Dezembro e o Natal, o tempo da introspeção e das preçes (parte 1)- # in: O mapa de autoestrada

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Sento-me no cais das colunas que emolduram o Tejo, com o rio a marulhar-me aos pés.
Um pouco à direita, de braços abertos ao futuro, o Redentor oferece libertação aos olhares que atravessam o rio em busca de horizonte na margem oposta.
Um punhado de gaivotas pousa na laje centenária, magnetizadas pelo trovador de boina basca e rastas tropicais que absortamente retira, a toques lânguidos, uma ambiência ligeiramente celestial do hang pousado nas pernas cruzadas.
Há pessoas a circular, vagarosas e entrecortadas pelo fumo aromático das castanhas que assam ao som do pregão abafado dum desconcertante pai-natal, de face imberbe e ténis all-star.
É um quadro de evasão e repouso, só interrompido pelo fluxo regular e apressado dos passageiros que desembarcam dos cacilheiros a cada quarto de hora.
Os últimos raios do dia já casam com a lua quase cheia e emprestam ao momento uma certa poesia feita de cheiros e cores difusas. O inimitável azul de Lisboa transita-nos para uma noite que se fará de solidão, festejo, sofrimento ou simples recolhimento, mas também do mistério das paixões que se acenderão pelo encobrimento, proibição, anonimato ou perversão.
Cada um escolhe, ou aceita, a sua noite, mas a noite não exclui ninguém; nem os acompanhados nem os solitários.
O elétrico ainda passa frequente, a gemer suavemente há quantas décadas sobe e desce Alfama com a Graça à vista, mas sem nunca se fatigar do olhar sobranceiro e luminoso que lança sobre a colina de mouriscas ruelas a desmaiarem no rio que dá fim à cidade.
Inspiro profundamente até me doerem os pulmões, antes de entrar pela Rua Augusta em direção à igreja de São Domingos, onde buscarei reforço celestial para sobreviver ao Natal que se aproxima e me empurra para uma espécie de túnel que a cada ano se alonga e aprofunda, me desliga da alegria, do ânimo, das pessoas e das coisas, grandes e pequenas, que costumo apreciar - e me deixar ficar numa pele amorfa de vontade, a descair penosamente de cada dia para o seguinte - até que venha janeiro com a sua transmutação cronológica que tem o condão de restaurar este pútrido estado de alma.

(continua)

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