[Crônica]: Passos

O caminho é muito longo? Não sei ao certo. Sei que há esse vento, um vento muito forte, que nos empurra para frente, mesmo quando não queremos enfrentar o que está diante de nossos narizes. Por vezes, não, não, muitas vezes há uma dor latente, uma dor renitente, um pensamento por vezes sombrio demais, e ficamos parados, sentindo o tufão a nossas costas, e paralisados de medo. Um passo de cada vez, diz, mansamente, a voz em minha cabeça. Baixo os olhos e vejo o chão sujo da calçada. O que estou fazendo aqui fora? Nem sabia que havia saído de dentro de casa. Mistérios dos passos que nos guiam sem que percebamos? Então, por que essa voz sempre diz a mesma coisa, se somos guiados a esmo? Meu corpo recebe uma injeção de arrepio, vejo folhas secas colidindo com os muros, papel voando pelas ruas, esse vento insuportável! Abrigo-me na padaria logo na frente de onde moro e observo, protegido, o vai e vem de todos. Baixo os olhos novamente. Sinto que quero ir, quer vir, ir e vir. Voltar? Não sei, talvez. Voltar não é bom, diz a voz perto de mim. Como ela sabe que não é bom? E, no fundo, quem é essa voz? Com um pouco de raiva, saí da padaria e voltei correndo para a entrada do meu prédio, abrigando-me, novamente, desse vento fatídico. De cabeça baixa, entrei no elevador, apertei o botão para subir e vi, de repente, meu rosto refletido no enorme espelho dentro daquela caixa móvel. Finalmente, conhecera a voz que tanto falava comigo e, agora, era a hora de sair da caixa.