Reflexões sobre a felicidade e o papel do homem na acumulação metafísica e material de sua vida.

in #pt6 years ago (edited)

Eu não sei o que é a felicidade. Talvez seja mais abstrata que uma pintura pos-moderna que chamam de arte. Ou não seja tão frívola dessa forma. De fato, o que é a felicidade?

Em minha concepção, a felicidade é um sentimento que resulta em um estado de espírito auto-realizado dentro do ser humano. Mas o que é a realização? A realização é o que você obtém após cumprir determinadas expectativas colocadas em algo. O que faz alguém se sentir realizado? Talvez a resposta para essa pergunta determinará o destino de bilhões de seres humanos no planeta terra, que estarão procurando pela dita realização em um vasto futuro quando se sentirem entediados por não fazerem nada.

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Onde começa a felicidade nesse vasto universo humano?

Também não tenho a mínima ideia de onde a felicidade começa e sua parceira, a realização. Creio que a felicidade deva ter começado após o ser humano sair do período paleolítico e adquirir os manejos da agricultura, assim adquirindo um pouco de tempo para poder explorar a si mesmo.

O ser humano sempre foi um acumulador natural de bens, sejam eles materiais ou intelectuais. O desejo da humanidade prosperar em impérios e passar o intelecto para outras gerações deu luz as bibliotecas, universidades e bardos contadores de histórias.

Ser humano: um ser vivo que é pobre intelectualmente e material quando nasce.

O estado natural do ser humano é a ausência de bens. Sejam eles intelectuais ou no contexto material. Ele — tão da natureza quanto um cachorro do mato, sendo a diferença mais risória nessa comparação, a capacidade cognitiva mais desenvolvida, podendo dar mais vazão e objetivando o abstrato que é a vida. Da-se sentido as coisas pelo tato, audição, visual, paladar e olfato.

Cada ato do ser humano explorando suas redondezas é um acúmulo de experiências, complementares as experiências prévias que estão embutidas dentro de seus genes por milhares de anos de evolução pelos meios sociais.

O humano não é uma tabula rasa. Ele não pode ser moldado como uma massa ao seu bel prazer, ele não é como um robô onde você escreve um comando e ele seguirá de forma planejada.

Para o homem do paleolítico, qual deveria ser a felicidade? Eles possuíam esse conceito de felicidade? Eu não sei, tão pouco estou pesquisando materiais para compor esse texto. Mas imagino que não possuíam tempo para obter tal prestígio sobre si mesmo através do uso da mente; estavam muito ocupados tentando sobreviver em um mundo extremamente hostil, em ataques tribais e de animais, sendo também vítimas das catástrofes naturais que cerceiam a todos nós desde a criação do universo.

A experiência acumulada pelo homem paleolítico consistia em se desenvolver como um caçador-coletor, matando animais, procriando e no mínimo, usando a capacidade cognitiva para criar instrumentos de sobrevivência em seus pequenos grupos. Sobreviver, o objetivo cuja experiência deveria ser centralizada e acumulada.

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©Graeme Churchard

Agricultura, revolução industrial e a acumulação intelectual da vida

Uma das descobertas da humanidade que foi responsável pela expansão humana na terra, a agricultura permitiu que os povos antigos do neolítico migrassem da economia tribal caçadora-coletora para o cultivo e plantação de alimentos.

O ser humano não mais precisaria basear a extensão da sua vida indo a florestas, montanhas e vales para caçar animais. Muitas vezes perdiam sua vida ou uma grande parte dela se preparando para sair em busca do alimento, sejam treinando ou vítimas dos animais que garantiam o prato no fim do dia dos povos antigos. A agricultura mudou isso.

O homem neolítico migrou seu padrão econômico para o cultivo comunitário; vilas totalmente de caça-coleta tribais se tornaram pequenas produtoras de trigo e cevada, reduzindo as mortes causadas pela centralização da sobrevivência na caça, oferecendo ao homem tempo, resultando na possibilidade de buscar o que nunca olhou por adoecer antes de notar: seu “eu” interior.

A introspecção do homem permitiu ampliar as experiências acumuladas em todos os seus cinco sentidos, ganhando a capacidade de explorar o que cada uma delas significa para a mente. Ele poderia com o tempo livre, se dedicar ao acumulo de experiências na arte de fazer pão ou de forjar armas. Ele não mais tinha que se preocupar com a sobrevivência, de forma extrema como outrora.

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Seu tempo extra era alocado em outras áreas, vendido e compartilhado onde havia demanda. Cada ser humano possuindo em sua totalidade individual um conjunto acumulado de experiências diferentes, sintetizadas posteriormente em conhecimentos passados de boca-a-boca e pela dádiva da escrita.

O homem não mais olhava para o reflexo do lago e via um desconhecido. Ele via a projeção de dentro de si, externalizada dentro da água, fruto das experiências acumuladas através do tempo que recebeu de seus antepassados.

Família, amizades, política e mercado — todas essas coisas puderam ser desenvolvidas através da alocação do tempo que sobrou. Como não havia mais preocupações consternantes quanto a sobrevivência, o homem poderia se dedicar a ofícios e prazeres.

O homem do neolítico teria tempo de aproveitar e racionalizar sobre o que é a felicidade? Talvez sim, pois ela está atrelada ao acúmulo das coisas que nos preenchem. Mas o tempo tão escasso não permitiria transformar o pensamento em grandes teias conectivas com as experiências externas, sendo possivelmente o único motivo de ser feliz — o abatimento de uma presa para sobreviver.

Conforme o conceito de democracia, sociedade e civilização foram sendo fundados no mundo, a experiência passou a ser acumulada e dividida entre membros de grupos diferentes. O pensamento humano se tornou uma grande teia de ideias e projetos, acumuladas com outras teias de pessoas.

Munido de tempo para pensar na forma com que se sentia em relação ao mundo externo, o homem começou a procurar o que são os sentimentos dentro de si em relação a essa externalidade e a construção do seu próprio eu e imagem.

Diante de toda essa experiência acumulada, o que é a felicidade para o homem? Ela tem diversas facetas, todas elas consistindo na acumulação de seus desejos.

A inveja é capaz de fazer alguém feliz? Provavelmente sim, pois ela anseia o que o outro tem e obtém seu prazer destruindo-o e usurpando o que almejava, obtendo a auto-realização. A mesma coisa pode-se dizer de todos os 7 pecados capitais, excentricidade das paixões humanas. Gula; Avareza; Luxúria; Ira; Inveja; Preguiça; Orgulho.

Essas paixões que imperam no homem, nada mais são do que experiências que obtiveram tempo para serem acumuladas e deslocadas. Como há mais tempo para viver, há mais tempo para sentir.

Experiência é conhecer, conhecer é existir.

O materialismo deixa alguém feliz?

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Sim. Materialismo é o apego que as pessoas fazem em coisas materiais — aquilo que é terreno, material e tocável. Em um senso estrito, o materialismo pode adquirir também formas intangíveis, como as próprias emoções , fundindo-as a um senso metafísico e invadindo a realidade. Isso é, o apego humano aos sentimentos das paixões humanas, como obsessão.

O homem saindo da miséria, começa a acumular sentimentos e bens materiais de diversas formas por ter sobrevivido mais do que o neolítico. Quanto mais acumula, mais caminhos ele terá para escolher e se sentir realizado com o que faz e entende de si mesmo.

Como um grande imã vivo, o ser humano atrai para dentro de si o desejo de preencher esse vazio existente através do raciocínio complexo, cortejado pelo acumulo do tempo, na forma de desejos.

Para uma pessoa que nunca possuiu uma migalha de pão na boca e vive em estado de fome absoluta, o desejo de conseguir essa migalha se torna um dos caminhos para sua auto-realização. Realizando esse desejo, estará preenchendo um anseio, portando estará satisfeita por ter conseguido migalhas em suas bocas.

Assim como a metáfora de “não dar o peixe, mas ensinar o homem a pescar” a pessoa que anseia por algo, quando o obtém sem o entender como ele — o “eu” ou o “objeto” é produzido, torna-se refém da projeção dos próprios desejos, em profundo apego materialista pelo metafísico ou terreno.

Alocamento de tempo ocioso e a externalidade do homem e o meio

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O humano torna-se um mero receptor da externalidade das circunstâncias, deixando de ser o criador individual e dono do próprio pensamento, flutuando em diversas outras emoções para preencher o buraco que se encontra. O miserável que anseia pelo pão e o perde, sofrerá o mesmo que o ser humano com um relacionamento desfeito. O pão e o relacionamento,nada mais são que meras projeções de desejos, tendo-os negados por rejeição ou problemas externos, fumegará em uma perda temporária de si mesmo, dando vazão a acumulação de experiência dentro da ira frustrante.

Citando John Stuart Mill:

Suponha que todos os seus objetivos na vida estejam realizados, que todas as mudanças em instituições e oportunidades por você ambicionadas se efetivassem naquele mesmo instante: isto seria para você uma grande alegria e felicidade? (…) uma irreprimível autoconsciência respondeu: “Não!” Senti um aperto no coração: tudo aquilo em que fundamentava a minha vida desabou. Toda a minha felicidade residiria na busca incessante daquele objetivo. O fim deixara de ter encantos e de que modo poderia encontrar interesse nos meios? Aparentemente eu não tinha motivos para viver
O tempo livre e as benesses adquiridas pela humanidade irão acumular cada vez mais tempo de vida, tornando os humanos mais ainda receptores das experiências circunstanciais e de externalidades. Como não haverá mais preocupações quanto a sobrevivência, paixões serão acumuladas e facilitadas, após preenchidas pelas experiências da rejeição ou da realização em tudo que é inconstante e temporário.

Nesse mundo que você se encontra, no agora, tudo é inconstante, temporário e escasso. O homem trocou a sobrevivência pelo tédio de ter acumulado tudo, acha que pode ter direito a todas as coisas e que o mundo lhe deve algo, não reconhecendo que ele mesmo, por si só, é uma existência temporária e frágil.

Essa renúncia em perceber os próprios acúmulos em áreas erradas dentro de seu todo introspectivo, torna-o prepotente, julgando-se acima dos demais.

Não reconhece suas próprias falhas, pois são como experiências acumuladas e fixas. Esse homem, tendo como objetivo a felicidade pelo acumulo de todas as coisas — materiais ou não, rejeitando a renúncia de que tudo é inconstante, o cria sua própria espiral de inconstância, dando lugar a tristeza por não ser o que esperava, por ter obtido o que desejou ou por ter causado o mal.

Eu diria que o meio mais fácil de se obter a felicidade, é admitir pra você mesmo que é falho, não sabe nada e com isso pode retirar de si a acumulação de paixões ruins e usar o tempo dela para florescer outras virtudes, reconhecendo que todos são passíveis da acumulação, escolhendo então as melhores formas de onde direcionar essa coisa material e metafísica.

O homem, então, deixa de ser o mero receptáculo das coisas e agora começa a sintetizar sua própria existência, como o ser humano que aprendeu a pescar, podendo melhorar não apenas a prosperidade de si, mas a de outros. Para isso, é necessário reconhecer a si mesmo diante desse mundo e o momento do presente, obtendo assim as raízes para cultivar e acumular sua própria gratidão. Afinal, a vida deve ser vivida e a felicidade é um estado de espírito que acompanha esse trajeto em picos. Esteja preparado para reconhecê-la.

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**Ralph Waldo Emerson dizia: **

…Apesar de viajarmos o mundo para encontrar a beleza, devemos carregá-la conosco ou nós não a encontraremos.

…Termine cada dia e esteja contente com ele. Você fez o que pôde. Alguns enganos e tolices se infiltraram indubitavelmente; esqueça-os tão logo você consiga. Amanhã é um novo dia; comece-o bem e serenamente com um espírito elevado demais para ser incomodado pelas tolices do passado....

Cultive o hábito de ser grato por tudo de bom que vem até você e agradeça continuamente. E porque todas as coisas contribuíram para seu crescimento, você deve incluí-las em sua gratidão.

…Não seja escravo do passado — mergulhe em mares grandiosos, vá bem fundo e nade até bem longe; você voltará com respeito por si mesmo, com um novo vigor, com uma experiência a mais, que vai explicar a anterior e superá-la...

A única pessoa que você está destinada a se tornar, é aquele que você decidiu ser.

Originalmente em: Medium @Jeanzf

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Já entendiam os hedonistas que a felicidade é central na humanidade: somos movidos por um auto-interesse na realização pessoal. Aliás, se formos considerar diferentes éticas, desde a ética das virtudes à ética utilitarista, veremos que são éticas hedonistas, que colocam a felicidade no centro da definição do que seja certo ou errado. Eudaimonia, como chamava Aristóteles, é o bem supremo a ser perseguido.

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