#FILMOTECA - Das weiße Band - A fita branca (2009) - Michael Haneke

in #pt6 years ago (edited)

Haneke é o tipo de diretor difícil de digerir, muito difícil. Como exemplo vou citar apenas dois filmes dele: O sétimo continente (1989) e Violência gratuita (1997). Esse pequeno panorama nos coloca em contato com as piores sensações que um homem pode sentir. Vocês querem mais detalhes? - Uma família que decide pelo suicidio coletivo; - Dois jovens sem nada para fazer que resolvem torturar e matar pessoas escolhidas aleatóriamente apenas por diversão.

“quanto mais radicalmente as respostas são negadas ao expectador, mais ele vai procurar sua própria verdade”

Michael Haneke

Está pesado?

capa.jpg

Vamos falar então de Fita Branca. Um filme brutal de 2009. Assim como boa parte do cinema escandinavo, o filme mexe com camadas muito profundas do homem e da sociedade, nas entrelinhas se compreende muito mais do que o cinema americano (ou mesmo nacional) está acostumado a comportar. Em especial quando trata de temas tão sérios como este.

A sinopse "limpa" de análises mostra um filme com uma história instigante, quase beirando o "folk-horror" já comentado pelo amigo @flaviusbusck em seu Wicker man onde uma vila do interior da alemanha, no ano de 1913 passa por uma onda de estranhos acontecimentos violentos, causando perturbação e medo em todos os moradores. Ao decorrer do filme fica claro que tais atos maldosos (crescentes numa escala angustiante) são obra de alguém dali mesmo. O roteiro em si não foge muito disso, mas é necessário analisar um pouco mais fundo.

a-fita-branca-1.jpg

O período pré primeira guerra exibido no filme na representação dessa aldeia superconservadora protestante deixa claro que os moradores daquela comunidade vivem um regime de frieza, angustia e amargura muito maior do que a vida pede. Ao proporcionar ao espectador uma contemplação em filtro preto e branco, Haneke consegue acentuar de forma grave algo que já estava claro o suficiente. Viemos de um passado muito pouco agradável. Assim como muitos que conheço, eu particularmente tenho um certo amor pela imaginação a respeito de minha ancestralidade, alemã no caso. Mas nos atemos exatamente a visão apaixonada, romântica da relação com a terra e com a sociedade, em um modelo que hoje em dia é apenas fragmento de museu. Porém definitivamente não lembramos que o homem torturado de hoje é o mesmo homem torturado de ontem, que as dificuldades emocionais, mentais e reais estão presentes em qualquer fase do espaço-tempo. Acima de qualquer ideal do tradicionalismo campesino e identitário que eu possa (e vou) defender, é necessário estar lúcido que o passado não foi agradável da forma que imaginamos, não pelo menos no grau que esperamos e estamos acostumados.

Haneke nos dá esse retrato da frieza cultural da época, um panorama vasto e de dar nó na garganta, da tensão no olhar dos pais para os filhos, na rudez e violência para com a esposa, na amargura nas relações sociais e na brutalidade religiosa quase perigosa de uma geração que ainda estava para ver as atrocidades de uma grande primeira guerra.

Sinceramente, ao assistir o filme sem antes ler qualquer crítica não imaginava que Haneke havia montado uma crítica além da própria desconstrução do idealismo campestre, mas sim, ele estava falando diretamente a respeito da criação de uma geração que viria a ser responsável pela guerra seguinte, mais especificamente responsável pela ascensão do terceiro reich. Entramos aqui em um ponto de vista muito específico do diretor. Mas acredito que muito de sua visão de mundo está perfeitamente sincronizada. Temos uma educação de alto nível com música erudita, conduta, literatura e tudo mais, porém regida a violência e repressão. Vê-se formar ali um esboço de tudo que sabemos hoje a respeito do senso comum da frieza europeia/alemã, da violência implícita em ideias e pensamentos e tudo mais que pode ser analisado por este ângulo.

dasweisse1.jpg

Este tema está oculto, ainda que clareado pelo diretor, e sem dúvidas o que fica gritante ali, para nós hoje, jovens com chuveiro quente, camas confortáveis, tênis caros, carros rápidos, é que indiferente das consequências de vinte anos depois, a brutalidade de uma geração tem poder de mudar o mundo. A repressão, a violência, o "tornar a vida desconfortável" são coisas que podem ser ou não evitadas. No passado não, por que viemos de uma linha cultural muito específica, onde as coisas eram assim e pronto, não havia qualquer motivo para agir diferente. Cultura que certamente é diferente no Japão ou na Índia, cada lugar com seus meios.

A fita branca traz esse tema repleto de momentos cinematograficamente incríveis, com uma fotografia perturbadora, com atuações de primorosa qualidade e com o peso da direção de um demônio da melancolia e do desespero silencioso. Michael Haneke sabe nos fazer sofrer.

Duração: 144 minutos
Ano: 2009
País: Alemanha/Áustria

DQmb9i2KiKpKHoj63jj482Z2HpRPSbx1UyAPXrRGYxXzhEj.png
filmoteca.jpg
DQmb9i2KiKpKHoj63jj482Z2HpRPSbx1UyAPXrRGYxXzhEj.png

Confira a lista de todos os filmes do projeto

Fonte das imagens:
1, 2, 3


DQmWwVwHZgGvHaPCtZZtyzn6o78yRrPQqcCXCHECVo92WhE.jpeg

Assinatura STEEMER 1.jpeg

Sort:  

Boost Your Post. Send 0.100 STEEM or SBD and your post url on memo and we will resteem your post on 5000+ followers. check our account to see the follower count.

Diese Films ist atemberaubend. This film is amazing. Nice post!

Sicher ist es! Danke fürs lesen und kommentieren!

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

footer-comentarios-2.jpg

Ainda não vi ... e tinha até esquecido. Vai voltar para a lista. Valeu!!

Vale a pena, apesar de muito longo, é bastante intenso.

É um filme muito bom. Minha memória não permite fazer uma análise decente agora, mas acho que me levou a pensar na concepção de bom selvagem. Ótima contribuição para a filmoteca, muito obrigado, amigo!
Ah, eu concordo com suas observações sobre a vida rural, as idealizações e tudo mais. Não temos que fazer dela um paraíso na terra, pois ele nunca existe. Mesmo nessa que parece ser a "condição ideal" para muitos, não deixaremos de lado nossa natureza humana com todos seus problemas.

Exato. Chega a ser um pouco doloroso questionar se, caso essas pessoas, dessa época tivessem a oportunidade de viver as facilidades que temos hoje, elas não iriam preferi-las. Por que é quase automático pensarmos que a vida tradicional e menos "poluída" é uma escolha, pois nos baseamos nos conceitos de hoje "da volta a origem" que é outro viés, diferente do "estou aqui, não tenho escolhas". E olha que esse nem é o ponto crucial do filme, mas me toca por que deixa claro essa "vida difícil".

Esse filme é simplesmente fantástico! Uma pena ele não ter o reconhecimento que lhe é devido.

Realmente, os filmes do Haneke nunca sobem muito de popularidade, mas acho que ele sabe bem disso haha. Afinal é um filme pesado e complexo né :)

Coin Marketplace

STEEM 0.31
TRX 0.12
JST 0.033
BTC 64485.37
ETH 3156.53
USDT 1.00
SBD 4.05