Liberdade civil é para todos ?
Me identifico bastante com a turma do "don´t tread on me", acredito que as liberdades civil e econômica deveriam ser direitos básicos de qualquer ser humano, e que o Estado deveria ser mínimo (cheguei só até o minarquismo na escala de defesa da liberdade).
Porém defendo esse posicionamento quando parto do meu ponto de vista, que certamente é privilegiado em comparação à maioria da população brasileira. Sou de um contexto onde a maioria das pessoas vive desde criança com um mínimo de cuidado, proteção e orientação. De dentro da minha bolha eu defendo ideais que servem para quem vive dentro das bolhas. Mas meu trabalho me obriga a sair da minha bolha todos os dias, e fora da bolha descubro que meus ideais não fazem sentido algum.
Trabalho na divisão de Violência Doméstica de uma equipe de PAEFI (serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos). Especializado pois só atendemos pessoas que sofreram violações de direitos. Isso não é sobre baixa renda ou classe social, mas sobre violação da dignidade e integridade física e psicológica das pessoas. Neste momento meu lindo discurso de liberdade civil é sempre rasgado e jogado no lixo pelas circunstâncias com as quais me deparo.
Um exemplo é quando os próprios pais ou responsáveis violam direitos básicos de seus filhos. Nestes casos acredito que a liberdade civil pode ser maligna, pois para garanti-la aos adultos, sacrifica-se o desenvolvimento saudável da criança. De forma que algumas obrigatoriedades, ao meu ver, se tornam perfeitamente justificáveis:
Obrigatoriedade de matricular os filhos no sistema regular de ensino. Mesmo sendo obrigatório muito pais não levam seus filhos na escola. E não é para fazer homeschooling. É por preguiça, porque estavam drogados, porque querem que os filhos façam todos os afazeres domésticos, porque as crianças precisam contribuir na renda familiar, entre várias situações onde a formação básica de uma criança é negligenciada pela própria família. Isso fora o fato de que muitas vezes a escola não é só um ambiente de aprendizagem, mas também de proteção, tanto em relação à segurança alimentar (onde fazem pelo menos uma refeição), quanto à integridade física e psicológica (ambiente livre de violência, entorpecentes e outras situações degradantes). Sou super a favor dessa obrigatoriedade.
Obrigatoriedade de educação sexual na escola. Claro que tem professor que exagera no negócio, mas no geral é muito importante que as crianças tenham informações sobre o corpo humano, sobre relação sexual e temas afins, porque afinal elas são as maiores vítimas de abuso sexual e na grande maioria das vezes dentro de casa, não raro com o consentimento de quem deveria protegê-las. Para essas crianças é muito importante terem informações que as ajudem a identificar a situação que estão vivendo. Os professores na maioria das vezes são as primeiras pessoas a quem as crianças pedem ajuda, então é muito importante que elas se sintam à vontade para conversar sobre o assunto com alguém que sabe do que elas estão falando. Também sou super a favor dessa obrigatoriedade.
Combate ao trabalho infantil. Quando a gente vê crianças com jornadas de trabalho exaustivas, em péssimas condições de trabalho, sem nem ver a cor do dinheiro que produzem, tendo a saúde prejudicada em atividades insalubres ou perigosas, sendo exploradas por aliciadores, traficantes e pais oportunistas. Quando a gente vê criança fora da escola, criança sem tempo para brincar, criança com expressão de adulto porque tem vida de adulto... aí a gente entende porque existe essa frente de combate. Apóio demais.
Obrigatoriedade das vacinas. Na verdade a vacina é uma das ações menos importantes de uma unidade básica de saúde que atende crianças. Existem pais tão negligentes que nunca levaram os filhos ao médico, mesmo eles tendo apresentado alguma necessidade. A periodicidade da vacina os obriga a estarem sempre se dirigindo ao postinho, onde os profissionais aproveitam para dar aquela checada na criança e assegurar sua integridade física, já que nem sempre os responsáveis assumem essa função. Acho digno.
Embora eu defenda essas obrigatoriedades e algumas outras, sou contra o fato de que elas devam ser universais. Existem todos os tipos de pais e responsáveis. Porém não vejo de que forma o Estado ou a sociedade civil poderiam fazer essa distinção, e conceder exceções aos que cumprem minimamente sua função protetiva em vez de delegá-la ao Estado.
E vocês, o que acham?
Acho que o Estado é só um paliativo. Ele jamais conseguirá substituir a existência de um núcleo familiar forte e ajustado, daí a necessidade de valorizá-la.
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Sim, concordo com você @discernente. As famílias hoje, no geral, possuem estrutura frágil e pouco vínculo entre os membros. Vejo o quanto isso gera graves consequências para todos, de alguma forma. Essa reflexão dá um bom post. Obrigada.
Apesar de sua identificação em menor grau às ideias da liberdade, você ainda não entendeu por inteiro como funcionaria essa sociedade libertária. Uma sociedade livre do estado é justamente a libertação dessas amarras estatais que causam esses problemas que você identifica no seu dia a dia em seu trabalho social.
Um estado mínimo, se torna máximo com o tempo, pois, o poder nas mãos de homens corrompe. Bom mesmo é o estado sair de cena de nossa sociedade o que não seria nenhum absurdo, tendo em vista que o estado nunca foi uma instituição legítima em nossa sociedade.
Falta na verdade é o reconhecimento dos individuos dos direitos de propriedade e auto propriedade. O outro não é sua propriedade e não temos direito de obrigar ninguém a nada. Com essa ideia, muitos desses conflitos não existiriam. Apesar do dever da família de prover o seu filho, os pais devem entender que o seu filho não é sua propriedade.
Com relação às questões econômicas, se o estado não tivesse poder sob a economia, muitos desses abismos sociais que presenciamos, não existiriam.
Bom feriado!
Na teoria faz todo o sentido. Mas na prática todo esse entendimento está longe de ser real. Um dia quem sabe chegamos la. Assim espero.
"Imposto é roubo e estado é uma gang"
Sem sombra de dúvida. Mas essa premissa ganha ares de importante apenas na nossa bolha. Lá fora a coisa é muito mais tensa. Roubo em forma de imposto não é nada perto das contínuas e cotidianas violações do princípio da não agressão, na sua forma física, e perpetradas contra indivíduos incapazes de se defender.