A Roleta, as sementes e outras peripécias do amor # in: O mapa de autoestrada

in #pt6 years ago (edited)
O André era um engenheiro informático topo-de-gama mas era baixo e tinha as mãos sapudas que me fascinaram por serem iguais às do meu pai. No entanto, era tranquilo e confiável e nunca me falhou nos encontros. Também era um amante tremendamente competente e gostava de longas conversas e passear pelo país fora.

Eu admirava a sua cultura, o seu entusiasmo pela matemática, e aconchegava-me feliz noites em branco a ver filmes no inverno de Mem Martins, com o Stork (o pastor alemão que partilhava a sua vida de solteiro) a ressonar junto ao sofá.

Não sei do que ele gostava em mim porque nunca mo disse e também não perguntei. Essas coisas não se perguntam, sentem-se. E eu sentia que ele gostava, verdadeiramente, mas que não conseguia assumi-lo, preso que estava em muralhas de betão existencial reforçado.
Então o problema foi a cola não nos uniu, ou seja (estou profundamente convicta), o seu Asperger não diagnosticado. Isto porque estava lá tudo, excepto uma coisa fundamental: no lugar da empatia havia uma piscina de percepção estéril onde nadava uma ausência de tacto exasperante.

No entanto, o que realmente nos separou não foi sua personalidade pré-autista, mas uma proposta de trabalho que o levou para Hong Kong e os seus furacões. Deixou a criação de sites para multinacionais, o Stork no Ribatejo, e foi dedicar-se, principescamente remunerado, à gestão dum qualquer sistema hospitalar meio chinês.
Suponho que deva por lá estar feliz, até porque tinha um fetiche com mulheres asiáticas (sobretudo coreanas) e elas estão ali por todo o lado, mesmo à mão de semear. Porém, as suas mãos paternalmente sapudas, apesar de exímias a teclar feitos informáticos complexos, não conseguem semear afetos em humanos, por isso é improvável que alguém deste mundo consiga ter tanta tolerância quanto eu tive (pelo menos por tanto tempo) e encaixar aquela espécie de universo paralelo de molde a fazer uma relação conjugal funcionar.

Tinha bom gosto musical mas uma certa escorregadela gótico-psicótica para uma sonoridade tenebrosa e embrulhada numa batida de pesadelo, que numa questão de tempo em dose certa, acabaria por enlouquecer qualquer pessoa.

Os nossos encontros eram regulares, apesar de vivermos separados pelo oceano Atlântico, e se há coisa que devo reconhecer, é que não se poupava a esforços para que a ocasião fosse bem aproveitada, o que normalmente envolvia escapadinhas de fim-se-semana pelo país, ou, no mínimo, jantar fora/cinema e, invariavelmente, uma vista ao Casino.
Ele adorava aquela ambiência e entusiasmava-se verdadeiramente com a adrenalina do jogo, embora nunca o tenha visto perder o controlo. Com o tempo eu acabei por apreciar essa pitada de risco e desapego e registava a generosidade com que insistia em partilhar o seu pecúlio em apostas minhas, incentivando-me a acreditar na minha intuição.

Certa noite os planetas deviam estar alinhados e os deuses sopravam ventos de acerto na minha direção, pois só me lembro de entrar numa espécie de transe e debitar números na roleta, que invariavelmente batiam certo com a sua lógica aleatória.
Foi um delírio e eu ria como uma criança a rebentar balões. Ele estava concentradíssimo, claro está, e no fim da noite arrastou-me até uma máquina de póquer e pediu-me, muito sério e convicto, que ditasse o veredito da jogada que esgotava o crédito da nossa última nota: três conjugadas hipóteses de acertar e dobrarmos a aposta em ganhos, ou, em alternativa perdermos tudo. ~

Pesava uma responsabilidade tremenda sobre a minha alegria ligeiramente embriagada, mas ele confiava genuinamente nas minhas capacidades divinatórias dessa noite e eu estava tão divertida e confiante que convoquei os deuses por tu, magnetizei-me de intuição e deixei fluir de rajada um convicto “vermelho – vermelho - preto” que ele disparou sem pensar.
Et voilá! A Rir como loucos fomos ao balcão trocar os impressos da noite que nos rendou quase quatrocentos euros e a que demos o destino dum faustoso fim-de-semana no Alentejo, com bom vinho, melhor gastronomia e luxúria campestre.

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Pratique o optimismo. Cultive a alegria.
Apaixone-se pela vida

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Ótimo texto, linda escrita. Repleta de empatia. Fiquei curioso como seria uma mão sapuda. Hahaha. Obrigado por compartilhar sua escrita conosco!

Haha.. Mão sapuda é pequena, robusta e um pouco gorda, não deixa notar ossos nem veias. Talvez goste da minha próxima publicação pois falarei de mãos... :D obrigada pelo incentivo Mateus

Logo quando eu vi a palavra fetiche por mulheres asiáticas eu ri tanto RSS mas sem maldade tá kkkkkkkkkk Amei o texto @isabelpereira! E com certeza temos sim que cultivar a alegria por onde estivermos, pois isso irá formar uma infinidade de discípulos a nossa volta! Grande Beijo!

ptgram power

Hehe. Obrigada pela leitura. Beijo. :D

Eu quem agradeço por compartilhar! BjBj <3

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Muito bem redigido!

Obrigada. Dei uma espreitadela no seu spot e também gostei bastante. Sucesso! :D

Muito obrigada. Votos de sucesso também!

Muito obrigada por participar da iniciativa #Trovadores . poesia e prosa!
O seu texto já está na edição de hoje desta curadoria.
Para acessá-la, clique em ou

\Abraços/

@tmarisco
#trovadores . @msp-brasil

Obrigada trovadores! :D

Agradecidos estamos nós, senhora proseadora da #trovadores :)

hehe... após uma pausa, voltei hoje ao ativo da prosa... ;D.

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