Um olhar sobre a Violência DomésticasteemCreated with Sketch.

in #sociology7 years ago (edited)

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Fotografia da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima - APAV

Nos últimos anos, em Portugal, esta questão tem sido tema de diversas campanhas de sensibilização, todavia, continua a ser uma realidade preocupante.

Quando falamos deste fenómeno, não nos podemos esquecer, de todas as formas de violência: violência física, violência psicológica e a violência extrema – o homicídio.

Baseada na obra de Elsa Paes* (Mestre em Sociologia, Investigadora no centro de estudos de sociologia, SociNova da Universidade Nova de Lisboa UNL/FSCH, Professora na Universidade Católica Portuguesa e Professora no Instituto Superior de Serviço Social.), “O Homicídio Conjugal em Portugal - Rupturas Violentas da Conjugalidade”, apresento uma pequena recensão crítica e sociológica, que efectuei.

A Obra:

Na Obra “Homicídio conjugal em Portugal – Rupturas Violentas da Conjugalidade” a autora examina a violência conjugal na sua forma extrema – o homicídio conjugal. Nesse sentido, a análise baseia-se no contexto das relações conjugais, onde os binómios amor/ódio, amor/desamor a as conflitualidades de base afectivo/relacional se podem constituir como elementos estruturantes de violência.

“Será que na família, como em outros domínios da vida, se está a assistir a desfasamentos entre valores e práticas sociais?”; “Esses desfasamentos podem ser eles mesmos sintomas dos processos de mudança?”; “O que está então a mudar nas lógicas e dinâmicas familiares”; “De que formas nas práticas e representações sociais se inscrevem as contradições que originam processos de ruptura?

A pesquisa realizada, baseou-se à volta das interrogações genéricas transcritas (página 27), tendo a autora, como grande objectivo, compreender as mudanças ocorridas na conjugalidade, e mais especificamente, aquelas em que se inscreve a conflitualidade que sustenta rupturas violentas.

Para o efeito, a abordagem das rupturas violentas da conjugalidade foi estruturada a partir do cruzamento de dois grandes eixos problemáticos. No 1º eixo cruzam-se duas lógicas diferentes – uma para qual a violência é uma componente normal das relações sociais e outra onde a pacificação dos costumes acelerou o processo de individualização, tornando-se o homem indiferente ao outro. No 2º eixo são analisadas as interacções estabelecidas entre a família e os contextos de mudança, onde se analisam de que forma os contextos sócio-culturais, o efeito de geração e de género condicionam a adopção de atitudes reflexivas do eu em torno das quais se estruturam, ou não, os mecanismos que visam superar as conflitualidades conjugais.

Estrutura da Obra:

A obra em análise encontra-se divida em duas (2) grandes partes: - 1ª parte: Enquadramento e Perspectivas de Análise; 2ª Parte: Os Percursos da Conjugalidade: Contextos, Trajectos e Conflitualidades.

A primeira parte, estruturada a partir de três capítulos, é feita uma análise do estado actual dos conhecimentos sobre a produção social da violência e do crime e em simultâneo uma revisão sobre as teorias da família e da conjugalidade.
A autora inicia desta forma uma abordagem através dos seguintes temas:

 Enquadramento e perspectivas de análise: Construção Social da Violência e do Crime: A violência como regulador social, Agressividade tornada violência, Problemáticas compreensivas do crime, Crime de homicídio. Família(s): Lugar de (In)Visibilidade do amor, do Desamor e da Violência: Tradição e modernidade: sexualidade, amor e casamento. Modelos matrimoniais e rupturas da conjugalidade. Espaço doméstico e violência. Em torno da construção social da diferença: as questões do género na violência conjugal. O Percurso e a Definição do Procedimento Analítico e da Estratégia Metodológica.

Na segunda parte é efectuada uma análise dos resultados da investigação empírica sobre as rupturas violentas da conjugalidade, da qual destaco os seguintes temas abordados:

 Os Percursos da Conjugalidade: Contextos, Trajectos e Conflitualidades: Análise Sociográfica. Homicídio conjugal versus homicídio: Crime e efeito de geração e de género. Distribuição espacial e mobilidade. Género e punição. Anatomia do crime. Em torno dos Valores: os Contextos Sociais e as Trajectórias. Trajectórias sociais. Práticas, representações e valores. Reflexibilidade e mudança. Rupturas Violentas da Conjugalidade: maus-tratos; abandono-paixão; posse-paixão; conflito.

Ao longo do presente trabalho são revelados dados estatísticos da realidade nacional, mas também se recorre ao cruzamento de dados da situação verificada em outros países.

Pressupostos teóricos que nortearam a pesquisa

O que está em causa é avaliar as rupturas violentas da conjugalidade através do acto de matar, no contexto em que os processos sociais de mudança acompanharam, ou não, os novos relacionamentos entre sexos. Diz-nos a autora (página 86):

“Cabe deste modo perguntar, quem, em contextos de modernidade é mais capaz de enfrentar os processos de mudança e de individualização a que as pessoas estão sujeitas, sem desestruturações profundas das práticas e representações que as orientam? Ou seja, será que, numa linguagem mais próxima da terminologia de A. Giddens, perante os desafios da modernidade, os indivíduos com ausência de um “sistema ontológico de segurança”, o que lhes confere uma atitude de “dormência resignada”, têm mais dificuldade em estabelecer um “novo sentido do self” e por isso mesmo resolverem as conjugalidades difíceis através do recurso à violências? Será, então, que os indivíduos com maior “capacidade reflectiva ” os que perante conjugalidades difíceis recorrem a soluções mais pacíficas, na linha da procura de uma segunda oportunidade, através do recurso ao divórcio/separação?

Tentando dar resposta às perguntas equacionadas, a autora, vai procurar ver de que forma as condições materiais e de existência condicionam a constituição de universos simbólicos e organizam matrizes e trajectórias sociais levando muitas vezes a práticas de violência.

Instrumentos de Pesquisa e Organização da Análise

Para a elaboração da presente pesquisa foram estabelecidas duas etapas de recolha e identificação do universo. Na 1ª etapa foram distribuídos 150 inquéritos por questionários onde era feita uma caracterização do universo através das seguintes perguntas: idade; sexo; estado civil; naturalidade; residência; habilitações e profissão; qualificação do crime; vítima; pena e data de detenção. Na 2ª etapa foram efectuadas 36 entrevistas, 26 a homens e 10 a mulheres com mais de 16 anos, em situação de reclusão nos diversos estabelecimentos prisionais do Continente. Estas entrevistas constituíram o fundamento da análise intensiva.
Os elementos recolhidos serviram de reflexão a uma análise sistemática de conteúdo.

Análise Sociográfia

Através do estudo efectuado foram confirmadas as seguintes regularidades: a violência extrema é sobretudo uma violência de homens sobre homens e quase sempre ocorre em contexto de proximidade relacional enquanto que as mulheres têm sido mais vítimas do que autoras, no entanto quando comentem homicídio fazem-no quase sempre no meio familiar.

O local privilegiado do homicídio conjugal é a casa, e nesta a cozinha e o quarto. Os crimes que ocorrem na rua são aqueles que têm como vítima o amante ou o “outro”. A grande parte destes crimes não são premeditados, sendo considerados por muitos, como se um acidente se tratasse. Tanto homens como mulheres usam como instrumentos do crime, os utensílios utilizados na gestão da vida quotidiana.

Contextos Sociais e as trajectórias

Verificou-se que o homicídio conjugal é um crime de estratos sociais mais baixos (86,6%) não tendo a autora encontrado neste estudo, nenhum caso no estrato mais elevado, e apenas 2% no estrato médio-alto.

Existindo violência em todas as classes sociais, existe uma diferenciação de violência por classe, sendo que a violência física ocorre mais frequência nas classes sociais mais baixas.

Trajectórias estacionárias / “Vidas duras”

Relativamente ao processo de socialização podemos concluir que os entrevistados experimentaram três tipos de situações onde a violência, afecto e carência se interpenetram, numa combinação donde resultam trajectórias de exclusão. Exemplos: Violência/repressão; entre o afecto e a legitimação “quem dá o pão dá a educação”; quando não há memória de violência (…) há memória de carência.”

Em termos de conclusão poderemos dizer que apesar da existência de conjunções diversas de sistemas de desvio, as trajectórias dos entrevistados, marcadas pela manutenção de um baixo estatuto social, são estacionárias.

Rupturas Violentas de Conjugalidade

A autora analisa as diferenciações de género na relação vítima agressor. Esta análise debruçou-se mais na problemática dos contextos em que se desenvolveu a relação vítima-agressor, bem como as motivações profundas que desencadearam a acção violenta. Nesta óptica foram, assim identificados quatro tipos diferentes de intermutabilidade agressor-vítima: (i) Homicídio “maus tratos (ii) Homicídio “violência-conflito” (iii) Homicídio “abandono paixão” (iv) Homicídio “posse paixão”.

O que em alguns contextos sociais se resolverá através do recurso ao divórcio, noutros (classes sociais mais baixas) a saída possível é o crime conjugal.

Conclusão

Elza Pais diz-nos, em termos de conclusão, que a posição consensual ou o divórcio parece ser compartilhada pela classe social elevada, com níveis de instrução médio-alto e não praticantes de uma religião. Verificou-se que as rupturas violentas da conjugalidade se encontram associadas, por um lado, á impossibilidade de tornar eterno o amor-paixão, e por outro lado, à dificuldade muitas vezes suscitadas pelo meio sócio-cultural em que se inserem, de efectuar um processo de ruptura e dissolução da união.

Como já referido anteriormente foram definidos quatro tipos de homicídio conjugal: “maus-tratos”; “violência-conflito”; “abandono-paixão”; “posse-paixão”.

Poder-se-á igualmente concluir que a violência física é mais comum nas classes mais baixas, sendo em contrapartida a violência psicológica mais comum nas classes médias-altas.

Os resultados confirmam também que 58% das mulheres que cometem homicídio, fazem-no no seio da conjugalidade enquanto nos homens só 13% se encontram neste contexto.

Não existe uma localização regional do homicídio conjugal, mas tem uma taxa de incidência preponderante a nível dos meios urbanos.

Não deixa de ser “irónico” que no final da sua obra, a autora, nos confronte com o facto de o homicídio conjugal ser condenado no plano dos princípios, mas contando com grande tolerância no plano das sociabilidades.

Muito obrigada pela visita e por terem lido o post até ao fim.

Bom fim-de-semana

Sort:  

Muito importante este post, há que divulgar e alertar para o problema da vilolência doméstica. Muito bem minha querida!

Obrigada, minha querida. Nunca é demais divulgarmos a violência doméstica e aos poucos irmos transformando o mundo. Beijo grande.

Parabéns, @ginga
Teu post foi mencionado no post Mellores posts Steemit Português 12 Agosto 2017
Apertas fraternais.

Obrigadas pola túa participación e aportacións na comunidade lusófona do Steemit e túas aportacións.

Si vç atopara mais artigos arredor das violencias sobre a muller (de autoras distintas a ti), envienoslas. REcibirá unha parte do beneficio líquido obtido pola recopilacióm.

Sabes que estás incluida no censo de usuarias lusófonas no Steem.Center

PS : Resultame de suma importancia a temática, e f aremos todo o posible por darlle a relevancia merecida, e coa vosa colaboración é posible. O primeiro de todo visibilizar esta realidade da violencia sobre a muller, para que se perciba.

Queriavos comentar... como o @freyman anduvo co tema das etiquetas estes días atrás dixo... contalle que non puxeron a etiqueta muller (mulher, woman, ) ....

Muito obrigada @gazetagaleguia. O tema é realmente muito importante e de cariz universal. Um abraço e parabéns pelo trabalho desenvolvido.

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