#FILMOTECA# - "The Lost Weekend" | "Farrapo Humano" (1945)

Fonte: Divulgação (AA Beyond Belief)

Sinopse: Em Nova York, Don Birman sonhava ser escritor, mas não consegue seu objetivo por estar sofrendo de um bloqueio. Assim, é completamente dominado pelo álcool e passa a ter como única meta obter dinheiro para continuar se embriagando, se esquecendo que as pessoas que o rodeiam sofrem por vê-lo neste estado e tudo fazem para afastá-lo da bebida. Mas enquanto a namorada, Helen St. James, editora de uma revista, quer ajudá-lo, ele bebe cada vez mais.

Não importa exatamente qual vício esteja em discussão, livrar-se de qualquer um deles - por mas simples que eles possam parecer - é sempre uma tarefa muito complicada de ser executada. Dependendo do tipo e da intensidade em que o mesmo se encontra, é preciso - acima de tudo - muita perseverança e força de vontade para se ver livre... E infelizmente, esses dois fatores essenciais na busca pela libertação não estão presentes na vida do problemático Don Birnam.

Fonte: Divulgação (On The Set Of New York)

Ao longo das décadas, a sétima arte já apresentou em seus filmes diversas facetas que podem ser desencadeadas pelo alcoolismo. O assunto é realmente um dos temas mais recorrentes dentro do gênero dramático, que faz desse vício um porto seguro para criar - apesar de nem sempre acertar filmes emocionantes (seja abordando o lado mais destrutivo ou o lado mais altruísta do problema).

De uma forma ou de outra, é fato que o tema é polêmico e trás muitas reflexões. Pouquíssimos filmes conseguem captar a essência desse problema quanto "Farrapo Humano" (até me arrisco a dizer que este filme - dentre todos os que eu já assisti que com a mesma temática - é o melhor exemplar)... Porque a abordagem utilizada é bem impactante.

O roteiro (escrito por Charles Brackett, baseado no livro de Charles R. Jackson) é o que pode ser considerado como uma ode à tristeza. Emocionalmente cru, dramaticamente palpável, moral e eticamente controverso, o filme rapidamente mostra - logo em seus primeiros minutos ao espectador todo o seu poder destrutivo.

Fonte: Divulgação (The Best Picture Project)

Centrando a história em um personagem completamente dominado pelo vício do álcool, a única "missão" na decadente vida de Birnam é pensar em uma nova forma de conseguir mais dinheiro para beber a próxima dose. Os caminhos que ele trilha para tentar conseguir o dinheiro são tortuosos: roubos / furtos, um "assalto" não-convencional e penhoras de bens pessoais (dentre outras situações que eu não vou comentar aqui porque seriam consideradas spoilers)... A conclusão é uma só: Birnam é refém de uma situação que não lhe oferece a menor chance de recuperação.

O retrato do vício, os recursos que são utilizados para personificar os delírios e a negação do problema por parte de Don criam uma atmosfera muito perturbadora e muito triste de ser acompanhada. O personagem definha - literalmente - diante dos olhos do público de uma forma poucas vezes vista no cinema. É tudo tão visceral, tão crítico que é impossível não criar uma empatia gratuita pelo protagonista e realmente torcer para que ele consiga encontrar uma saída para aquele labirinto destrutivo.

Fonte: Divulgação (NT Times)

A fidelização da história ganha mais peso com a atuação impressionante de Ray Milland (que entrega uma performance hipnotizante... um mergulho doloroso em direção ao fundo do poço na vida de um viciado), que é complementada com a ótima presença de Jane Wyman (em um papel que faz toda a diferença para o desfecho da história) e os demais nomes do elenco (que apesar de não terem muito destaque, são fundamentais para firmar o peso e ritmo que o filme precisa para crescer ainda mais).

O trabalho que é feito com a fotografia e a edição de arte dos cenários é o que mais se destaca dentre as questões técnicas do filme. É uma abordagem meticulosa que gira em torno do vício do personagem, porque os locais são sempre locais que remetem a sua problemática (por exemplo: os bares, as lojas de penhores e bebidas, o hospital e o apartamento do irmão... que serve de refúgio nos momentos em que ele entra em graves crises de abstinências) de uma forma quase poética.

Fonte: Divulgação (Basement Rejects)

Brilhantemente dirigido por Billy Wilder, esse é - muito provavelmente - o seu melhor trabalho como diretor. Enquanto conduz a história com um pulso sempre firme, ele proporciona ao público um nível de imersão incrível (isso graças a um olho clínico para criar enquadramentos singulares em comparação ao que era apresentado na década de 40)... Evidenciando a qualidade incontestável do seu trabalho.

"Farrapo Humano" não é o tipo de filme que consegue ser digerido tão facilmente (principalmente para quem já viveu / conheceu ou vive / conhece alguém que sofre com esse ou qualquer outro tipo de vício) porque é uma verdadeira viagem ao íntimo de um ser humano que - dentre outros problemas - sofre com uma anemia moral aguda, mas... Para aqueles que decidirem assisti-lo, tenham a certeza de que irão assistir a um dos melhores filmes já feitos pela sétima arte).