1# Crônica Social Foda

in #pt6 years ago (edited)

Meu cotidiano é cheio de histórias e personagens improváveis, sendo que a maioria desses enredos são muito tristes. São vidas marcadas com violência, negligência e abandono. Confesso que as vezes é meio pirante, porque é muito difícil lidar com o sofrimento do outro e nem sempre poder ajudar de forma efetiva. Mas bora lá... os manos do Fluxo têm um rap que diz: "vejo sempre aquela faceta mais bela que se esconde atrás de um dia de tumulto". E isso é meio que um mantra para mim. Então eu comecei a escrever algumas pequenas crônicas sobre o que eu vivo e ouço no meu trabalho, tentando encontrar a beleza escondida nos detalhes dessas histórias, que para mim são tão loucas e confusas, mas que para a maioria das pessoas que eu atendo, são parte de mais um dia qualquer. Resolvi compartilhar alguns desses escritos, todos baseados em histórias verídicas.

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Amor de Mãe

Ela estava debaixo da árvore, próxima a um banquinho de madeira, quando viu o carro do conselho tutelar virando a esquina. Olhou para baixo tentando disfarçar, mas o carro parou à sua frente: "Entra agora". Embora tivesse apenas 14 anos, já tinha algumas malícias; largou a trouxinha num canto do meio fio e entrou no carro. Já no banco detrás, jogou o longo cabelo de lado e fez cara de deboche. A conselheira tutelar tentou falar alguma coisa mas foi logo interrompida pela garota, que era bastante articulada: "Querida, você está tomando o meu tempo, espero que seja rápido pois tenho mais o que fazer", falou enquanto arrebitava o nariz e olhava para fora do carro.

Depois que sua mãe assinou a notificação no conselho, com toda a naturalidade de quem assina um cheque, já do lado de fora, pediu para que a filha fosse para casa. "Ah mãe agora eu não posso, tenho que ir lá buscar o pó, ou você acha que eu vou ficar devendo os outros por causa de conselho tutelar? Tá doida é, vou lá antes que alguém pegue!"
A mãe olhou com desgosto mas logo engoliu o gosto ruim: "O que é dessa vez?"
Ela sorriu um sorriso tão doce: "É uma melissa, mãe, você tem que ver como é linda!"
Deu de costas e foi embora.
O gosto ruim voltou na boca da mãe.
Deu de ombros e engoliu em seco.

Ela nem voltou para casa naquele dia. E nem nos dias seguintes. Quando enfim voltou, voltou aos cacos.
A mãe catou todos os caquinhos e tentou recompor a menina. Era visível que havia sido agredida."Minha filha, se eu pudesse eu comprava a sandália para você" Mal terminou de falar e sentiu o calor de um abraço como há muito tempo não sentia, e ouviu o que nunca havia escutado: "Eu sei que sim mãe, eu amo a senhora".
A menina deixou o cabelão cair no rosto, com vergonha do hematoma, fez uma cara muito triste e chorou como uma criancinha.
O gosto ruim voltou na boca da mãe.
Abriu os braços e engoliu em seco. Abraçou forte.
"Eu também te amo minha filha, a mãe vai cuidar de você"
Ficaram em silêncio abraçadas. E o gosto ruim se dissolveu.

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