#DICIONÁRIO DA MÚSICA# Elomar Figueira Mello

in #ptmusic7 years ago

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Estamos diante de um caso muito único na música brasileira. Uma mistura de músico nordestino e trovador medieval lá do interior da Bahia, um artista que fascina gerações com sua complexa obra e fantástico universo.

Nascido na Fazenda Boa Vista e de formação católica, descendendo do bandeirante João Golçalves da Costa, fundador do que hoje é a cidade de Vitória da Conquista, Elomar é uma espécie de eremita erudito. Apesar de ter estudado Arquitetura e brevemente passado pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, é na sua fazenda, a chamada Casa dos Carneiros que ele passa seu tempo. Isso é refletido em suas músicas, que sempre retratam um mundo rural ideal, fantástico e a desventura dos retirantes que deixaram seus vilarejos para buscar vida melhor na cidade e acabaram por se arrepender.

Apesar de evitar aparecer muito, nos poucos contatos com a grande mídia que há, como entrevistas, ele se revela uma pessoa de convicções tradicionais e um estilo de vida pouco moderno, muito influenciado pelo imaginário católico popular. No entanto, ele não é nenhum ignorante. Ele é tido com respeito por acadêmicos de todo país e sua obra é vista como uma manifestação erudita de raro valor. Ele mesmo é muito versado nos campos de onde colhe influências. Numa entrevista onde é questionado sobre as influências ibéricas em sua música, ele revela que desde cedo lia literatura "cafona", descobrindo a poesia dos monges vagabundos da virada do milênio, a poesia provençal, acompanhando também a música da alta idade média, os romances de cavalaria e a arte de Bosch. Para Elomar, aquela era medieval jamais poderia ser Idade das Trevas, mas sim Idade das Luzes.

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A mencionada questão da arte ibérica é um marco único de Elomar. Apesar de o nordeste ter abundante influência galaico-portuguesa (manifestada no dialeto de várias regiões e na sua cultura), Elomar parece ir mais diretamente à fonte do que beber da própria ascendência. Como disse no parágrafo anterior, ele tinha acesso aos livros medievais e a partir dessas leituras criou um mundo cavaleiresco no seu sertão romântico e eterno. As suas músicas são escritas no dialeto sertanejo que hoje pode estar quase extinto. E lá ele fala de cavaleiros, de sertão, de vilarejos, de Deus, donzelas e do Diabo. Para Elomar é no homem do campo que encontramos os últimos representantes de uma sociedade respeitável.

Elomar também porta um gênio musical criativo considerável. Diz ele ter em partituras mais de 18 horas de música, divididas em óperas, sinfonias, galopes estradeiros, antífonas etc. Porém, define-se como anti-imagético. Diz que a televisão é um horror, uma máquina banalizadora que deseja se passar por uma máquina salvadora. Tornou-se anti-imagético quando viu o patamar da televisão, que seria coisa grosseira e vazia onde a imagem sobrepõe o texto, preferindo ele o rádio ou a palavra escrita em si.

Ou seja, esse homem é um personagem único. Uma espécie de Varg Vikernes católico do sertão nordestino, com sua aversão à modernidade e apreço por sua fé católica tradicional – que hoje já não tem a mesma presença de outrora. Já com 80 anos, permanece lá em seu repouso, sua vida simples de homem do campo, talvez trabalhando em músicas ou ensinando crianças a cantar.

Enquanto isso, novas gerações ficam fascinadas por sua música e seu estilo trovadoresco-sertanejo e os acadêmicos discorrem sobre a complexidade de seu universo sonoro nas faculdades. Eu diria que ele é alma daquele espírito sertanejo que hoje dá lugar ao avanço da globalização e da modernidade – que sem dúvidas Elomar chamaria de agentes de Lúcifer –, mas que carrega em si um universo tão rico, espiritual e poético que, acredito, só nos daremos conta de sua imensidão quando perdermos de vez nossos elos com esse Brasil Profundo.

Algumas músicas com trechos das letras:


[...]
Campo lindo ai qui tempo ruim
Tu sem chuva e a tristeza em mim
Peço a Deus a meu Deus grande Deus de Abrãao
Prá arrancar as pena do meu coração
Dessa terra sêca in ança e aflição
Todo bem é de Deus qui vem
Quem tem bem lôva a Deus seu bem
Quem não tem pede a Deus qui vem
Pela sombra do vale do ri Gavião
Os rebanhos esperam a trovoada chover
Num tem nada não tembém no meu coração
Vô ter relampo e trovão
Minh'alma vai florescer
[...]


Caminhando eu vou
Nesta estrada sem fim
Levando meu mocó de saudade e esperanças
Que a vida juntou pra mim
E no peito uma dor sem fim
Lembro de uma canção
Que ela cantava pra mim
Um trem numa estação
que partiu levando o bem derradeiro
e só deixou no meu peito uma grande dor
Sonho que na derradeira curva do caminho
existe um lugar sem dor sem pedra sem espinhos
mas se de repente lá chegando não encontrar
seguirei em frente caminhando a procurar
Caminhante tão só
Vejo a terra ruim
O sol tudo queimou
a lagoa virou pó
e os rebanhos estão caindo
vêm fugindo atrás de mim

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FONTES

Biografia
Entrevista de onde boas partes das informações vêm
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Interessantíssimo! Não conhecia essa figura, mas me interessou bastante, ainda que eu tenha certo bloqueio com a música nordestina de forma geral, talvez principalmente por que é um universo do qual não me identifico. É impossível não pensar a diferença de clima/cultura e região que os imigrantes que pra lá foram sentiram. Adorei a comparação com o Varg! Haha! :)
Valeu por mais essa bela contribuição, ouvirei com calma logo que puder!

Capaz que não conhecia! Tinha certeza de que viria aqui e haveria um comentário seu falando de como gostava do Elomar Hahahaha
Eu nunca gostei de música nordestina, mas quando descobri esse Nordeste Ibérico, cavaleiresco, místico, gostei bastante. Passei a ter um grande respeito por isso. Quando você fala da diferença de clima e cultura, entendo muito bem. Na realidade, é bem o que eu costumo pensar nesses casos. Porém, quando me volto para o Elomar, de alguma maneira é diferente, como se eu conseguisse entender um pouco daquele contexto, talvez pela referência à vida do campo em geral, mesmo que seja tão diferente aqui e lá. Ele me lembra aquele programa Sr. Brasil do Rolando Boldrin, que tem algo "caipira" que dá para se identificar de certa forma.
Vale muito a pena conhecer o Elomar, nem que seja pensando mais nele como uma espécie de trovador medieval que um cantor do mundo nordestino. Espero que goste do que ouvir!
Obrigado pela leitura e pelo comentário, meu caro!
Ps: O Anderson é muito fã do Elomar também

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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