O que eu tenho a dizer sobre José Saramago

José Saramago é um escritor português nascido no ano de 1922, condecorado com o Prêmio Nobel no ano de 1988 além de ter recebido também o prêmio mais famoso da língua portuguesa, o Camões, no ano de 1995. E bem, a biografia dele é facilmente encontrada numa rápida navegação pela internet, o que eu posso dizer é o que ele representa na minha vida.

José Saramago e sua esposa, a jornalista Pilar del Río, em Lanzarote, numa das fotografias de Sebastião Salgado.

Conheci Saramago numa revista chamada Bravo, quando ainda existia e eu tinha lá meus 17 anos. Na verdade, a matéria se tratava sobre o trabalho fotográfico do famoso Sebastião Salgado onde as fotos no seu já conhecido estilo preto e branco mostravam o escritor vivendo numa ilha charmosinha em Lanzarote no arquipélago das Canárias. Lembro de ter ficado por boas horas olhando para aquelas fotografias e sentindo mais do que poderia entender naquela idade.

Saramago se tornou meu escritor favorito naquela tarde de um dia que eu não lembro, mesmo sem eu não ter lido uma linha sequer de suas obras. Foi como se eu encontrasse alguma coisa perdida no meio daquelas fotos... Poderia ter sido o lugar, a sensibilidade de Sebastião Salgado ou qualquer coisa relacionada à monocromia das fotografias, mas não, o que me pescou foi José Saramago.

Dias depois encontrei um exemplar do livro O Conto da Ilha Desconhecida e confesso, a princípio, nas primeiras frases tive uma decepção porque o modo como Saramago escreve é muito difícil para quem o lê na primeira vez. Sua escrita, na maioria das vezes sem parágrafos ou utilizando a vírgula como única pontuação pode ser uma armadilha para os desavisados. Admito que foi necessário ler e reler várias vezes para que finalmente entrasse no ritmo. Mas, de qualquer modo, me laçou e eu precisava devorar muito mais do que este escritor curioso tinha a oferecer.

Li As Intermitências da Morte, alguns poemas publicados em livros que eu me martirizo por não lembrar o nome, mas quando cheguei em O Evangelho Segundo Jesus Cristo eu simplesmente desabei. Porque nunca, em nenhum momento da minha vida senti algo tão profundo por um livro quanto senti por este. O livro, que traz – de modo ficcional, é claro – um ponto de vista do próprio Jesus Cristo sobre toda a sua história, fazendo uma dura crítica acerca das interpretações bíblicas e assuntos assim, mas que, para mim, trouxe um sentimentalismo de Saramago que eu só encontrei naquelas fotos de Sebastião Salgado anos antes.

Lembro que ao ler um certo trecho, mais especificamente a parte em que Maria dá à luz Jesus, a descrição do momento fez com que eu pausasse a leitura por boas semanas, porque eu simplesmente não podia digerir uma literatura tão brutal e maravilhosa quanto aquela...

“Sim, mas nesse mesmo instante uma expressão de incredulidade espalha-se no rosto, como se ela tivesse acabado de encontrar-se com algo inacessível à sua compreensão, é que, em verdade, não fora no seu próprio corpo que ela sentira a dor, sentira-a sim, mas como uma dor efetivamente sentida por outrem, quem, o filho que dentro de si está, como é possível suceder tal coisa, que possa um corpo sentir uma dor que não é sua, ainda por cima sabendo que não é, e, contudo, uma vez mais, sentindo-a como se a sua própria fosse, ou não exatamente desta maneira e por estas palavras, digamos antes, como um eco que, por qualquer estranha perversão dos fenómenos acústicos, se ouvisse com mais intensidade do que o som que o tinha causado.”

Não nego que depois que terminei este livro fiquei em “luto” por um grande momento até ter coragem de abrir outro livro para ler e, até hoje, não consegui ler novamente Saramago. Ele é para mim como um quadro enigmático na sala de estar, onde eu admiro cada detalhe, mesmo que meu conhecimento escasso não permita compreender de fato toda a obra, mas apenas apreciar alguns detalhes, como se já o fossem suficientes para preencher toda uma alma.

Obs: Sugiro para os interessados em Saramago, assistir este pequeno documentário que fala um pouco sobre sua via e também sobre a sua vida com Pilar, a quem ele dedica grande parte de suas obras: