tamanho de uma pavão, mas tinhas longas asas, estava no meio dos galhos e quando me aproximei ela voou para alguma arvore mais alta ou simplesmente desapareceu. O mais intrigante é que não fez som nenhum, não esbarrou em nada e sumiu, eu fiquei ali parado procurando o ser para observá-lo, mas nem sinal. Senti que o bicho era sábio e muito fluído pois não fez som, não fez movimentos bruscos, ele voou ou desapareceu por entre a natureza, e quase como um sinal, apontou uma entrada para um lugar novo.

Entrei então nessa nova área beira de rio, que mudava totalmente o clima, o sol não batia forte ali em momento algum por causa das árvores altas, e ali pairava um clima frio de inverno, parecia até outro local. Uma paisagem lúgubre e rústica, acinzentada, com um lago. O frio era mais forte ali, havia sinal de alguém que comeu mimosas por ali, mas não imagino quem vá á lugares como esse. Eu resolvi então juntar algumas sacolas e lixos que vi no local, mas ao pegar uma sacola molhada que ali estava vi de perto que milhares de pequeninos seres já estavam vivendo nela, aquilo já estava fazendo parte do terreno, seria errado tirar. Então resolvi voltar e encontrar-me com os garotos. Encontrei-os e os convidei para ver o local, passeamos bastante, ficamos filosofando sobre o que poderiam ser umas estranhas marcas no chão, que pareciam ser aquelas marcar de sinais em plantações feitas por aliens, porem eram apenas riscos no chão feitos de forma que a grama não crescia alta por onde ele passava, não pareciam rodas nem nada assim.

Já era tarde e precisávamos voltar embora, o caminho seria longo se voltássemos pelo que viemos, então fizemos um novo percurso que porem passou por vários pontos com banhados, lamas, arames, sujeira. Mas foi uma grande diversão se embrenhar no banhado e na mata fechada toda escura já sem sol, a psilocibina ainda estava fluindo e era só alegria. Quando finalmente saímos na rua foi estranho. Voltar a sociedade com casas, carros e pessoas não é exatamente agradável, a não ser pelo conforto. No caminho de volta filosofei com eles que andar nas ruas com pessoas e casas é muito mais exaustivo, pois da para se andar por horas e horas no mato sem cansar, mas nas ruas em pouco tempo já estamos acabados. O ar é mais sujo e reciclado por ali, e o visual é sempre igual... Enfim foi um dia maravilhoso, onde entrei em total harmonia com a minha existência natural, desencanei de qualquer sujeira da minha mente. Foi simplesmente maravilhoso."

Fontes:
1, 2, 3

Obrigado por ler!