Profissão - Cuidar de idosos

in #health7 years ago
Sim, é o meu trabalho e, se me perguntarem, gosto muito do que faço.

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Se pesquisarem no Google por “geriatria” encontram imagens de idosos felizes e satisfeitos com quem cuida deles e vice-versa. A realidade nem sempre é essa. É muito difícil para um idoso sair da sua casa e ir para um lar onde habitam umas dezenas de pessoas estranhas. Há sempre uma revolta muito grande contra os filhos ou cônjuges quem se veem obrigados a leva-los para o lar por não terem condições em casa ou tempo para cuidar deles. A adaptação, normalmente, demora umas semanas. Cada casa tem as suas regras e cada pessoa tem a sua própria forma de viver e um lar é uma casa com regras muito específicas e que incluem todos. Os horários são muito rigorosos. Por um lado, para que o idoso possa criar uma rotina e por outro para nós, colaboradoras, podermos ter uma linha certa de trabalho, linha essa que é muito difícil manter no dia-a-dia. Quando se trabalha com máquinas programadas para fazer um determinado trabalho é fácil definir horários e tempo de trabalho. Com pessoas o caso muda de figura. Não há um dia igual ao outro. Por vezes até parece que o dia está a correr bem até acontecer um imprevisto que atrasa tudo. Acreditem que 5 minutos conseguem ser preciosos para um dia de trabalho correr bem.

No papel de cuidadora, a minha função é apoia-los a fazer o que eles têm dificuldade e, no caso de eles não conseguirem, tenho que fazer por eles. Tenho o dever de os incentivar a serem autónomos mas no estado em que eles chegam ao lar já não têm autonomia para quase nada. O ser humano volta a ser criança a partir de determinada idade. E se for parar à cama precisa que lhe deem comida, água, que o virem de 2 em 2 horas, que lhe mudem a fralda e deem banho. A minha maneira de olhar para a velhice não é muito positiva. Depende de como se chegar lá.

Como devem imaginar, é preciso gostar do que se faz, se não, não se consegue fazer metade do trabalho. Eles precisam de atenção, precisam criar confiança com quem cuida deles, precisam rir. O nosso trabalho também cai muito na parte psicológica deles.

Como em todo lado, há pessoas e pessoas e nós temos que lidar com todos. Antes de serem velhos, foram novos e a personalidade não altera com o passar dos anos. Em boa parte dos casos, a velhice faz sobressair o lado negro da personalidade das pessoas. Há de tudo. Pessoas autoritárias, mal-educadas que nos tratam mal e há quem nos queira bater por tudo e por nada. Mas também há idosos que olham para nós como se fossemos família e que reconhecem a sorte que têm por terem quem olhe por eles.

Fisicamente, é desgastante. Temos que ter força. É preciso levantá-los, muda-los de uma cadeira para a outra, deitá-los. Há aqueles que ajudam mas há os que não ajudam nada e os que fazem força para baixo quando os queremos levantar.

O horário de trabalho duma casa destas é interminável, 24h por dia, 7 dias por semana. Trabalhamos de manha, de tarde ou de noite, durante a semana, aos fins-de-semana e feriados. Não é mau trabalhar por turnos mas não é fácil trabalhar de noite. Não há vidas nem trabalhos perfeitos e, como eu costumo dizer, os trabalhos mais importantes não conhecem horas nem dias, é tudo igual.

A época natalícia, para mim é a mais difícil. Mas os nossos idosos também precisam de cuidados no Natal!

Provavelmente a maioria de vocês, leitores, não vão chegar ao fim do texto, mas a quem chegar agradeço :)

Beta

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Oi, @nelioebeta,

Obrigado por compartilhar tão belo texto sobre o que faz com os idosos. Eu, por minha parte, trabalhei por algum tempo, pouco tempo na verdade, em uma casa de repouso como voluntário e percebi o quão difícil pode ser cuidar de pessoas tão frágeis e, ainda, tão cheias de vida em suas mentes e corações. Contudo, eles precisam de ajuda, e cabe a nós, com um pouco de amor, dar o que temos de melhor: "nosso tempo".

A casa era uma instalação pública, e carecia de tudo o que você possa imaginar. No fundo, eram os voluntários e funcionários os que mais davam para que houvesse, pelo menos, alguma dignidade para os seres humanos que habitavam aquele ambiente. (Engraçado dizer isso, mas nunca quis ser voluntário em uma instituição de idosos que fosse privada. Aqui em Petrópolis há várias, eu até mesmo visitei algumas, mas não permaneci em nenhuma delas. Sigo buscando alguma que receba fomentos da prefeitura para visitar e sei que vou encontrar com um pouco de paciência.)

Que essa grande Luz do Alto esteja sempre por perto, que as Estrelas brilhem mais no seu coração para que possam cintilar exponencialmente a todos os seres aos quais você leva sua ajuda.

Abraços, @nelioebeta, paz e bem!

Desde já agradeço o comentário e a partilha da experiência. É sempre bom haver quem nos compreenda e complete o que queremos transmitir. O objectivo destas casas é mesmo dar alguma dignidade a estas pessoas que estão no fim do seu percurso. Nós sabemos à partida que a instituição será, provavelmente, a sua última morada.

A instituição onde trabalho é privada e, graças a Deus, tem óptimas condições. Mas não temos voluntários. Julgo que o trabalho voluntário faz muito mais sentido em casas carenciadas e é nelas que vai fazer toda a diferença na vida dos idosos ou das pessoas que nelas habitam. É um bonito gesto. A verdade é que não é preciso muito para fazer alguém sorrir e quando conseguimos tornamo-nos mais felizes também :)

Bem vinda! Olha, sei bem como é um serviço complexo, meu pai é idoso, bastante debilitado, minha mãe tem ficado muito desgastada cuidando dele. É quase como um bebê realmente. A realidade de lar de idosos pelo menos aqui no interior do Paraná é algo que não vivenciamos, por que os poucos que tem nas cidades vizinhas custam uma verdadeira fortuna.
Por hora, ele ainda é lúcido e conseguimos ajudar, mas está se tornando cada vez mais distante e desligado, cogito a possibilidade de estar iniciando um processo de demência.
Obrigado pelo seu relato Beta!
Abraço, estarei seguindo você!

Nao é um trabalho fácil e acho que se torna muito mais complicado quando é com uma pessoa próxima que conhecemos tão bem. Cá em Portugal também não é nada barato ter uma pessoa numa casa destas, mas largar o emprego para ficar com eles em casa também acaba por não ser uma opção. São decisões muito difíceis e o estado não dá uma grande ajuda. Enfim, é o mundo em que vivemos!
Obrigada pelo comentário e pelo testemunho😉

@nelioebeta A única pessoa que realmente tem que gostar do que faz somos nós mesmos e tenha certeza de que o trabalho que você faz é um dos mais nobres.

É verdade, nós é que temos que nos sentir bem com o que fazemos. Obrigada pelo comentário 😀

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