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RE: A importância das estórias e do mito

in #pt6 years ago

Tema interessantíssimo meu amigo, mas gostaria de questionar a respeito desse trecho:

Por isso ele propõe re-estoriar o adulto.

A parte final de seu artigo deu uma base sobre o por que disso mas não me ficou claro de que forma podemos transcender essa natureza mais cética e enrijecida do homem adulto. Eu penso em mim mesmo como exemplo. Como poderia (tendo uma visão cética) contemplar qualquer estória mitológica ou mágica sem que isso permanecesse como algo fake? Como você me conhece, sabe que amo o tema e todas as variantes, estudo a fundo as possibilidades obscuras e complexas de nosso mundo, porém, hoje em dia o mais místico que posso alcançar é apenas aquele flerte com o passado (e com o futuro, mas, mais com o passado) em busca da sensação indefinida que causa ao tentar imaginar a vida num limiar da nossa existência, lá no vazio, na primeira centelha de consciência, quando primitivos flertávamos com as estrelas e as fogueiras. Acaba que o que me preenche (nesse quesito de "causos, histórias, lendas e contos") é a própria especulação de como se desenrolou o nosso nascimento aqui nesse lugar e talvez poder imaginar o que imaginavam os primeiros homens, é o mais perto que venho chegando disso tudo.

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Então, quando ele fala de re-estoriar o adulto, acredito que o primeiro passo quando já se há uma familiaridade com os mitos e a importância deles (já que é muito difícil para nós, modernos, tratá-los como coisas sagradas), seria acessar a própria mitologia. Re-estoriar é estoriar a própria trajetória, é entender que esses padrões são repetidos em nossa existência. Nós, com nossas desgraças e nossas graças somos o eco de alguma estrutura mitológica. Pensa nos momentos pelos quais passou, os mais fortes, nas sensações que eles causaram. Talvez seja difícil sentir isso dentro dos mitos universais que hoje lemos como estorinhas curiosas, mas quando pensamos na nossa vida, estão lá os elementos: os demônios, os anjos, as fraquezas, o temor do desconhecido. Então, no elo profundo que há entre mito e existência, podemos nos reconhecer como habitantes NO mito, pois o mito é organizado desde a mesma fonte que organiza nossa experiência, que seria a arquetípica. Vivemos NA imagem, organizamos nosso próprio mundo segundo as imagens que nos surgem, e elas também devem seguir esse padrão original arquetípico. Os mitos nunca param de ocorrer, eles são constantes por serem a própria experiência humana e é nesse ponto que devemos chegar: nós somos parte do mito.
Pode ser um elo difícil de explicar e de entender, mas é por essa via mesmo que o assunto vai. Por ex., num nível profundo, quando Parsifal, em sua pura inocência, derrota o invencível Cavaleiro Vermelho e dele ganha a armadura e o cavalo e seu escudeiro diz que tire os trapos que vestia e recebera de sua mãe para colocar a nova armadura, isso se relaciona com o acesso da masculinidade, do desafio da iniciação adulta e da resistência em abandonar os agregados maternos da infância. Esse tipo de codificação mitológica proposta por Jung é semelhante à organização da linguagem onírica de alguns casos. Os motivos se repetem, pois provêm de elementos basilares da nossa psique. O que não notamos é que o nosso próprio modo pessoal de interpretar nossa trajetória de vida também segue, de alguma forma, esse caminho. O mito sempre vive, basta que olhemos bem para ver como e onde ele agita as águas do rio.

Acabei de ler um trecho no mesmo livro do Hillman que pode ajudar:
"Epistrophé é uma idéia neoplatônica; sua melhor elaboração encontra-se nos Elementos de Teologia de Proclus, especialmente a proposição 29. Em resumo, esta idéia considera que todo fenômeno tem um modelo arquetípico para o qual voltar, reverter, retornar. Todos os acontecimentos que se passam no domínio da alma, isto é, todos os eventos e comportamentos psicológicos, têm uma similaridade, uma correspondência, uma semelhança com um padrão arquetípico. Nossas vidas seguem as figuras mitológicas: agimos, pensamos, sentimos, apenas na medida em que isso é permitido por padrões estabelecidos no mundo das imagens. Nossas vidas psicológicas mimetizam os mitos. Como Proclus nota, fenômenos secundários (nossas experiências pessoais) podem reverter a um contexto primário ou primordial, onde têm ressonância e ao qual pertencem. A tarefa da psicologia arquetípica, e da sua terapia, é descobrir o padrão arquetípico das formas de comportamento. Pressupõe-se sempre que "alguma coisa se encaixa em algum lugar": todas as formas da psicopatologia têm seu substrato mítico e pertencem ou têm guarida nos mitos."-p.65, 66

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