Sinopse: Em 1897, Marie Heurtin nasceu cega e surda, filha de um humilde artesão e sua mulher. Aos 14 anos, Marie vive em seu próprio mundo, incapaz de se comunicar com as pessoas ao seu redor. Seu pai, desesperado para estabelecer uma conexão com a filha, não quer enviá-la para um manicômio. Ele descobre que uma ordem de freiras católicas cuida de um instituto para crianças surdas, e a leva até lá. No convento, a jovem aprende a se comunicar com a ajuda da idealista Irmã Marguerite..

Não enxergar. Não ouvir. Não falar. Viver isoladamente dentro de uma realidade ficcional de autoria própria (e acreditar que aquela é a sua única opção). Ter a alma aprisionada em um corpo que -a todo custo - lhe impede de estabelecer qualquer tipo de comunicação com o mundo externo. Viver no dualismo entre a liberdade a prisão... Esse é o mundo em que vive a jovem Marie.

Ah, o cinema francês... Quanto mais filmes eu assisto, mais eu me vejo imerso em produções de altíssima qualidade e de uma relevância estupenda (sinto até uma ponta de arrependimento por não ter notado o cinema desse país a mais tempo). Hoje eu tive o prazer de assistir esse drama baseado em fatos reais que é simplesmente um dos filmes mais emocionantes já realizados!

O roteiro de Jean-Pierre Améris - que também assina a direção - e Philippe Blasband se mostra impactante e incrivelmente bem escrito / estruturado desde as suas primeiras cenas. O sentimento envolvendo à trama é tão bonito, tão puro e tão nobre... Que a empatia do espectador para com a história e seus respectivos personagens é algo que acontece instantaneamente.

Um mundo completamente novo é apresentado ao público através do esforço da irmã Marguerite em fazer com que a jovem Marie consiga se libertar das "amarras" que a prendem em um estado de solidão e amargura constante.

O desafio duplo se estabelece: Marguerite precisa desenvolver um meio que propicie um nível mínimo de comunicação para poder alçar voôs maiores em seu objetivo (que é o de fazer a garota ter a própria voz e também de se tornar uma pessoa sociável) e Marie precisa libertar-se de seus "monstros" internos - algo que resulta sempre em um comportamento animalesco - para poder baixar a guarda e entender que existem pessoas dispostas a mostrá-la que existe um mundo além do que ela já conhece.

Inicia-se então uma jornada de aprendizado, conhecimento, superação e principalmente de amizade na vida de ambas. Um desafio diário repleto de situações complexas e desmotivantes... Mas que ao mesmo tempo deixam claro o quanto uma pode, de fato, aprender com que a outra tem para ensinar. É uma troca de vivências brutamente humana, mas é dessa forma sofrida que elas descobrem que existe um caminho e todos esses aspectos se mostram essenciais para criar a atmosfera dramaticamente cativante que é vista e sentida durante todas as cenas.

Os personagens são de uma sensibilidade tocante (e com certeza são um grande ponto forte do longa). A medida em que o roteiro avança, eles vão se tornando cada vez mais reais e mais humanos (inclusive, a um nível pouco visto em filmes que seguem a mesma temática). O elenco os personifica de uma forma não menos do que excelente e o trabalho da dupla de protagonistas Isabelle Carré e Ariana Rivoire é um verdadeiro show de qualidade à parte (que atuações!).

A abordagem que o diretor Jean-Pierre Améris escolheu foi muito bem pensada, fugindo dos clichês já esperados para tentar dramatizar ainda mais a história. Com isso, ele além de entregar um trabalho de qualidade irrefutável, ainda consegue evitar que o filme caia em um amontoado de tentativas falhas de humanizar uma história de maneira artificial. O drama presente na condução do seu trabalho é visceral, é afiado e de certa forma é cru, por apresentar cenas de partir o coração sem ter que pesar a mão em argumentos desesperadores.

Envolvendo toda à trama está um trabalho de edição simples (porém muito eficiente, mostrando que a simplicidade quando utilizada de uma maneira assertiva é algo que se torna enorme diante da forma como é utilizada) e uma trilha sonora que parece ter sido cuidadosamente escolhida a dedo (porque elas são poucas, mas tem um peso enorme nas cenas em que estão presentes). Vale mencionar também alguns takes onde é possível notar um belo trabalho por parte da equipe de fotografia.

A Linguagem do Coração é um filme tão gigante em sua importância (tornando-se um acerto completo!), que é capaz de renovar a fé e a esperança no que diz respeito as atitudes dos seres humanos e mostrar que o bem existe, está em maioria e está em todos os lugares do mundo.