"Meu Deus, como é difícil não trabalhar!"

in #pt7 years ago

A vida é apressada, disso não temos dúvidas... Afinal, mesmo que "não se tenha nada para fazer", aquele sentimento de que um dia nossa vida acaba, vez ou outra dá as caras e nos deparamos com a finitude das coisas, a nossa finitude. E isso é muito difícil... Certa vez li em algum lugar sobre como teria sido a primeiríssima percepção dos nossos ancestrais sobre a morte; de quando um primitivo percebeu que sua companheira, de repente, não acordou naquele amanhecer e que, por isso, ele vislumbrou a ideia, olhando o corpo desfalecido ao seu lado, que o tempo é cruel e indomável. Que sensação ele teve? Medo? Um medo diferente daquele instintivo e orgânico? Um medo na alma?

Dificilmente saberemos o que aquele ser primitivo sentiu naquele momento, mas sabemos o que sentimos nestes momentos de melancolia que nos encurralam na ideia da morte como o nosso fim. Não entrarei aqui no mérito das religiões e "ciências" que pretendem teorizar a vida após o grande dia, mas com certeza esta procura esteve, em seu estado embrionário, naquele primeiro insight e continua existindo em todas as civilizações, o que é natural, é claro.

Minha intenção aqui era escrever sobre a minha atual angústia em meus dias, mas acabei tocando neste assunto porque o medo da morte sempre esteve muito presente em meus anseios, por vezes, de uma maneira muito intensa, fazendo com que eu tivesse sérias crises de ansiedade e pânico.

Acontece que durante todo o ano passado eu trabalhei fora, iniciei mais uma graduação e, para quem não sabe, tenho uma filha pequena de dois anos. Foi um ano muito, muito corrido, mas para mim foi um dos melhores anos da minha vida. Tanto por conta da coisarada a se fazer, quanto pela alegria no meu casamento, na vida materna e na vida material, já que terminamos de construir nossa casinha própria. Mesmo com meu coração apertado em deixar todos os dias minha filha na escola para sair cedinho para trabalhar e ainda ter que selecionar as coisas mais prioritárias a se fazer, eu sinto muita, muita falta daquela correria.

Havia dias em que eu saía cedinho de casa, com o sol preguiçoso sem amanhecer direito e ia pegar o primeiro ônibus nos dias mais frios, com termômetro marcando seus delicados 3 Cº e eu sentia, como numa viagem enteógena leve, aquela sensação de, como eu nomeei, "ter a mente saudável". Era um misto de satisfação, alegria e ânimo. Mesmo em dias corridos, com muita coisa para fazer. Mesmo tendo dormido pouco por ter ficado até a madrugada do dia anterior terminando trabalhos e relatórios da faculdade, eu acordava todos os dias com uma energia muito positiva para cumprir com meus compromissos.

Eu torcia para que o tempo passasse rápido e os feriados chegassem, mas sempre com aquele conforto da chegada do próximo dia útil e a rotina se estabelecer novamente.

Não que ficar em casa seja tão horrível assim. Não é. Mas eu sou movida pelos prazos, pelas datas marcadas, pela correria, pelos horários... Sinto muita falta, principalmente, do contato com as pessoas, de conversar com qualquer um que sentasse ao meu lado durante o trajeto, sobre saber coisas que não tinham absolutamente nada a ver com a minha vida, sobre me estressar com problemas que nem meus eram, enfim... As leviandades encontradas naquele cotidiano que faziam com que eu me distraísse, jogasse conversa fora.

Hoje vejo que posso assinar embaixo com toda a certeza naquela frase antiga: "Mente vazia é oficina do Diabo". Porque é e ponto. Não que eu não tenha mil planos para trabalhar em casa. Não que eu não goste de ficar aqui, com a minha filha o dia todo. Não que eu não tenha o que fazer, pelo contrário: tenho os estágios da faculdade, tenho o TCC para iniciar, tenho uma criança em pleno desenvolvimento para criar, tenho a casa para limpar, tenho meus animais e as plantas para cuidar. E de modo algum diminuo qualquer tarefa doméstica, mas nisso pude descobrir este meu lado que eu não imaginaria que seria tão intenso.

Porque parece que, apesar de ter tanta coisa para fazer, falta algo, falta aquele contato que eu mencionei, falta aquele frio na barriga ao iniciar um novo dia, sinto falta dos meus alunos, como sinto... Mesmo os mais levados, mesmo aqueles colegas do trabalho que me tiravam do sério. Como eu sinto falta!

A perspectiva do dia sem horários pré-determinados, sem uma organização que não dependa só de mim, sem aqueles trajetos até a escola, sem os apuros com os prazos tem me deixado abater, me sinto mais cansada, me sinto, por fim, com a mente mais agitada ao mesmo tempo que mais entristecida. Penso mais em assuntos negativos e tristes, acabo focando minha atenção em coisas triviais pela internet à fora e o fato de não conseguir manter a casa organizada mesmo que eu tente organizar e limpar o dia todo rende um estresse mental sem tamanho.

Por isso pretendo valorizar mais esta fase, optimizando meu tempo, fazendo as coisas acontecerem, criar uma rotina eficaz, educar minha filha maravilhosamente bem, ensinar coisas à ela como eu ensinaria meus alunos, enfim... Aprender a gostar dessa rotina também. Afinal, nem sempre a vida é exatamente como queremos, por vezes precisamos aceitar as peças que ela nos prega.

Perdão pela divagação do assunto, hoje são só desabafos em forma de palavras e também para não deixar morrer meu perfil aqui...

Obrigada pela leitura. Abraços.

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Despairing Woman, 1901 by Giuseppe Mentessi.

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Sua escrita é muito precisa, meu amor. Ainda que divagando, você divaga muito bem, haha!

Entendo muito bem você, sei o quanto sente falta de tudo isso que mencionou e concordo que funcionamos melhor com regras, não há dúvidas! A mente "ociosa" acaba se perdendo nas tarefas, a auto disciplina e organização de uma rotina dentro da própria casa/vida é tarefa árdua e raramente dá certo 100%.
Acho que muito disso se dá exatamente por ter um ser de quase 3 anos em casa, uma fase que exige tanta atenção e que ainda não está organizada com rotinas fixas, é o dia todo demandando atividades randômicas que esvaem nossa energia mental e física. Mas como você falou muito bem: é só uma fase! Assim como tudo na vida (inclusive a vida), isso vai mudar, vai passar.
Daqui a pouco nossa filha estará com seus cinco anos indo para a escola diariamente, depois com seus 15 querendo sair sozinha, e assim por diante.
Nosso anseio de fazer algo (seja o que for) acaba ficando aflito, mas o que dá pra fazer (até que os planos mudem, e isso pode ser a qualquer momento) é "enjoy the moment" por mais clichê que pareça. Como você mesmo já concluiu. Mas saiba que você é uma ótima dona de casa temporária, uma ótima mãe e tudo mais. Te amo.

E complicado mesmo! O portugués e a minha segunda lingua espero melhorar com a tua escritura, obrigado

Excelente texto senhorita Carol. Parece que ocorreu uma mudança bem grande em sua vida na questão trabalho/estudo e está com mais tempo livre. O que acha de preechê-lo com atividades sociais????
Imagino que poderá trazer amizades,cultura, felicidade....

boa noite!!!

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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Imagino que deve ser uma situação complicada para vc mesmo. Eu já sou ao contrário prefiro ficar em casa, inventando mil e uma coisas para fazer. Mas, as pessoas são diferentes. O jeito é tentar aproveitar o máximo esses momentos com coisas que não poderia fazer se estivesse em um emprego. Afinal, tudo é passageiro e quando tudo isso mudar pode ser que sinta saudades desses dias. Gostei de ler suas divagações e desabafos :) Bom fim de semana!!

Eu pessoalmente não sinto falta dos colegas e chefes chatos. Nem de nada. Adoro ficar em casa, bom na verdade eu mesmo em casa, estou sempre a trabalhar ou a traçar rotinas de meditação ou algo assim.

Cada pessoa é um caso, mas uma coisa é certa... quando não têm que se levantar tudo o dia com o barulho da maquina chata ... é sinal de que vai ter mais autoridade sobre o seu tempo...

Por isso aguente, certamente que dias cheios de energia, motivação, concretização viram...

Boa sorte.

(Se todas as divagações e desabafos fossem assim, o mundo teria muitos "poetas")

Oi Carol! Gostoso ler seu texto e a forma como escreve... um belo desabafo. Na externalização, a gente se constrói e reconstrói.

Entrei com você na rotina que estava descrevendo e quase até que gostei! hahahah mas, como o Maxjoy, tambem prefiro ficar em casa. Passo todos os dias da semana trabalhando em casa, sem horários nem chefes e como isso tá sendo bom pra mim. Vez em quando saiu só para não enferrujar.

Eu te entendo Carol. Mas cheguei numa fase que estou pedindo a Deus que me mostre uma saída para trabalhar em casa. Poder tomar café com meu marido, deixar a casa em ordem, conseguir almoçar com ele e não ter que perder de jantar com ele por não conseguir chegar cedo em casa. Eu adoraria trabalhar em casa. Eu amaria. Gostaria de ter tempo para escrever mais, desenvolver meus dons e ganhar dinheiro com eles, como por exemplo, meu ateliê de artesanato tão sonhado!
Eu vou dormir repaginando os compromissos do dia seguinte na cabeça, lembrando os clientes que foram grosseiros ao telefone e das perguntas sem sentido que o chefe fez só para que eu reconheça que quem manda é ele e para me fazer acreditar que tudo o que faço, ainda é pouco, estou devagar, estou "precisando melhorar". Fora as vezes em que ele percebe que estou prestes a explodir e ainda soa a maldita frase... "Emprego está difícil..."
Então é isso, amiga. Desculpa o desabafo. Mas como Maxjoy... Acredito que eu também não sentiria falta do chefe nem dos colegas. Há lições que levamos pra vida e isso não deve se perder. Mas estou muito afim de ter liberdade.
Acho que não ajudei muito né?rs

Estou em uma fase muito parecida.
Sem dúvida, ano passado (mencionou que foi um ótimo ano), você tinha muitas aflições decorrentes a vida corria "cadê meu tempo" e hoje, se depara com uma nova rotina e "como lidar com ela?".
Estou há 3 meses sem um trabalho fixo e no momento não estou cursando algo (curso, graduação, mestrado) algo que talvez em meio minhas horas de aflição entre o antigo trabalho e o curso que fiz era um sonho, como queria um tempo livre, mas hoje, em meio as minhas horas vagas acabo caindo em novas angústias e novas cobranças internas. Em especial pela necessidade de produção e regras. Enfim! O que percebo é que tudo é muito difícil e sempre ficaremos em meio a afilações até saber lidar com esse tal "tempo!!!". Tempo demais, tempo de menos. Abraço Carol.

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