Socioeducação e o adolescente em confilto com a lei

in #pt6 years ago

Antigamente os jovens que cometiam crimes eram chamados de delinquentes e infratores. Ainda são. Mas os rótulos estão cada vez menos em uso, porque trazem consigo estigmas muitas vezes difíceis de dissociar da identidade do indivíduo, afetando sua auto-imagem e auto-estima. Pode parecer mimimi para quem teve uma boa estrutura familiar, viveu num contexto social saudável, com boas referências de vida, rodeados de proteção, cuidado e amor. Mas para quem nasceu no caos, muitas vezes rejeitados e negligenciados desde a tenra infância, sem suporte e exemplos construtivos de vida, sem oportunidades concretas de superar esta condição... não é uma questão de frescura. Associar sua existência a um rótulo do qual não se sabe como se livrar e não se tem nem apoio para isso, é praticamente determinar seu destino.

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Então em vez de rotular o adolescente, dizemos que ele está em conflito com a lei. Isso derruba barreiras psicológicas que servem como mecanismos de defesa, e abre espaço para o diálogo com este jovem, a partir de onde se torna possível a orientação e reflexão da sua conduta e responsabilidade perante a sociedade em que ele vive. A esse processo chamamos socioeducação.

As medidas socioedutativas são as modalidades de intervenção de acordo com a gravidade do ato infracional. As mais comuns, a grosso modo, são a prestação de serviço à comunidade (PSC), a liberdade assistida (LA), a semiliberdade e a internação.

"Ah, mas isso não funciona! Tem que prender logo na cadeia, que é para aprender a não cometer crime nunca mais"

Primeiramente que quando a infração é leve, as penalidades mais simples são bastante eficientes sim. É bastante comum que os adolescentes consigam desenvolver senso crítico, refletir sobre as consequências dos seus atos e desenvolver habilidades socais importantes durante os meses em que são obrigados a cumprirem a pena.

Segundamente que no caso de infrações mais graves, o problema não é o tempo que a pessoa fica reclusa, o problema é quando ela sai e se depara com a mesma realidade onde ela teve seus valores subvertidos e suas escolhas reduzidas. Independente de ser afastada por 3 ou 30 anos, o retorno ao mesmo ambiente e à mesma condição de violação de direitos básicos para a dignidade humana, faz despontar os mesmíssimos comportamentos e atitudes de outrora.

E o que dizer das pessoas que conseguem fazer diferente, sair deste ciclo e romper com esse falacioso determinismo?

As pessoas que conseguem superar os estímulos eliciadores de comportamentos desajustados geralmente sofreram algum tipo de estimulação positiva; foram expostas a pessoas, ambientes ou situações que trouxeram novos significados e perspectivas sobre o mundo e as pessoas. Infelizmente nem todos têm essa sorte.

Capacidade e vontade para reorientar os passos, muitos têm. Mas poucos têm orientação, direcionamento e incentivo (em forma de oportunidades). E menos ainda têm recursos internos para sustentar a vontade.

Por isso um trabalho de socioeducação bem feito pode contribuir para a trajetória de vida de um adolescente em conflito com a lei. É uma ferramenta que contribui com o desenvolvimento das habilidades inerentes à uma vida social saudável e das potencialidades latentes - porém que são reprimidas pelo ambiente social escasso de recursos e estímulos adequados.

No fim de 2017 participei de um evento nacional sobre socioeducação, no qual falei sobre a gamificação como metodologia de intervenção e recurso cultural de desenvolvimento humano. Esse evento contou com profissionais e pesquisadores de todos os cantos da país, e acabou se tornando um livro, que possui um extenso corpo de autores e foi lançado no dia 31 de Janeiro de 2019.

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Link para comprar o livro

São muitas as experiências realizadas pelo país afora, buscando a melhor forma de compreender e intervir nestas trajetórias de vida que desde muito cedo se tornam tão auto-destrutivas e socialmente ineptas.

Sabemos que a família tem um papel fundamental neste processo, todavia sabemos também que a fragilidade e a vulnerabilidade dos laços familiares é uma realidade que pesa nesta conta. Ao mesmo tempo que vigiar e punir chega a ser uma solução quase infantil, visto que a recorrência é mais certa do que a redenção na maioria dos casos meramente punidos.

A socioeducação está longe, muito longe de sanar problemas estruturais que contribuem para esta triste realidade. Mas, em tese, é a ação mais próxima que se pode ter de um ato educativo voltado para o convívio em sociedade. Lembrando sempre que o que é óbvio para nós, pode ser muito sutil ou até inexistente para pessoas que vieram de realidades que nem imaginamos que existem.

Em alguns pontos - na prática - a realidade é outra, e a medida de internação em muito se assemelha ao sistema prisional. Um suposto espaço de reflexão e reconstrução que se torna um local de repressão e medo. E em vez da reintegração social, multiplicamos a violência institucional e institucionalizamos o ser humano na vã tentativa de domá-lo.

E cientes do nosso fracasso, seguimos temendo aqueles cuja transgressão jamais poderemos deter. Mas que poderíamos transmutar caso utilizássemos as ferramentas corretas.


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