a historia do dinheiro (ou a historia da nossa servitude)
Pela falta de artigos simples em português, sem muito economês e acessível para todas as donas de casa e os trabalhadores do campo, a quem tenho muito mais estima do que qualquer doutrinado em economia por universidades que ensinam um keynesianismo tóxico e claramente incoerente com observações simples da realidade, resolvi escrever esse artigo (e planejo continuar com outros no futuro). Seu objetivo é bem simples, quero te explicar o que é dinheiro, somente e tudo isso.
Muitos que aguentaram ler um primeiro período cheio de virgulas e que quase não acabava, provavelmente pensaram: “Claro que eu sei o que é dinheiro, são essas notas na minha carteira ou esses dígitos na minha conta bancária que parecem estar sempre em falta ou valendo menos a cada dia”. Se pensas algo assim, peço uma chance e prometo fazer desse texto algo interessante. Começarei com um pouco de teoria e historia para entendermos como essas notas coloridas são criadas e como vivemos num sistema destinado a escravizar-nos independente de política ou crenças.
Há 3 milênios, a troca de trabalho entre indivíduos era uma tarefa árdua e pouco eficiente. Antes de inventarmos a moeda, o escambo era a única pratica disponível. Entretanto, trocar uma vaca por morangos ou roupas não é simples. Quando o indivíduo que tem morangos precisa de carne, o individuo com bois e vacas talvez não queira morangos. Além disso, se o individuo envelhecesse, não havia uma maneira eficiente de resguardar seu trabalho na juventude para usufruir no futuro. Bois precisam sempre ser cuidados, morangos estragam em poucas semanas, até roupas ficam rotas e precisam ser renovadas. A dificuldade de trocas eficientes entre sociedades e indivíduos era um dos maiores entraves ao desenvolvimento humano, a não existência de uma reserva de valor não permitia as pessoas trabalhar por mais do que elas precisavam naquele instante. Aposentadorias universais eram tão inimagináveis para aquelas sociedades quanto um mundo sem bancos hoje.
O primeiro ponto que quero deixar bem claro é o mais importante: o dinheiro, qualquer que seja, só tem valor quando gera trabalho. O principal objetivo dele é fornecer aquele que o porta a capacidade de comprar o trabalho de alguém que o busca. A criação do dinheiro na crença de que ele produz riqueza apenas pela sua existência é tão infantil quanto prevalente, já empobreceu impérios enormes e será a ruína de toda a sociedade se não compreendermos o âmago da sua natureza.
Vários povos tentaram o uso de diferentes objetos como moeda. Os astecas usavam chocolate, os noruegueses já usaram bacalhau, povos indígenas usavam tabuas de madeira e muita gente usava escravas como objetos a serem trocados ou reservas de valor. Entretanto, a grande maioria dos povos recaiu sobre os metais preciosos, ouro e prata, primeiro usado informalmente por séculos, depois cunhados em moeda a partir do século VII A.C na região da Turquia, costume rapidamente assimilado por várias sociedades ao redor. Os nomes “prata” ou “denari” (1/10 de uma onça de prata, moeda usada pelo império romano) tornaram-se tradução direta ou origem epistemológica da palavra dinheiro em várias línguas principalmente no mundo latino. A criação da moeda como reserva de valor foi uma das maiores invenções da humanidade. Ela permitiu um nível de organização e cooperação entre indivíduos nunca antes imaginado. A divisão de trabalho na sociedade cresceu exponencialmente, nem todos os humanos precisavam trabalhar na agricultura para prover seu sustento. Finalmente criou-se base para o desenvolvimento de varias outras profissões que pudessem gerar valor, mesmo que não passível de escambo direto.
Talvez você já tenha se perguntado, ou talvez nunca tenha percebido, por que tantos povos escolheram o ouro e a prata como reserva de valor. A verdade é: apenas os metais foram bem-sucedidos na tarefa de ser “dinheiro” em qualquer estudo histórico que se faça. Todo o resto falhou, e creio que o nosso sistema atual criado em 1971 com a retirada de qualquer commodity na moeda também falhará. O ouro e a prata, o único dinheiro para muitos puristas do “sound money” eram infalíveis como dinheiro por que eles obedecem às 5 regras básicas do dinheiro: durabilidade, portabilidade, divisibilidade, uniformidade, quantidade limitada. As moedas que temos hoje seguem as 4 primeiras, mas não a última, esse é o elo fraco que une a economia do mundo. Elas são chamadas de “Fiat currency” (moeda que possui valor por decreto do governo, sem qualquer commodity por trás), perceba que a palavra dinheiro (money) foi substituída pela palavra moeda (currency), diferença sutil, mas importantíssima e de agora em diante nesse artigo também usarei essas duas palavras dessa forma, dinheiro (teórico sistema que requer a aplicabilidade das 5 leis descritas), moeda (sistema que temos hoje com o Real, o Euro, o Dollar e tantas outras).
O ouro e a prata funcionaram maravilhosamente bem por vários séculos, o mundo floresceu e cresceu com seu uso. Finalmente era possível trocar-se trabalho por dinheiro, que conservaria nossa energia dos bons tempos e poderia ser usado na velhice ou em tempos mais difíceis. O mundo não tinha inflação como um todo, pois o ouro e a prata eram limitados e o crescimento da oferta por mineração era constante (aproximadamente 1.6% ao ano em grandes series históricas com variações).
O desenvolvimento econômico criou empreendedores e investidores. Inventamos algo chamado crédito, pessoas ou organizações passaram a emprestar ouro e prata para outros, muitas vezes com cobrança de juros. A prática não era vista com bons olhos por muitos, mas era necessária e importante para o desenvolvimento comercial, tornando-se cada vez mais comum com o passar dos anos. Finalmente, o desenvolvimento dessa prática e a necessidade de proteção do patrimônio de algumas famílias levou a uma das invenções mais importantes para o bem e para o mal do mundo moderno: o banco. O banco tinha duas finalidades, proteger o ouro e a prata das pessoas e fornecer crédito a outras. A partir desse momento, mais uma moeda entrou em circulação na sociedade, os chamados certificados bancários.
Os certificados bancários de antigamente eram considerados tão bons quanto ouro e circulavam em paralelo aos metais, visto que o banco teria aquele dinheiro guardado em caso de necessidade. Algo mais aconteceu, entretanto, uma mudança sutil na percepção da realidade dos que comandavam as chaves daqueles cofres com o ouro de boa parte da sociedade: eles perceberam que eles tinham o poder de imprimir ouro, ou o poder de criar dinheiro.
Como isso aconteceu? Simples, se os certificados circulavam como ouro e pouquíssimos retornavam para trocá-los pelo metal os bancos perceberam que bastava ter uma pequena fração do ouro em tesouraria para a quantidade de crédito emprestado ao mundo. Esse fenômeno é chamado de “fractional reserve lending” em inglês ou empréstimos de reserva fracionários e essa é a maneira como bancos criam moeda inclusive nos dias de hoje.
Eventualmente uma sociedade inundada por papeis sem valor de bancos quebrados percebia inflação dos preços, como falei antigamente, dinheiro só funciona bem quando se troca trabalho e produtividade por ele, quando há aumento da quantidade de dinheiro numa sociedade com a mesma quantidade de trabalho e produtividade temos inflação. Essa inflação eventualmente levava as pessoas a desconfiar dos bancos e buscar seus metais de volta, apenas para descobrir que eles não mais existiam. Foram emprestados a alguém e apenas uma fração do dinheiro original estava no banco. Esse fenômeno ocorreu vez após vez e culminou com a criação de grandes bancos centrais governamentais na Europa, o banco da Inglaterra sendo o protótipo deles, com a responsabilidade de regular os outros bancos, fixar taxa de juros e emitir papel moeda (agora os certificados bancários vinham com autorização dos governos). Os bancos centrais de todo o planeta passaram a acumular metais preciosos e emitir papel moeda, a priori cada nota dessa poderia ser trocado por uma quantidade fixa de prata ou ouro no banco, e as moedas do dia a dia ainda continham prata na sua confecção, pois a sociedade ainda estava condicionada a ver os metais como dinheiro, e o papel como certificado do dinheiro real, o ouro guardado no cofre dos bancos.
Por honestidade intelectual, essa estória aqui descrita até o momento possui milhares de nuances, momentos políticos e diferenças em vários locais do mundo, mas para o seu entendimento e para evitar a transformação de um texto num livro, foi simplificada dessa forma e espero que me perdoes a audácia. A partir de agora, para entender as mudanças monetárias do século XX, passaremos a estudar o dólar, ou US Dollar, o protótipo e a balança de todas as moedas modernas.
O dólar se tornou a vigente moeda reserva de valor do mundo no final da segunda guerra mundial, a passagem do padrão libra-ouro para o padrão dólar-ouro não foi abrupta como muitos pensam, mas foi uma guerra fria no mundo comercial ocorrida desde o inicio do séc XX até o final da segunda guerra mundial. Na segunda guerra, os americanos receberam o ouro de vários outros países, ou por medo de saque nazista ou por compra de armas e bens de consumo. Eles confiscaram o ouro de sua população e fixaram o preço do dólar a $35,00 dolares por onça de ouro. Todos os países periféricos como o Brasil passaram a fixar suas moedas pelo dólar (um fenômeno conhecido como crawling peg), e os EUA seriam o grande banco do mundo, na teoria o dólar seria tão bom quanto ouro e poderia ser trocado como se ouro fosse em transações comerciais pelos países.
Aconteceu com o dólar e o governo americano o mesmo que acontecera previamente com os bancos e os metais. Muito mais dólares foram emitidos (via dívida, o que será explicado logo em seguinte) do que o banco central americano, FED, tinha de reserva em metais. A consequência disso foi uma inflação enorme na década de 60, crescimento da dívida e perda da confiança internacional sobre o dólar, fenômeno similar ao que acontecia com os bancos de antigamente. Houve uma corrida ao ouro americano liderado principalmente pela França que sabia a importância do metal amarelo como real dinheiro até que o presidente Nixon bloqueou a troca de dólares por ouro em 1971. Teríamos então o famoso encontro de Breton Woods.
Esse “capítulo” do artigo merece um título a parte. O encontro de Breton Woods desvinculou o último vestígio de padrão-ouro que existia no dólar, e não poderia ser diferente, muito mais papel moeda havia sido criado do que ouro existia então o crime inflacionário já havia sido cometido. Ao desvincular o dólar do ouro, a única maneira de convencer os outros países a usar o dólar foi com ameaças brancas e parcerias com os grandes produtores de petróleo. Quem quisesse adquirir commodities no mercado internacional, principalmente petróleo, deveriam fazê-lo em dólares. Assim o “petrodólar” com base em confiança na política monetária norte-americana foi criado. Pela primeira vez na história da humanidade, todos usavam algo chamado FIAT money (dinheiro com valor dado apenas pela confiança nos governos, sem qualquer vestígio de valor intrínseco). Todos podiam emitir divida sem restrições, manipular a economia e aumentar gastos sem consequências imediatas.
Um novo capítulo da economia mundial foi lançado em 1971, e esse capítulo é perverso, pois o sistema foi feito para beneficiar os mestres do dinheiro, que hoje são os emissores de dívida. Precisamos entender que aquilo que chamamos de dinheiro hoje, nada mais é do que um certificado de dívida de alguém. Ele tem que ser emprestado por alguém para entrar em circulação, e deve ser pagado de volta com juros. No sistema atual, se não houver dívida, não haverá dinheiro, pois a emissão de divida de bancos ou tesouros públicos é a única maneira de emitir liquidez no sistema. O sistema de reservas fracionários não possui mais qualquer centelha de controle, pois não havia mais a possibilidade de trocar as notas pelo dinheiro (o ouro), então bancos passaram a possuir o poder de criar dinheiro.
Vou repetir devagar e calmamente para que todos possam compreender como o sistema funciona. Um banco central emite um cheque sem fundo para pagar gastos governamentais deficitários. Esse dinheiro criado do nada entra em circulação como dígitos mágicos num banco qualquer. Pessoas são pagas e depositam esse dinheiro criado num banco. Esse banco ao receber um dinheiro, empresta 20x mais do que possui em reserva para outros indivíduos e, como esse dinheiro até aquele momento não existia, esse mesmo banco cria dinheiro do nada se utilizando de botões e baseado na assinatura de alguém que prometeu pagar. Cada uma dessas pessoas ou governos em cada uma das etapas deve juros aos criadores do dinheiro, mesmo que os mesmos não possuem esse dinheiro e apenas o criaram como quem passa um cheque sem fundo.
Por esse motivo, dividas na sociedade como um todo são impagáveis, e bancos centrais eventualmente serão os donos de tudo. Entenda que discussões politicas são muito pequenas comparadas a como o dinheiro funciona na nossa sociedade, precisamos mudar o dinheiro para finalmente mudar o governo e nos livrarmos dessas amarras impostas para nos mantermos sempre servos de um sistema bancário inútil e explorador.
Não é de interesse desse artigo construir uma tese de doutorado ou um livro de economia, mas sim levar uma informação crucial e de forma simples a qualquer pessoa que nunca pensou como dinheiro é criado ou o que realmente são aquelas notinhas ou o numero da conta bancaria. Obviamente há muitos nuances e situações diferentes ao redor do mundo e podemos discutir situações diferentes nos comentários, peço perdão pela licença poética utilizada e pelas simplificações muitas vezes propositais.
“Gold is money, everything else is credit” J.P Morgan