Tia Augusta e a modernidade ancestral. # in: O mapa de autoestrada.

in #pt6 years ago (edited)

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Penso sempre no meu irmão como o rapaz bonito, franzino, de meigos olhos castanhos e cabelo preto, que ele era nos anos setenta. Discreto, reservado e dócil, nunca se queixava nem reivindicava nada. O oposto mim, portanto.

Era bom aluno e procurava fazer as coisas estouvadas dum pré adolescente da única forma que concebeu possível: pela sombra, dissimulado e mentindo sistematicamente - o que se tornou uma segunda personalidade que se lhe colou à alma e o conduziu a uma espécie de dimensão alternativa, onde flutua até hoje numa existência de fantasia, sem pingo de maldade nem de verdade.

Uma das mais antigas histórias do seu mundo fantástico deu origem à lenda do livro de memórias da tia Augusta, que ele se convenceu (e a todos), ter-lhe sido confiado para memória futura. No entanto, não há registo de tal tesouro ter existido, nunca foi visto a circular em lado algum e nem ele próprio sabe dizer onde possa estar.

Mas eu percebo o fascínio, pois a tia Augusta era uma senhora deliciosa, de rosada face com as covinhas dum sorriso doce que lhe mostrava os dentes pequeninos e cabelo alvo e fofo, levemente azulado pela aplicação dum produto em voga para fixar o penteado, denominado Plix.

Tinha ascendência aristocrática, era viajada, muito à frente do seu tempo e adorava os sobrinhos-netos todos, mas tinha um fraquinho por mim e pelo meu irmão, que certamente devia alguma coisa ao aprumo elegante da minha mãe.

Nos idos de 1940, a tia Augusta morava num apartamento de dimensões generosas e repleto de memórias da passagem da família pela India, num prédio do recente bairro do Areeiro com uma sumptuosa entrada em mármore rosa e logradouro arborizado. Pelas fotografias, pude comprovar que nessa época trajava com resquícios do estilo eduardiano (nas camisas com colarinho de folhos rematado por um belo camafeu, saias longas evasé, folharecos e rendas) e ainda usava luvas e chapéu.
Da minha experiência pessoal, lembro-me que cheirava a pó de arroz e a rosas, e que todos os natais enviava aos cinco sobrinhos um postal com o invariável:

P.S: Aqui vai uma notinha para comprares uma Coca Cola.
Da tia muito afeiçoada,
Augusta

muito revelador da sua modernidade, pois a Coca Cola só seria comercializada em Portugal alguns anos mais tarde.

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Fonte: foto extraída do site https://www.coca-colajourney.com.au/stories/trace-the-130-year-evolution-of-the-coca-cola-logo

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Interessante história, Isabel. Obrigado pela partilha. 😊

PS: Tens um micro-erro aqui:

pois a Cocal Cola só

obrigada pela correção :)

@isabelpereira, Parabéns! O teu post foi votado e resteem pelo Projeto Camões!

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