#FILMOTECA# - "Coringa" (2019)
Sinopse: Na cidade de Gotham City, Arthur Fleck é um comediante falido e desconsiderado pela sociedade onde vive. Após recentes traumas, ele é vítima de atos violentos e começa a ficar louco, transformando-se então, no criminoso conhecido como Coringa.
Em poucas palavras eu poderia dizer que Coringa é o tipo de filme que, literalmente, explora de forma altamente consistente um dos lados da psique humana mais complicados de uma forma como nenhum outro filme sobre um anti-herói já fez tempos recentes. Mas, isso seria algo muito resumido para exemplificar a grandiosidade presente nesta obra de arte.
O universo cinematográfico da DC Comics é recente, mas pelos seus poucos exemplares já lançados, percebe-se com facilidade que o tom predominante das abordagens da maioria de seus filmes são sempre mais puxados para o lado obscuro, tentando exemplificar de forma "lúdica" algo que na sua essência é naturalmente complexo.
Neste exemplar mais recente, o clima de insanidade que domina o roteiro é responsável por criar a origem de um vilão que por mais humano e sensível que possa parecer em alguns momentos (são toques sutis de humanidade às vezes "camuflados" para esconder uma essência perigosa)... Se transforma em uma figura nefasta, que enxerga na rejeição de um mundo onde o mesmo não consegue se ver aceito, uma forma de ascender como alguém que vai impôr respeito e conseguir o que quer a todo custo.
Dirigido por Todd Phillips (que aliás, fez um ótimo trabalho... embora tenha errado a mão ao exagerar em alguns momentos, como por exemplo: subir o tom do filme a um nível ao qual ele não pertence, tornando-o um pouco pretensioso), a trama mergulha o telespectador dentro da mente de um protagonista que já não tem mais nada a perder e começa a revelar uma persona interior abominável que vai sendo construída sob um terreno fértil para o caos iminente.
O roteiro é muito eficiente e assertivo em toda a transação que envolve um comediante incompreendido, com uma vida sofrível e que notoriamente se transforma em um "vilão", resultado decorrente de uma falta de lugar no mundo (alguém sem lugar ao sol). Há uma complexidade na natureza de Fleck que faz dele um ser quase fantasmagórico e isso é exposto na tela nos momentos mais simplistas da trama, em momentos singelos que beiram um surto psicótico.
A verdade na excelente atuação de Joaquin Phoenix é fenomenal (particularmente, eu acho que vale até uma indicação ao Oscar!). Incontestavelmente, aqui ele apresenta um de seus melhores e mais sólidos trabalhos e entrega uma atuação digna de aplausos. Tudo o que ele faz aqui é intenso, desde a risada rispidamente seca aos diferentes tipos de olhares que misturam um turbilhão de sentimentos... É um cálculo cênico que não encontra espaço para erros.
Phoenix é apoiado por um elenco de apoio competente (com destaque para Frances Conroy e Robert De Niro), e por um trabalho de produção que torna tudo ainda mais grandioso. A atenção aos mínimos detalhes (como simples takes envolvendo uma junção de luzes) ajuda a moldar uma excelência que faz questão de se anunciar a todo momento (mesmo nos momentos em que a narrativa demora um pouco para engrenar por completo).
Baseando-se em um foco totalmente realista (que, no que diz respeito ao nível de violência explícita, pode incomodar aos telespectadores mais conservadores), os dilemas e as cenas de ação são repletos de verdades inconvenientes e que se desprendem de qualquer artifício extra (por exemplo, o uso de efeitos visuais majestosos) para se tornarem aspectos relevantes na construção de seus personagens, assim como o filme em si.
Na parte técnica, os destaques ficam para a edição de cenas (que consegue amarrar muito bem todas as pontas da trama), para a fotografia (um trabalho cheio de nuances densas que torna a atmosfera do filme em algo ainda mais pesado) e para a trilha sonora (que é muito pontual ao se fazer estrategicamente presente nos momentos mais pertinentes... ajudando a digerir os constantes socos na boca do estômago recebidos ao longo da projeção).
Não há dúvidas, Coringa é um dos melhores filmes do ano e um dos mais incríveis do mundo da DC nos cinemas. É algo completamente desafiador (principalmente considerando o quão desgastada está a imagem dos filmes que envolvem heróis e vilões de HQ's) e que, apesar de toda a polêmica que vem despertando (seja ou não por motivações políticas), merece ser assistido por todos que tenham o discernimento de separar arte e vida real (ainda que ambos os campos por vezes pareçam ocupar o mesmo lugar no espaço).
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