Creed 2 | CRÍTICA

in #cinema5 years ago

Ao sair de Creed 2 comecei a refletir sobre o que mais me chamou atenção no filme. Procurei algum elemento que justificasse minha satisfação, até que em certo momento percebi, levemente decepcionado, que não havia um grande destaque ao longo de sua duração. Não tão emocionante ou pungente como acontece em diversos momentos do antecessor Creed, de Ryan Coogler(2016), pelo menos. Ainda assim tive uma experiência positiva e imagino que boa parte dos espectadores compartilharão de tal satisfação. Mas por quê? Bem…

Creed 2 é, acima de tudo, competente. O roteiro de Sylvester Stallone e Juel Taylor demonstra uma hábil autoconsciência ao elaborar narrativa padronizada, mas coerente. Seguindo a fórmula do gênero, o filme discorre com atos bem definidos, guiado pelas diferentes relações entre os personagens. Há desde a trama – o épico duelo entre Adonis Creed (Michael B. Jordan) e Viktor Drago (Florian Munteanu) – até subtramas como a surdes de Bianca (Tessa Thompson), pouco elaborada; a relação entre Rocky Balboa (Stallone) e seu filho, também pouco elaborada; ou a projeção de Ivan Drago (Dolph Lundgren) em Viktor, seu filho. Em cada uma dessas relações, Stallone e Taylor conseguem elaborar personagens suficientemente humanos, o que dá ao filme um teor dramático envolvente. O arco entre Ivan e Viktor, por exemplo, acontece de forma objetiva. Os diálogos são substituídos por closes que evidenciam a relação familiar através das imagens que capturam a imposição física e emocional de Ivan e o olhar perplexo de Viktor. Em suma, funciona pela simplicidade.

Ao longo da narrativa, a direção de Steven Caple Jr. utiliza a linguagem cinematográfica dentro dos moldes da fórmula. Ainda que não possua arroubos de criatividade ou originalidade – tudo na obra está impregnado com uma confortável sensação de familiaridade, os ângulos de câmera sugestivos (o contra-plongée que determina a imponência do personagem no momento de triunfo, o plongée que o diminui na vicissitude, a alternância de foco que determina a razão do momento, etc), a paleta de cores (fria e lânguida com os russos, límpida nos ringues) e a trilha sonora vibrante e encorpada são eficientes em evidenciar estados emocionais e, também, em guiar a atenção e a emoção do espectador. São padrões estético-narrativos conhecidos, comuns e eficientes. Tudo conforme o padrão e nada mais.

É através dessa objetividade que a autoconsciência se apresenta. Caple Jr. consegue evidenciar e dotar de valor elementos-chave da narrativa, como alguns dramas pessoais ou as lutas. Em suma, tudo aquilo que envolve as características que definem as franquias Rocky e Creed. Há habilidade em encaixar o filme de forma coerente no universo. E o filme parece plenamente satisfeito com isso, o que não é ruim, mas me deixou com uma sensação de falta de personalidade.

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Cada personagem, e as suas diversas relações subsequentes, recebem tempo, atenção e motivações necessárias para engajar o espectador. De forma mais ou menos explícita, os passados dos personagens vêm à tona em momentos de valores emocionais inerentes. Assim, para o espectador que conhece a filmografia Rocky (cujo primeiro filme foi dirigido por John G. Avildsen, em 1976) encontrará ainda mais substâncias nas relações e conclusões dos personagens. O desfecho da luta final, por exemplo, um dos poucos momentos realmente criativos da obra é robusto por si só, mas fica ainda mais substancial quando observado sob a perspectiva de Rocky IV (Stallone, 1985). Isso não significa que seja necessário conhecer bem a franquia, mas a bagagem certamente fortalece a trama.

Aliás, o reflexo dos filmes anteriores, principalmente o Rocky IV, se faz sentir naquele que é para mim o grande defeito da obra: a gradiloquência estadunidense. O retrato do russo (e, de tabela, dos ucranianos) parece ter sido escrito ainda na mentalidade dos anos 1980, retratando-os como gananciosos e interesseiros. A partir disso, o filme elabora um alicerce narrativo frágil, ao meu ver: a vilanização. Os duelos travados, por parte dos vilões (veja que não são adversários, mas inimigos, numa antítese do que é o valor esportivo), buscam alguma forma de redenção pessoal através de irregularidades, motivações rasas e inescrúpulos. Reforça a mais fabulesca fantasia de meritocracia oriunda do Sonho Americano. Para isso, parte de um pressuposto maniqueísta que promove um duelo entre o Sonho e o pesadelo.

Embora não seja possível afirmar que os Ivan e Viktor são unidimensionais, graças ao terceiro ato, pouco foi sugerido, ao longo da narrativa, para firmar algo além da vilania de ambos. Com exceção dos closes na expressão oprimida de Viktor, ambos, principalmente o pai, são demonstrado como uma caricatura datada – o que certamente encontra respaldo para isso no Rocky IV, mas que prejudica o universo Creed. A atmosfera realista estabelecida na obra anterior sofre um abalo estrutural diante essa binariedade.

Mas apesar de algumas decisões discutíveis com alguns personagens, todos são elaborados com paciência e doses proporcionalmente relacionáveis de vulnerabilidade. Os dramas pessoais, com foco em Adonis e Rocky, discorrem bem. Há, porém, um problema de ritmo no segundo ato, que quase beira o maçante. Vejo isso como consequência dos antagonistas pouco elaborados já que quando os acompanhamos, mesmo que em breves momentos, não há realmente algo a se descobrir ou relacionar graças às motivações rasas que são as primeiras e únicas características apresentadas. Repito: elas fazem sentido dentro do universo Rocky, mas são insuficientes para sustentar Creed 2. Assim, o tempo em tela da família Drago se arrasta em repetições desinteressantes.

E já que estou focando nos personagens, é bom perceber que cada atuação carrega uma competência condizente com a necessidade. Jordan e Stallone lideram, novamente, o carisma e momentos emocionais com naturalidade. A Bianca de Tessa Thompson também consegue bons momentos e, caso houvesse um pouco mais de foco na personagem, teria mais valor emocional. Só que faltou atenção à Bianca. A surdes gradativa, característica primordial da personagem, por vezes aparece de forma incoerente. A apresentação de Bianca é pautada por isso, com a câmera perfilando-a em primeira pessoa, colocando em foco o novo aparelho auditivo, muito maior do que o anterior (forte sugestão da evolução do problema auditivo). Ora ela ouve bem em ambientes diferenciados (lugares barulhentos ou no silêncio dos apartamentos), ora não houve nada, independente do lugar. Ou seja, é difícil saber o grau do problema e como isso a afeta (o que afetaria, também, Adonis). A surdes dela é bem utilizada apenas como gancho para outro arco dramático, que permite boas possibilidades.

Apesar disso tudo, Creed 2 não decepciona. Longe disso. A força dos personagens, a nostalgia, a qualidade objetiva da narrativa, as lutas… cada componente familiar é retratado adequadamente. Não há brilho nos singulares da obra, nos elementos individuais. Mas quando unidos, as partícula que compõem e define Creed 2 soma-se num resultado confortável. A carência de identidade que caracteriza o filme é compensada pelo esmero técnico-narrativo que conhece suficientemente bem o material e as ferramentas que têm para elaborar um filme perfeitamente agradável.

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