África do Sul, Cidade do Cabo, Cabo da Boa Esperança.

Hoje gostaria de transportá-los até à África do Sul, mais concretamente ao Cabo da Boa Esperança.

Trata-se de uma viagem sensorial fantástica.

Desde os primeiros anos de escola aprendemos que os portugueses deram “novos mundos ao mundo”, mas também nos ensinaram que os perigos espreitavam as nossas naus, numa zona geográfica ao qual foi dado o nome de Cabo das Tormentas, devido às fortes tempestades e ventos que assolavam a região.

Em 1488 Bartolomeu Dias dobra o Cabo das Tormentas, onde se cruzam os Oceanos, Atlântico e Índico, passando a chamar-se Cabo da Boa Esperança.

Dobrado o Cabo da Boa Esperança, Portugal inicia a epopeia da descoberta do caminho marítimo para a Índia e de diferentes lugares no Oriente.

A magia do local e carga histórica associada, transmitiu-me uma sensação única, deixando de ser a visão o sentido mais importante, mas sim, a mistura dos sons e cheiros que transportaram o meu imaginário para os feitos e as agruras dos nossos antepassados.

O poema “O Mostrengo” do grande escritor português, Fernando Pessoa, personifica o medo e é o símbolo de lendas marítimas que apavoravam, quer o povo, quer os navegadores.

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,

«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa - 1888-1935
Poeta, Filósofo, Dramaturgo... - 1888-1935

Fotografias @ginga
Bons sonhos e sejam felizes.