Musa Clio | Quem é o autor? | Autoria Medieval | #3

in #pt6 years ago (edited)


Imagem: Pixabay | Edição: Canva

Você sabe qual a diferença entre um autor hoje e um autor há séculos atrás?

No final da década de 1960 potencializou-se um profícuo debate sobre o termo “autor”, os principais responsáveis foram Roland Barthes e Michel Foucault. Em seus ensaios provocaram inúmeros pesquisadores. Consequentemente, nas últimas décadas publicações surgiram com reflexões de diferentes áreas de conhecimento - principalmente o literário - sobre as diferentes teorizações que envolveram o conceito de “autor”, em seus diferentes usos, grafias e atribuições em diferentes períodos do tempo. No que tange a História Medieval, alguns métodos foram desenvolvidos e aperfeiçoados, em grande parte, instigados por essas discussões.


Fonte: Manuscrito (MS Fr. 1728.) Bibliothèque Nationale, Paris.

Não será minha intenção detalhar nem os ensaios, tampouco as demais obras destes filósofos. O que pretendo é apresentar um esboço desenvolvido por mim, a partir da obra de Albert Russell Ascoli. A citação que segue foi a parte principal de sua publicação a me elucidar a imagem que segue.

[…] um “autor” […] não era um velho escritor de literatura, mas era, em vez disso, e contra a definição moderna, uma pessoa que possuía auctoritas e que também poderia ter produzido textos que eram conhecidos como auctoritates. Assim, por um lado, um auctor poderia não ser necessariamente um escritor, por outro lado, existe um campo restrito de escritores que se qualificam como auctores. Para ser mais preciso, esse conceito dominante de autoria estava em tensão com o aparecimento do uso proto-moderno da palavra para se referir a “qualquer pessoa que escreva um livro”. (ASCOLI, 2008, p.6)

auctor
Imagem: criação minha.

Assim temos;

  1. Quem tem auctoritas (mas não escreve); ex. destacados membros do clero e da nobreza.,
  2. Quem escreve (sem auctoritas); copistas, compiladores, comentaristas, enciclopedistas, cronistas, etc.,
  3. Textos anônimos considerados auctoritates;
  4. Textos atribuídos aos que possuem auctoritas; o por vezes facilitava para se tornar auctoritates,
  5. Textos escritos por quem possui auctoritas mas nem por isso tornara-se auctoritates;
  6. Textos de quem não possui auctoritas, mas ainda assim tornara-se auctoritates; e por último,
  7. Ao reunir as três qualidades temos um auctor, quem possui auctoritas e seu textos são auctoritates.

Sendo assim, além de seus textos serem lidos por possuírem autoridade, serão comentados, copiados, citados, compilados, criticados, ou seja, servirão de “matéria-prima” para a escrita de outros livros, que em maior número se encaixariam na área de número 2.

Contudo, Ascoli argumentará com sua pesquisa que até Dante Alighieri, raramente surgiam um auctor, correspondente aos números ou 7, era reconhecido ainda durante sua vida. Em seu livro, Ascoli irá explorar profundamente a composição de cada um dos três termos, auctoritates, auctoritas, para compreender como se constitui um auctor, tendo por fonte as obras de Dante. Assim, acredito que fica evidente o quão diferente (e também similar) era a forma de se identificar um autor medieval da forma que hoje definimos um autor contemporâneo.

Miracles
Fonte: Miracles de Notre-Dame (Milagres de Nossa Senhora) | c. 1456 Manuscrito (Ms. français 9198) Bibliothèque Nationale, Paris.

Agora eu te pergunto:

O que essa forma de autoria te faz pensar em relação aos autores e autoras aqui no STEEMIT?


Participando da tag que estou contribuindo com a Comunidade, espero que tenham gostado deste post para a nossa #fazendohistoria!

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Agradeço sua dedicação na leitura.
Te desejo uma excelente semana e volte quando quiser!

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Referências Bibliográficas

  • ASCOLI, Albert Russell. Dante and the Making of a Modern Author. Cambridge University Press, 2008.
  • BARTHES, Roland. A Morte do Autor. O rumor da língua, v. 2, p. 57-64, 2004.
  • FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In: _______. Ditos e Escritos: Estética – literatura e pintura, música e cinema (vol. III). Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 264-298, 2001.
  • MINNIS, Alastair. Medieval Theory of Authorship: Scholastic Literary Attitudes in the Later Middle Ages. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2nd Edition, [1984], 2010.
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Ótima questão! E também caracterização do termo. Sempre gosto de retorno aos significados das palavras, e as significações que são empregadas ao longo do tempo, além do uso coloquial.

Quando refiro a mim, refiro como escritor. E pela argumentação construída aqui, do qual conhecia muito pouco, entendi que escritor me cai bem.

Quem sabe um dia me tornarei um autor. Ainda tem muito conhecimentos, matérias primas para compreendê-las melhor. Entendo que o autor demanda uma originalidade do saber, a partir das referências.

Exatamente @matheusggr. Acredito que você entendeu o "fio da meada". Diferente da Idade Média, hoje, a ideia do sujeito autor ou do conceito de autoria, permeia muito a ação de escrever. Quem produziu a escrita do texto. Contudo, temos muitas variações, como por exemplo a prática de ghost writer, ou mesmo a relação com o plágio não explícito. E isso só é a ponta do iceberg.

Para Antoine Compagnon que compartilha, em partes, algumas afirmações de Roland Barthes e Michel Foucault, qualquer escrito ou autor, não escreve sozinho, mas junto a toda a sociedade com quem teve contato, direta ou indiretamente. Somando-se ao próprio leitor, que terá sua interpretação da obra, finalizando o processo de autoria em si.

O que resulta, ao fato de que somos também autores mesmo que não tendo escrito uma frase se quer do livro. Somos também autores, pelo simples fato de complementarmos a obra com nossa imaginação (interpretação) através da leitura (ou audição no caso de leitura em voz alta).

Vou parar por aqui. Caso contrário a resposta vai virar um post em si. hehehe

Abraço e até a próxima!

Como um antigo analista de sistemas e engenheiro, eu acho que autor é quem faz a obra e ponto final. O resto é para quem quer perder tempo discutindo o sexo dos anjos.

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Mas ai você está considerando o conceito de autor exclusivo de livros ou para qualquer autor @ronaldoavelino?
Porque um copista que escreveu o texto, é autor? Mesmo que ele tenha copiado quase tudo, mas alterado várias partes? Ou no caso dos construtores/pedreiros, eles são os que efetivamente fazem a obra, certo? Mas o arquiteto desenhou e engenheiro civil verificou e assinou. Quem é o autor nesse caso? E no caso dos ghost writer que escrevem a obra relatada pela pessoa que aparece na capa do livro como autor. Quem seria o autores nesse caso? Poderia ficar aqui pra sempre, mas acho melhor parar... Já deu pra ver que nem sempre as coisas são tão simples. Até mesmo o sexo dos anjos. Partindo que eles são materialidade apenas por serem constructos da imaginação cultural de uma sociedade, assim como dragões, monstros marinhos, etc...

Muito obrigado por comentar.
Abraço e até a próxima!

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