Bruxas da Noite Capítulo 25 – A Segunda Bruxa

in #pt5 years ago

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Como eu esperava, a tentativa da Bruxa da Noite que encontrámos no Convento de Santa Clara de desencorajar a Organização de interferir nos seus assuntos não surtiu qualquer efeito. Logo no dia seguinte, Almeida chamou-me para investigar outro portal.

Do outro lado dos portais que atravessámos nos dias que se seguiram, não encontrámos nada de relevante. Porque é que as Bruxas da Noite haviam criado aquelas travessias, não tínhamos como saber. Talvez estivessem relacionados com ataques abortados ou fossem apenas para observação e reconhecimento.

Apenas um se mostrou remotamente interessante, já que levava até um ponto junto da margem do rio Lima, nos arredores de Viana do Castelo. Certamente teria sido dali que haviam lançado o ataque ao reino do Rei das Ínsuas, mas, naquele momento, em pouco nos ajudava.

Finalmente, um dos portais levou-nos a um local de escuridão absoluta. Acendemos de imediato as lanternas e logo percebemos que nos encontrávamos num túnel. As paredes, o teto e o chão eram formados por blocos e lajes de granito.

Estávamos demasiado fundo para os GPS funcionarem e, sem uma abertura por onde espreitar, não tínhamos maneira de saber em que parte do país (ou, quem sabe, do mundo) nos encontrávamos.

O túnel estendia-se em duas direções, pelo que Almeida escolheu uma à sorte e começámos a nossa exploração. Sabendo do nosso encontro com goblins e criaturas piores e da morte dos seus companheiros em Vila do Conde, os soldados da Organização prenderam as lanternas às armas e avançaram com estas em riste.

Tínhamos andado apenas algumas centenas de metros, quando nos deparámos com os primeiros habitantes daquele túnel. Não se tratavam de trasgos, goblins, ou qualquer outra criatura que tivéssemos encontrado antes. Depois daquela missão, demos-lhes o nome de trogloditas, pois eram vagamente semelhantes a humanos, mas tinham cabeças achatadas sem olhos e pele extremamente pálida.

Aparentemente, haviam detetado a nossa presença antes de os avistarmos, pois carregavam na nossa direção empunhando armas de madeira e sílex. Assim que se aproximaram, atiraram-nos lanças e pedras afiadas, contudo, estas primitivas armas nada podiam contra os capacetes e o outro equipamento de proteção que começámos a usar após a expedição em Vila do Conde. As armas automáticas dos soldados da Organização, porém, não tinham qualquer dificuldade em abater os trogloditas. Bastaram algumas rajadas para os derrubar a todos.

Passámos por cima dos seus corpos e continuámos a nossa exploração.

O túnel mudou de direção pouco depois. Também parecia descer, embora com uma inclinação muito subtil.

Avançámos durante mais de quinze minutos, sempre em linha reta, antes de avistarmos o fim do túnel. Este parecia desembocar numa caverna natural, mas só quando lá chegámos é que nos apercebemos da verdadeira dimensão desta.

O teto elevava-se uns vinte metros sobre as nossas cabeças, muito acima do do túnel, e a caverna em si estendia-se centenas de metros à nossa frente e para os lados. Estalactites e estalagmites despontavam em diversos sítios, e, entre elas, serpenteavam caminhos de terra comprimida por centenas de pés. Embora, a princípio, não conseguíssemos ver nenhum, era óbvio que os trogloditas frequentavam aquele local em grande número.

Os soldados da Organização formaram um perímetro à volta de mim e de Almeida, e, com cuidado redobrado, começámos a explorar a caverna.

Não tardámos a encontrar os primeiros trogloditas. Um grupo de seis estava reunido atrás de uma estalagmite, a conversar. A sua língua parecia estranha e primitiva aos nossos ouvidos, mas, pela maneira como falavam, pareciam estar a ter uma conversa trivial.

De súbito, calaram-se. A princípio, não percebemos porquê, mas, quando começaram a afastar-se de nós, apercebemo-nos que nos haviam detetado. Como não possuíam olhos, era difícil dizer quando se tinham apercebido da nossa presença.

Eu e os soldados da Organização olhámos para Almeida, à espera que ele dissesse como devíamos reagir. A decisão, porém, acabou por não ser dele.

Pedras afiadas começaram a cair sobre os soldados na retaguarda. Estes responderam com tiros das suas automáticas, enquanto os seus companheiros abateram os trogloditas que tínhamos visto primeiro. Contudo, só então, com os nossos oponentes mais imediatos derrotados, é que nos apercebemos realmente da situação em que nos encontrávamos.

A toda a nossa volta, reunia-se uma massa de trogloditas que se estendia até onde a luz das nossas lanternas chegava. E todos se abateram sobre nós.

Os soldados da Organização começaram a disparar, mas nem as suas armas automáticas conseguiam deter todos os atacantes. Eventualmente, as criaturas chegaram aos soldados e atacaram-nos corpo-a-corpo. Embora o equipamento protetor dos homens de Almeida oferece-se uma substancial defesa contra as armas primitivas dos trogloditas, a enorme quantidade de ataques fazia com que fosse quase impossível que alguns não encontrassem uma junta ou emenda mais vulnerável.

Estávamos prestes a ser esmagados pelos trogloditas, quando um grito fez as criaturas parar. Assim que estas se afastaram, começámos a olhar em volta em busca do nosso salvador. Na parede da caverna, a uns dez metros do chão, encontrámos uma gruta mais pequena. Recortada pela luz que emergia do interior, vimos a forma encapuçada de uma Bruxa da Noite.

Ela fez um gesto para que nos aproximássemos. A multidão de trogloditas abriu-nos uma passagem, e nós, devagar e olhando constantemente em redor, atravessámo-la até chegarmos à parede.

– Subam – disse a Bruxa da Noite. – Quero falar convosco.

Depois, desapareceu para o interior da gruta.

Um a um, trepámos pelos vários apoios escavados na parede. Como seria de esperar, havia soldados à nossa frente e atrás de nós.

Quando chegámos ao topo, a criatura esperava-nos sentada detrás de uma secretária carregada de livros e instrumentos que eu não reconheci. As paredes estavam cobertas de livros, e havia baús fechados em vários pontos. As semelhanças com o nosso anterior encontro com uma Bruxa da Noite eram óbvias. De facto, não podíamos ter a certeza de que aquela não era a mesma criatura.

Como antes, os soldados rodearam e apontaram as armas à Bruxa da Noite. Só então eu e Almeida nos aproximámos. A criatura, que não se havia movido ou mostrado a mínima reação desde a nossa chegada à gruta, esperou até nos encontrarmos quase encostados à secretária e depois disse:

– Já vos foi dito que não temos qualquer interesse no que a vossa raça idiota faz ou deixa de fazer. Porque continuam a interferir nos nossos assuntos?

– E eu já vos disse que as vossas ações arriscam revelar ao público um mundo que ele não está preparado para conhecer – respondeu Almeida.

– Não é do nosso interesse que todos os homens saibam da nossa existência, mas não podemos comprometer os nossos objetivos por causa disso. São demasiado importantes.

– Nesse caso vamos continuar a interferir nos vossos assuntos e combater-vos se for preciso – disse Almeida.

– Não precisamos de mais inimigos, mas não pensem que não vamos responder. Fale com os seus superiores, diga-lhes o que discutimos e tentemos evitar contratempos e derrame de sangue desnecessários.

– Não acho que falar com os meus superiores vá fazer grande diferença.

A Bruxa da Noite ficou em silêncio durante alguns minutos. Por fim, disse:

– Nesse caso, não vale a pena adiar o vosso fim.

A criatura começou a mover as mãos para lançar um feitiço. Os homens de Almeida, percebendo o que ela estava a fazer, não hesitaram e abriram fogo. As balas, porém, não pareceram ter qualquer efeito na Bruxa da Noite além de atrasar os seus gestos.

Depois do que havia visto nas várias batalhas das Bruxas da Noite, a invulnerabilidade destas a balas não me surpreendeu. Almeida, se ficou surpreendido, não o mostrou, e prontamente gritou:

– Fujam!

E, quando chegámos à boca da gruta, instruiu:

– Saltem para cima dos trogloditas.

Assim fizemos. Felizmente, as criaturas cegas não tiveram tempo de preparar as armas, e os seus corpos, juntamente com as nossas armaduras, foram suficientes para nos aligeirar a substancial queda.

Doridos, levantámo-nos e dirigimo-nos para o túnel por onde havíamos entrado.

A princípio, os trogloditas não nos tentaram impedir nem perseguir, mas a Bruxa da Noite logo surgiu na entrada da sua gruta e gritou algo numa língua que eu não percebia.

Tivemos de abrir caminho à força através dos últimos trogloditas da multidão, e os restantes perseguiram-nos, mesmo depois de entrarmos no túnel.

Com os soldados da Organização a disparar constantemente para trás, contra a horda que nos perseguia, corremos em direção ao portal que nos havia transportado para aquele túnel. Felizmente, este não tinha nenhuma bifurcação, pelo que não havia risco de nos perdermos durante a confusão da fuga.

Finalmente, chegámos aos corpos dos primeiros trogloditas que tínhamos encontrado, indicando que estávamos quase a chegar ao portal. A horda ainda nos perseguia, apesar das dezenas de criaturas que os soldados haviam abatido durante a nossa fuga.

Conforme nos aproximámos do local aproximado da nossa chegada, ficávamos mais e mais aliviados. Esse alívio, contudo, transformou-se gradualmente em desespero conforme percorríamos mais e mais do túnel sem que um portal nos levasse de novo para o acampamento. Por fim, chegámos a uma esquina, mostrando que tínhamos percorrido todo o túnel. De alguma forma, a Bruxa da Noite havia fechado o portal, prendendo-nos ali.

– Continuem a correr! – gritou Almeida, com um toque de medo na voz. – Continuem!

– Estamos a ficar sem munições – disse um do soldados, inserindo o seu último carregador na arma.

Continuámos a avançar na esperança de encontrar uma saída, mas, após a esquina, havia apenas outro túnel escuro, e outro, e mais outro…

Os soldados começaram a racionar as balas, disparando balas solitárias em vez de rajadas, permitindo que os trogloditas se aproximassem cada vez mais. E não havia sinal de que a sua perseguição estivesse a enfraquecer.

A situação apresentava-se desesperada quando avistei o que me pareceu ser um pequeno raio de luz a sair da parede. Apontei a lanterna para lá, revelando o que parecia ser um arco selado com pedras de granito e mortalha antiga, muito diferente dos blocos de pedra que formavam o túnel. A luz parecia sair de um pequeno orifício entre elas.

– Pode ser uma saída – disse Almeida ao aperceber-se do que eu havia descoberto. – Derrubem a parede debaixo do arco – ordenou, depois, aos seus homens.

Os soldados rapidamente executaram a sua ordem. Aqueles que tinham menos munições usaram a coronha das espingardas para derrubar a parede, enquanto os restantes disparavam contra os trogloditas para os manter à distância.

– Despachem-se! – gritou Almeida.

A primeira pedra eventualmente caiu para o exterior, seguida rapidamente pelas restantes. Assim que se abriu um buraco grande o suficiente para passarmos, emergimos, um a um, para um parque público. Os vários transeuntes pararam para ver o que se passava. Certamente que ninguém esperava ver pessoas sair de um arco selado sabia-se lá há quanto tempo.

– Saiam daqui! Fujam! – gritou Almeida para os civis, enquanto os seus soldados alinhavam em frente ao buraco e se preparavam para receber os trogloditas.

O aviso não funcionou. De facto, os gritos de Almeida apenas atraíram mais curiosos. Felizmente, segundos passaram e transformaram-se em minutos sem que houvesse sinal dos nossos perseguidores.

Ao fim de quinze minutos, Almeida ordenou aos seus homens que verificassem o que havia acontecido aos trogloditas. Cuidadosamente, um dos soldados enfiou a lanterna e a arma, seguidas pela cabeça, no buraco que havíamos usado para escapar do túnel. Depois de espreitar em todas as direções, virou-se para nós e disse:

– Não vejo ninguém.

– Terão tido medo da luz do Sol? – comentou Almeida.

– Eles pareciam cegos, mas talvez o sol os afete de outra maneira – respondi eu.

Após determinar onde nos encontrávamos com a ajuda do GPS, Almeida chamou reforços pelo telefone. Eu, porém, não precisei de instrumentos eletrónicos para perceber onde estávamos. A muralha, os canhões, as ruas estreitas e antigas, a ponte de aço sobre o rio, todos aqueles elementos não deixavam dúvida: estávamos em Valença, mais precisamente na parte velha da cidade.

Uma hora mais tarde, chegou um helicóptero, seguido pouco depois por vários camiões cheios de soldados. Sob as ordens de Almeida, estes isolaram a entrada para o túnel e começaram a explorá-lo em caça da Bruxa da Noite e dos seus trogloditas.

O helicóptero levou-me para Braga, pelo que não fiquei para ver o que se passou a seguir, mas Almeida mais tarde contou-me que os seus homens não encontraram nem a Bruxa da Noite nem nenhum troglodita. Até os corpos das criaturas que tínhamos matado haviam desaparecido. Encontraram, porém, um complexo de túneis que se parecia entender por todo o norte de Portugal e Galiza e talvez ainda mais além. Segundo Almeida, explorá-lo levaria anos.

Mais uma vez, as Bruxas da Noite disseram e mostraram que não nos queriam envolvidos nos seus assuntos. Depois de nos escorraçar dos seus túneis, a Bruxa da Noite desapareceu juntamente com as criaturas sob o seu comando e todo e qualquer sinal da sua presença ali. Tudo para nos ocultar os seus objetivos.

Claro que esse esforço apenas aumentava a minha curiosidade e a determinação da Organização em descobrir o que se passava. Embora ainda não tivéssemos grandes pistas, tinha esperança de que tudo se revelaria em breve. Se soubesse o que sei hoje, teria aproveitado a oportunidade para me afastar.

Publicado originalmente em https://bruxasdanoite.wordpress.com

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