Você chamaria seu carro de ODÔMETRO?

in #blockchain6 years ago

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courtnay guimaraes
CTO & Digital Business Transformation Architect & Data Scientist, helping financial institutions to innovate using IT&C.
Jul 3

Você chamaria seu carro de ODÔMETRO?
Um manifesto pela compreensão do termo “blockchain” e pela busca da verdade sobre redes distribuídas de consensos criptográficos

Desde 2016, a indústria de tecnologia vive um frenesi ao redor do termo “Blockchain”. Enquanto muito se fala desta festa, deixa eu te fazer uma pergunta: você chamaria seu carro de odômetro? Sabe, aquele equipamento que serve para dizer quantos quilômetros você já andou e que é apenas uma peça entre muitas outras do veículo? Pois é isso que o marketing tem feito com essa nova e realmente revolucionária plataforma de redes criptográficas. O Blockchain é muito importante. Mas é apenas o odômetro, não o carro. E minha alma de engenheiro não sossega enquanto eu não esclarecer este fato.

Tanto é assim que estou começando um doutorado e minha tese vai propor uma classificação e taxonomia destas redes. Sim, meu objetivo é dar nome aos bois. Enquanto isso, iniciarei (com a ajuda de muitos amigos) uma maratona de artigos para esclarecer este tema, já que muito se fala, pouco se entende e muito se distorce do que se passa (tanto por experts, quanto pelo que eu chamo de coro infinito de papagaios, repetindo frases prontas).

No início, todos eram punks. CypherPunks.

Antes de mais nada, a tecnologia, se é que se pode dar um novo nome fácil e apropriado, é uma grande caixa de ferramentas criptográficas. Nela estão pedaços de teoria dos jogos, redes de computadores e algoritmos, heurísticas de dados — tecnologias sobre as quais falaremos em mais detalhes nos próximos artigos. Quem fez muito uso dessa caixa foi um grupo de cientistas muito preocupados com os poderes do estado, especialmente após George Orwell publicar o livro 1984, que deu ao mundo a figura do “Grande Irmão” — sim, o Big Brother. Eles criaram um manifesto pela privacidade individual em 1983. Nele, foram traçados princípios seguidos até hoje do pensamento cyber libertário, anti-governos e anti-organizações. Noam Chomsky, pai do liberalismo, ficou orgulhoso do movimento! (Se você quiser saber um pouco mais, assista ao filme Capitão Fantástico, que é uma crítica ao modelo de vida americano e uma homenagem ao Chomsky, ainda que pouca gente entenda essa mensagem)

Com as ferramentas criptográficas sendo desenvolvidas por mais de décadas, finalmente, em 2008, criou-se o primeiro ato sócio-político real deste grupo: uma moeda criptográfica, 100% independentemente de qualquer tipo de organização, global e 100% à prova de destruição: o famoso Bitcoin!

Nossos problemas de nomes já começam por aqui. Bitcoin é um termo usado para se referir a quatro coisas diferentes:

  1. uma complexa parafernália tecnológica (software opensource)

  2. uma moeda, que pode ser trocada entre quem a possui

  3. uma imensa rede/ecossistema que ser formou para suportar este movimento (integrados ao projeto de software original, mas com vida própria) e

  4. em alguns casos, a tecnologia (criptomoedas)

Uma das ferramentas criptográficas utilizadas dentro do Bitcoin é o chain of blocks, um tipo de arquivo indelével e imutável. É o odômetro do Bitcoin. Mas o que importa sobre o Bitcoin é que ele é uma moeda sem governo e sem controle central, não que ele tem um chain of blocks. Inclusive, vale dizer que várias criptomoedas que vieram depois do Bitcoin não utilizaram essa ferramenta.

Como curiosidade, apenas em uma troca inocente de e-mails, o termo “blockchain” foi criado. Hal Finney, um dos gênios que, especula-se, foi uma das pessoas por trás do projeto do Bitcoin, escreveu a seguinte frase durante uma discussão sobre a otimização da criptomoeda:

“it is mentioned that if a broadcast transaction does not reach all nodes, it is OK, as it will get into the _block chain before long.”

O block chain ao qual ele se referia era uma utilidade, não uma tecnologia de propósito geral. Era uma parte do todo e não uma plataforma tecnológica como o mundo passou acreditar.

O problema é que, desse e-mail em diante, aos poucos o carro virou odômetro.

Motivações e princípios norteadores

Precisamos entender os motivadores e como tudo começou neste tsunami. É importante deixar bem claro que no início do projeto do Bitcoin, a intenção não foi criar uma tecnologia de propósitos amplos e de múltiplas aplicações. O que foi criado foi uma SOLUÇÃO EM SI MESMA, um “black box”, que era muito mais que tecnologia. Era um experimento social e um ato de guerra revolucionária. Uma nova forma de economia monetária, baseada em um novo tipo de ativo financeiro, que pela primeira vez teria características mistas de ativo (como ouro), moeda (especificamente para pagamentos) e título de valor mobiliário (investimento).

Inexplicavelmente, justo quando o experimento Bitcoin começava a criar um nível de engajamento global, criou-se uma espécie de hype sobre o assunto QUAL É A TECNOLOGIA POR TRÁS DE TUDO ISSO, que criou o uber hype BLOCKCHAIN. Esse movimento de colocar o holofote na tecnologia e tirá-lo do experimento, para mim, é como se quiséssemos MATAR A GALINHA DOS OVOS DE OURO PARA TIRAR OS OVOS LÁ DE DENTRO.

A parte mais sensível do corpo: o bolso.

O segundo grande problema depois das confusões taxonômicas é que, desde 2016, a palavra blockchain passou a ser relacionada com uma espécie de letreiro luminoso com os dizeres “fique rico rápido”, com as devidas consequências. Ao final de 2017, entre comparações com bolhas, tulipas, crashes de 29, esquemas de pirâmide e golpes via venda de projetos sem sentido (via ICOs), os movimentos de compra por FOMO (fear of missing out, ou medo de ficar de fora) fizeram o mercado dos criptoativos (moedas, tokens e afins) chegar a valer 850 bilhões de dólares. Em 1º de janeiro de 2017, ele valia 8 bilhões de dólares. O frenesi tomou proporções tão surreais que até os menos informados indivíduos da sociedade pensaram em comprar ou compraram as tais “moedinhas virtuais”. Até mesmo investidores experientes foram pegos no contrapé.

A revolta.

Inserido nesse mundo há alguns anos, meu alerta vermelho acende sempre que começo a ouvir distorções demais sobre o tema. Idiotizações do conceito. Ou, pior, quando ouço histórias de pessoas que foram levadas a investir (e perder) dinheiro em projetos fadados ao fracasso ou estruturados com má fé. Corro o risco de soar arrogante e de me tornar um profeta do “tudo o que está aí está errado”, mas cheguei num ponto onde conhecimento é obrigação e esta é a minha jornada para esclarecer melhor o mapa desta tempestade de mudanças que estamos atravessando.

Por que OS BLOCKCHAINS e não A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN ou O BLOCKCHAIN?

A primeira informação que você deve guardar é que não existe “O” blockchain. Existem “OS” blockchains. É importantíssimo você destruir esse conceito de “O” que, por falta de explicações melhores, acabou pegando.

O pedido que faço a você agora é: paciência. Não vou explicar agora o que são os blockchains. Antes de chegarmos ao conceito, precisamos de algumas explicações prévias, começando por dizer o que o blockchain NÃO É.

ALERTA: para entender desse assunto você vai precisar passar pelas preliminares. E as preliminares vão demorar.

A primeira coisa que o Blockchain NÃO É: uma tecnologia estabelecida. Por quê?

Uma tecnologia estabelecida é um padrão consensual de mercado para uma ferramenta que faz algo, mas suas características principais são padronizadas e iguais. Mais puristamente, estes padrões são tão claros e definidos, que a mesma tecnologia, mesmo desenvolvida por grupos, comunidades ou empresas diferentes, é a mesma. Um exemplo são os bancos de dados SQL, que tem muitas sutis diferenças entre si mas se comportam de maneira parecida e tem um alto grau de interoperabilidade. O padrão SQL, por exemplo, foi desenvolvido durante 10 anos pelos melhores cientistas de dados do mundo e o padrão é igualzinho seja na Microsoft, na Oracle ou na IBM.

Já no mundo do blockchain… O blockchain do Bitcoin é uma coisa, o do Ethereum é outra e eles não se falam entre si. E existem mais 800 plataformas tecnológicas que podemos chamar de blockchains, sem falar das plataformas especialistas (como Ripple e o modelo Corda, do R3), num total de aproximadamente 900 plataformas que não se conversam. Qualquer semelhança com fitas VHS e Betamax é mera coincidência.

Enquanto o blockchain não tiver um padrão e um não falar com o outro, não existe tecnologia estabelecida. Inclusive, existe um comitê da ISSO (do qual faço parte) que está tentando definir o que é um blockchain e até agora as discussões são a la Torre de Babel.

SERVIÇOS COMPLEXOS.

O mais importante dos tecnicismos a ser esclarecido é que, ao contrário da comparação óbvia (a internet), a tecnologia blockchain não é um protocolo, mas um serviço complexo.

Protocolos, para os engenheiros de sistemas, são serviços básicos e extremamente otimizados para um propósito.

Serviços são sistemas mais complexos, que se beneficiam de um (ou mais) protocolos e padrões para existir.

O blockchain deve ser entendido como o serviço de e-mail, ou a própria WEB (http). A imagem abaixo resume. Todo blockchain é um serviço, o protocolo é a própria internet, como já dizia William Mougyard no seguinte gráfico:

willian mougyard
Tecnologia como linguística cotidiana

Segundo o filósofo Ludwig Wittgenstein, na nossa linguística cotidiana, definimos coisas novas pela nossa maneira de usá-las. Quando as coisas são abstratas, criamos uma classe assim nos referimos a elas. Por exemplo, smartphones e redes sociais. Elas não precisam ter interoperabilidade. Poderíamos definir o blockchain dessa maneira. Porém, existe uma trava cognitiva para o nosso coletivo: toda a narrativa de mídia dos últimos três anos foi distorcida por alguns vieses. Aqui vão outras narrativas que distorcem nossa compreensão e reforçam o que o blockchain NÃO É:

O blockchain é embrionário, mas falamos dele como se fosse definitivo. “O blockchain vai resolver isto”, “O blockchain vai revolucionar aquilo”. A narrativa faz crer que o blockchain está pronto, só você que não usa. Mas não é bem assim;
Fala-se no singular da espécie, sem designar o exemplar. “O blockchain”, mas de qual estamos falando? Pior ainda, confundimos a tecnologia com o produto (criptomoeda). Falamos do bitcoin como moeda (correto) mas falamos das características de parte da tecnologia dela (o blockchain) como definição da outra espécie: imutável, criptográfico, auditável, etc;
Fala-se no afirmativo absoluto: o blockchain é. Já aprendemos neste texto que os blockchains SÃO.
Fala-se de maneira separatista. “Isso é blockchain, aquilo não é”. “Blockchains abertos são isso”, “blockchains permissionados são aquilo”. Times religiosos de futebol se formaram!
p.s. Tem um artigo do Guilherme Salomão, que cita uma outra taxonomia e mesmo não concordando com o uso que ele faz do termo DLT, é muito bom:

Blockchain não é sinônimo de descentralização (e distribuição)

Recentemente pudemos acompanhar a explosão da popularidade do bitcoin e outras criptomoedas, assim como também a…
medium.com
Courtnay Guimarães Jr, pai, esposo, empreendedor, cientista e facilitador de aprendizado.

34 anos de experiência no mercado de ITC, com passagens por Oracle, SAP, HP, Vivo, Cargill e outras. Projetos e resultados em clientes como Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Banco Central, Ambev, BTG Pactual e outras.

No momento, é Cientista Chefe, CTO e sócio fundador da Idea Partners, consultoria e participações, agindo como:

· Practices Head, nas linhas de:

o Principal consultor das práticas de transformação organizacional para perenidade (corporate venture building), focado em agilidade, governança, lean e arquitetura empresarial;

o Líder da prática de blockchain, analytics management, inteligência artificial e coisas na internet;

o Líder das verticais de serviços financeiros, banking e mercado de capitais.

· CTO/Founder da OR Hub, ChainTech para a área imobiliária;

· CSO/Founder da MultiLedger, empresa de BaaS focada em DLTS;

· Advisor da Rhizom, Chaintech de marketplaces brasileira;

· Advisor da GMT Token, empresa de mineração sediada na Estônia;

Economista, pôs graduado em marketing, especializações em banking, mercado de capitais e trading de alta frequência.

Professor de gestão de inovação e complexidade, apaixonado por inteligência artificial e cryptonetworks, já treinou mais de2.000 pessoas nestas redes, nos últimos 2 anos, no Brasil e no mundo. Palestrante e evangelista, está como pesquisador do tema na USP.

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