#FILMOTECA# - "Roma" (2018)

in #filmoteca6 years ago (edited)

Fonte: Divulgação (Daily Express)

Sinopse: Cidade do México, 1970. A rotina de uma família de classe média é controlada de maneira silenciosa por uma mulher que trabalha como babá e empregada doméstica. Durante um ano, diversos acontecimentos inesperados começam a afetar a vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais.

Depois do extremamente hollywoodiano - porém, incrível! - Gravidade (estrelado pela Sandra Bullock e pelo George Clooney), o diretor mexicano Alfonso Cuarón volta aos holofotes cinematográficos com o excelente Roma (obtendo nada menos do que 10 indicações ao Oscar 2019), que até então, é a sua obra mais sincera, bela e intimista.

Fonte: Divulgação (The Wrap)

Cuarón está à frente de um emocionante filme sobre raízes que é muito mais forte do que você pode imaginar. Praticamente tudo o que está na tela tem o seu toque pessoal (ou seja, baseado em suas próprias experiências... muitas delas, da sua infância), algo que aqui, está além do seu incontestável e soberbo trabalho profissional como diretor e roteirista. (já demonstrado em filmes anteriores)

Em tese, pode-se dizer que a premissa do filme é bem simplista (algo que necessariamente não é ruim, mas não chama tanto a atenção de muitos dos espectadores que vão ao cinema), mas todos os desdobramentos que vão acontecendo por causa de complicadas situações vivenciadas por duas mulheres de classes sociais e culturas diferentes - nesse caso, patroa e empregada - que mutualmente acabam se ajudando (e não se "degladiando", como normalmente são retratadas) conferem ao filme um peso de extrema relevância que se transpõe a obra e atinge a sétima arte como um todo.

Fonte: Divulgação (Variety)

Cleo (empregada e babá... um personagem sensacional de Yalitza Aparicio , que apesar de não ser atriz, está muito bem no papel) e Sofia (patroa... Marina de Tavira, com uma personagem cheia de camadas escondidas igualmente bem interpretada) protagonizam uma relação complicada, que mistura momentos de disputas e apreços no âmbito familiar que assemelham-se a uma espécie de "guerra fria". No entanto, ambas procuram - mesmo que de uma forma incomum - se ajudar, se apoiar e mostrar que o peso da cruz que carregam não precisam ser carregado sozinho.

Independente do mundo ao qual elas originalmente pertencem, o roteiro as coloca em um mesmo patamar de igualdade enquanto seres humanos. Suas dores, felicidades, angústias, anseios e conquistas "brigam" pelo spotlight do filme, que na verdade, não privilegia a nenhuma delas de forma isolada. Embora a trama gire em torno de Cleo, Sofia é tão protagonista quanto ela.

Fonte: Divulgação (Vanity Fair)

Não espere, por exemplo, um próximo Que Horas Ela Volta? (um filme nacional, estrelado pela Regina Casé, que aborda uma temática parecida), porque aqui, o foco da trama é completamente diferente, apesar de ter uma similaridade ou outra em algumas pouquíssimas cenas. Tudo aqui é mais ousado, é mais profundo, é menos didático é também é mais cru (algo que facilita a aproximação do público para com o peso expresso na narrativa).

O protagonismo que Cuarón dedica a Cleo coloca em evidência uma voz silenciosa de um trabalhador comum, praticamente invisível (do tipo silencioso) que não é notado no dia a dia de muitas famílias. O drama da jovem empregada grita de maneira cada vez mais forte a medida em que a projeção aumenta e o que explode na tela no terceiro ato é uma verdadeira ode pela busca da sua verdadeira essência.

Visualmente, o filme tem uma estética incrível. Filmado completamente em preto e branco, a fotografia (que por sinal esbanja um trabalho minuciosamente bem realizado) é de uma sensibilidade tremenda, a edição de cenas é sensacional e a trilha sonora é de tocar o coração, tamanho é o cuidado em compor notas que se harmonizam de maneira monstruosa na tela.

Fonte: Divulgação (Netflix)

Roma é um filme poderoso e extremamente eficiente (que aliás, torna-se ainda mais gigantesco pelo embate entre os Estados Unidos e o México em torno da nefasta criação do muro na fronteira dos países, bem como a questão da imigração), uma ode ao cinema Mexicano que "aponta do dedo" na cara dos americanos e diz (de maneira contida e educada, ainda que não tenha sido realizado com esse propósito): Nós não somos invisíveis. Nós estamos aqui. Você vai ter que nos notar!".

Sort:  

Olá @wiseagent , em primeiro lugar não poderia deixar de te parabenizar por mais um maravilhoso Review. Mesmo porque, depois que vi que vc havia feito esse review ontem, eu fiz questão de colocar Roma no topo da lista pra assistir pra poder ler seu post, que aliás está impecável. Sem dúvida nenhuma é um filme “...muito mais forte do que você pode imaginar” e bota forte nisso. Achei que era bem mais de boas, contemplativo, com uma pauta de classe, discussão social e tal. Mas é muito, mas muito mais profundo que isso! Além disso, concordo plenamente sobre ele não ser uma versão do Que Horas Ela Volta? por ele ser “...mais ousado, é mais profundo, é menos didático é também é mais cru…”.

Mas sobre as questões sociais que o filme trata, como historiador, percebo algo que atravessa uma “voz silenciosa” de Cleo. Na história, há quem perceba isso como um silenciamento dessas vozes, mesmo porque, ainda que Cleo não fale tanto, suas ações, suas expressões, sua presença grita constantemente na tela. Ela tem muito mais voz que qualquer personagem no filme, em minha opinião. E vejo isso de forma impressionantemente bem feita. Ainda assim há outras perspectivas que concordam com o termo “voz silenciosa” que usastes. Também achei incrível a relação fizeste com a "criação do muro na fronteira dos países” (EUA/México).

Um outro aspecto incrível, ao menos a mim, são as 10 indicações de Roma ao Oscars para as categorias de Melhor Filme, Direção, Atriz, Atriz coadjuvante, Roteiro Original, Filme Estrangeiro, Edição de som, Mixagem de som, Direção de Arte e Fotografia. Mesmo sendo um filme da Netflix, que por vezes são esnobados pela academia, Roma superou todos os preconceitos e vem sendo amplamente aclamado.


P.S.: Uma reportagem que vale a pena ler é essa do El País: Yalitza Aparicio, a professora indígena que aspira a um Oscar históricos - Protagonista de ‘Roma’ é indicada ao prêmio de melhor atriz, a primeira a uma mexicana em 17 anos

Um abraço e até a próxima!


Oscars_Roma

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Pois eh, a Cleo é aquele tipo de personagem que mesmo sem ter muitas falas, carrega (de outras tantas formas, como você mesmo disse) um peso essencial do filme.

Obrigado pela leitura e pelos elogios, @leodelara. Assim que eu for assistindo os próximos filmes da lista do Oscar eu vou postando. ;)

P.S.: Ótima matéria do El País. Espero que ela reveja a futura carreira, porque eu acredito que ela tem futuro no cinema (ou nas telinhas).

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