Quantas temporalidades existem no Ser? | #MedievalizandosteemCreated with Sketch.

in #pt6 years ago (edited)

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Quando pensamos sobre o "tempo" é comum imaginarmos um relógio. Quase que mecanicamente pensamos no tempo cronológico, o tempo físico. Mas este não é o único tempo existente. Há muitos outros. A filosofia da história, através de suas discussões desenvolveu inúmeras reflexões sobre as noções de tempo. Em meio a estes desdobramentos surgiu um conceito que muito me interessa. A discussão sobre a temporalidade. Eu estou longe de ser um grande leitor de Martin Heidegger, entretanto te convido a explorar um pouco dessa discussão e como eu me vejo coloco nela. Assim perceberemos um pouco mais do potencial da História enquanto disciplina, que vai muito além de contar narrar a história das sociedades. Então prepara o cabeção para não pirar e vem comigo!

Tentando entender "Temporalidade"

Quem nunca ficou parado pensando sobre "o nada" como se tivesse refletindo sobre a unidade do universo? Eu já, várias vezes inclusive. Acredito que em muitos desses momentos estamos inconscientemente acessando uma rede de conexões incrivelmente enorme entre o tempo e espaço. Contudo nós não a percebemos como tal. Também podemos acessa-la conscientemente, contudo para isso será necessário um pouco mais de esforço, as vezes. Mas o que isso tem a ver com Temporalidade? Segura aí que vamos chegar lá.

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Acessando temporalidades em nosso vórtice interior | Fonte: pixabay.com

Martin Heidegger foi um filósofo alemão que escreveu muito sobre o Ser, (o sujeito humano) e seu relação com o tempo histórico. Um conceito muito importante para Heidegger era a Temporalidade. E como escreveu minha orientadora de tcc e de mestrado Aline Dias da Silveira, "o problema que Heidegger via nessa perspectiva é a do desligamento/separação do ser do presente em relação ao passado e - ainda mais grave para a percepção de Heidegger - do rompimento entre o passado e o futuro, pois essas relações seriam necessárias para a cura do Ser e a abertura para o mundo das coisas." Nesse sentido, para que possamos compreender O SER, precisamos compreender esse ser-no-mundo (Dasein), bem como suas relações no tempo. Seja suas relações com o passado e futuro, não apenas o presente.

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Imagem: pixabay.com

Como o Passado e o Futuro se manifestam no Presente?

Tá lembrado que eu disse antes que há diferentes tempos além do tempo do relógio? Pois é, há um tempo, conhecido como "tempo histórico". De acordo com um outro alemão, historiador dos conceitos, chamado Reinhart Koselleck, esse tempo existe graças a duas coisas. Ele poderia simplesmente dizer que o tempo histórico existe pela relação entre espaço e tempo, com o passado e futuro. Mas como isso não daria para escrever alguns livros. Assim ele preferiu complicar um pouco mais as coisas e criar novas categorias para explicar. Brincadeiras de lado, Koselleck afirmou que as sociedades possuem tanto "espaços de experiências" quanto "horizontes de expectativas". Como resultado da articulação de ambos, encontramos o tempo histórico. Vamos ver melhor cada uma dessas categorias?

Espaço de experiência

Aqui é onde encontramos o passado manifestando-se no presente. Como? Através das múltiplas temporalidades do ser. Claro que elas não se manifestam todas ao mesmo tempo. Todos nós temos um universo dentro de nós. Como você acha que consegue conversar com alguém? Contar aquela fofoca a seu/sua colega? Estas conexões só ocorrem graças à memória. Uma série de conexões ocorrem em nosso subconsciente, mesmo quando estamos consciente, para que possamos formar frases que façam sentido para quem as ouve ou às leem, como é nosso caso agora. Logo, o passado está presente, potencialmente, em cada um de nós, podendo se manifestar a qualquer momento. Igualmente o passado está presente nas coisas. Contudo a manifestação das temporalidades das coisas se dá por intermédio do ser. Pois tudo o que vemos, nos olha de volta, como diz o filósofo, historiador e crítico de arte Georges Didi-Huberman. Mas a pira desse francês aqui a gente deixa para um outro momento, certo? Voltando aos alemães, Koselleck usa a expressão "estratos do tempo" para ilustrar as diversas temporalidades do passado no ser. Porém, eu concordo com Aline Dias da Silveira ao considerar essa multiplicidade como um entrelaçamento semelhante a um vórtice temporal. Lembra do time vortex onde a TARDIS do Doctor Who viaja? Não sabe o que é Doctor Who? Então clica na minha primeira postagem no #BOX DE SÉRIES# Doctor Who #1 para conhecer.


T.A.R.D.I.S. viajando no tempo e espaço através do vórtice temporal
Doctor Who | Gif: gfycat.com

Horizonte de expectativas

Já o horizonte tem relação com o futuro, porém não se manifesta no presente da mesma forma que o "espaço de experiência" uma vez que não pode ser experimentada como o passado. É provável que alguém esteja pensando algo como isto;

O futuro, só é futuro até que se torne presente, logo, o horizonte de expectativa deixa de sê-lo quando o alcançamos.
Certo?
Errado.

A escolha do termo horizonte, por Koselleck, para compor sua categoria histórica, partiu do significado que a palavra tem, ou seja, todo horizonte, se distancia de nós na mesma proporção que nos aproximamos dele. Sendo assim, nunca alcançamos o horizonte de expectativa, que temos hoje. O que esperamos para um futuro hoje, está completamente interligado a forma como experienciamos nosso passado. E este está em constante expansão. Por sua vez o futuro está em constante transformação, se distanciando a cada passado que criamos.

Então o "espaço de experiência" é onde todas as experiências da humanidade, podem emergir causando as mais diversas reações em nosso inconsciente. Mesmo as que não lembramos de forma totalmente consciente, porque não? Imagine os traumas de nosso antepassados, negros, indígenas, judeus, mulheres, etc., eventualmente esses manifestações surgem de forma não cronológica e se entrelaçam com nosso presente, com o nosso hoje. A experiência não é cronologicamente mensurável, por mais que a historiografia, por vezes, forçadamente tente fazê-lo.

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Confluência de temporalidades | Fonte: pixabay.com

Não tem como um existir sem o outro, a partir de toda experiência surgem expectativas, bem como através das expectativas, experiências novas ou antigas, serão vivenciadas. Sendo assim, é através dessas duas categorias, apresentadas por Koselleck, que podemos estudar o tempo histórico, por elas intrinsecamente a sua constituição o entrelaçamento entre passado e futuro. O mais incrível é que por causa da tensão que ocorre entre essas duas categorias é que novas ideias surgem, como por exemplo a nossa querida Blockchain, a bitcoin com as critpomoedas. E afinal, o que a temporalidade tem a ver com tudo isso? Tem tudo a ver. As mais temporalidades estão em constante movimento, nesse vórtice temporal, seja no Ser ou no mundo, através das coisas. Mas nós não vemos tudo a todo tempo. Mesmo porque, se o fizéssemos, provavelmente teríamos no mínimo uma bela enxaqueca. Vemos, ou melhor, sentimos, como se fosse uma máquina de lavar roupas em que tem em sua grande maioria, roupas brancas, mas há uma ou duas peças pequenas que são vermelhas. Somente as identificamos uma vez ou outra e se estivermos olhando para parte transparente da máquina. Caso contrário apenas sentimos que ela está funcionando.

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Imaginando temporalidades | Imagem: pixabay.com

O que posso dizer, então, é que as temporalidades são infinitas e estão fluindo em um entrelaçamento constantemente entre o universo e o ser. Nos conectando a todos e todas, através de nossas experiências e expectativas. Logo não há como afirmar que o passado ou o futuro não existem, contudo eles são experimentados sensorialmente de maneira particular em cada um de nós.

Agradeço ao @matheusggr, pela excelente provocação para abordar mais sobre esse assunto, bem como a sua dedicação na leitura. Nos encontramos na próxima, né?

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Que é, pois o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei.
(Agostinho de Hipona [354-430])

Desejo a todos um excelente domingo.

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Que post incrível! Muito bom mesmo! Hoje estou bem cansado, e não faria juz a qualidade do post em um comentário superficial. Então pretendo traze-lo amanha no post de saúde do @brazilians! Porque o que traz, tem tudo a ver com a saúde mental. Parabéns pelo post!

Muito obrigado! Vou aguardar. E esperar que eu não tenha feito um post muito puxado. Porque minha intenção era que fosse acessível. Mas gostei demais de escreve-lo.

Foi um post puxado. No inicio tive algumas críticas sobre isso, e venho tentando fazer um meio termo. Mas realmente prefiro posts puxados, que temos que ler e reler, aprender não é fácil, e esses conteúdos demandam reflexão. Nos livros sao muito mais dificeis, nao tem porque ser facil aqui, no entanto muitos nao estao acostumados com uma leitura assim. Acho que podemos trazer mais escritas assim. Mas é uma opinião pessoal, muitos gostam de uma leitura mais leve e acessível, pois na internet o que fica difícil, já pula para outro post, mas aqui tem muita gente que gosta desse conteúdo e espero que entre mais gente. Na vida é assim, um meio termo. Eu gostei muito, e tenho interesse se tiver disponível em ler a tese de sua professora, se puder me dar a referencia. Fiz um post no @brazilians , e pretendo dialogar em posts com seu post.

Compreendo. Acredito que terei que ficar num movimento entre textos mais complexos e outros de leitura mais rápida, se quiser ter um bom retorno dos demais leitores. Sobre a tese da Aline, esta mesmo está em Alemão. Porque ela fez o doutorado lá. Mas recentemente fez um pós-doc (também em Berlin) e que entre os resultados, tem este artigo aqui segue: Temporalidade, historicidade e presença em uma
análise do prólogo do Picatrix (séc. XIII)*
. Mas há muito mais discussão dos grupos de estudos que fazemos semanalmente no meu texto do que efetivamente de textos publicados por ela.

Mas se quiseres posso te indicar mais algumas referências. Estou indo muito pra perspectiva de hermenêutica imaginativa da obra cujo o título é Para ler os medievais da autora Marcia Sá Cavalcante Schuback, justamente por conta da minha dissertação.

Mas de qualquer forma, não quero desistir de debater esses assuntos que exigem um pouco mais de nossa reflexão. Só espero encontrar mais pessoas com a mesma inclinação que a sua para lê-los e critica-los. Pois toda e qualquer crítica (construtiva) será muito bem vinda. Acredito que estamos nesse mundo para crescer intelectualmente. O que em hipótese alguma e uma prática exclusiva da academia. Ao menos em minha opinião. Penso que aqui temos uma ambiente extremamente propício para isso. Há um espaço muito fértil no #Steemit para que diferentes perspectivas sejam condicionada a um próspero e saudável debate, muito melhor que em outras redes sociais. Espero que eu esteja certo.

Muito obrigado pelos incentivos, pelas leituras e comentários. Abraço e até a próxima.Logo-50.png

Parabéns pelo post!! É um assunto que me interessa bastante e gostei de ver seu ponto de vista e as ideias dos filósofos apresentados. Confesso que não os conhecia.

O tempo é um grande paradoxo para nossa mente, ao instante que temos comprovações de que ele existe, como o envelhecimento e as lembranças por exemplo, não conseguimos comprovar sua existência de fato. Pois tudo está contido no eterno agora, não existe separação, e o que pensamos ser passado ou futuro é apenas uma camada de um agora eterno. É como um dejavú, o acesso momentâneo a eternidade daquele momento.

No fim, tudo é uma brisa haha mas é uma delícia refletir sobre esses temas.. me faz ver o quão complexa é nossa existência.

Com certeza. Gosto muito de refletir sobre isso. E mais do que gostar, faz parte do meu ofício, como historiador, o que torna as tarefas ainda mais prazerosas. Mas o mais incrível em Heidegger pra mim, é que ele não pensa o ser e o tempo como duas unidades separadas. O ser só sabe que existe, graças ao Tempo. Assim como o tempo só é reconhecido por meio do ser. Caso contrário o tempo ao qual ele se refere, no caso a temporalidade, é percebida pelo sujeito no momento em que percebe sua finitude. Caso contrário teríamos uma perspectiva de tempo completamente diferente da que temos.
É certo que a pira é pesada. Mas adoro pensar sobre isso. Muito mesmo. Obrigado pelo comentário até breve!

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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Muito obrigado!

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