Gula

Quadro de Zdzisław Beksiński

Por meros instantes, apenas por um momento,
Sinto-me tentado a seguir o rumo dos demais,
Nascer, crescer e morrer virtuosamente.
Para que um dia, possam glorificar-me depois de morto
E afirmar convictamente que fui um homem digno e sem vícios.
Que cheguei quase ao centenário, não referindo nunca,
(porque os seres humanos, depois de mortos são todos eles qualidades)
Que morri aos poucos senil e sem dignidade,
Que já não conseguia recordar a razão de existir
Deixando o mundo ainda vivo.

Afasto repugnado a tentação nefasta,
E prefiro procurar todas as sensações
O término é certo para todos!
Mas o que faz de mim verdadeiramente realista,
È escolher sentir aquilo que os restantes se privam
Colher o fruto do que é pecaminoso!
Meramente porque alguém se lembrou de inventar o pecado
E deixar-me levar fugazmente,
Para um universo paralelo, onde eu sou rei das minhas decisões
E destruir as muralhas que eventualmente serão ruínas.

Quero tocar o extremo,
Beber todos os venenos, ingerir todas as iguarias,
Crer em todas as alucinações,
Porque alucinar com a vida é também vivê-la!
Quero entregar-me ao excesso!
Que só o é porque existe também a privação.

Quando, um dia entender que já consumi o mundo,
O mundo há-de consumir-me a mim…
Mas não será uma fatalidade!
E todos os que me conheceram, hão-de tecer criticas e juízos de valor,
Porque aquele que não segue o caminho perde todas e quaisquer qualidades.
E há-de ser bem feito, eu ter perdido a vida novo!
Mas nada do que conjecturarem importa,
Pois no fim de tudo, o que realmente interessa
E o que apenas alguns compreendem,
È que antes de cerrar definitivamente os olhos,
Saberei que fui feliz.