A Luz Cinérea | Desvendando o mistério do post anterior

in #astronomy6 years ago (edited)

Lua_exposicoes_campara[1].jpg
Lua Crescente: registro com exposição mais curta (à esquerda) e mais longa (à direita)



No post anterior levantei uma curiosa questão astronômica: porque na Lua Crescente conseguimos ver — e especialmente fotografar — regiões além da “casquinha” diretamente iluminada pelo Sol?

Como prova de que isso é verdade, usei as imagens publicadas no próprio post. Se você ainda não as viu, dá uma conferida aqui. Em algumas delas podemos ver um tênue registro fotográfico do relevo lunar além da “casquinha” típica da Lua Crescente.

Para melhor ilustrar a ideia, fiz a montagem acima usando duas imagens da Lua Crescente feitas com a diferença de alguns segundos mas regulando a câmera para diferentes tempos de exposição. No registro da esquerda a exposição foi curta, capturando menos luz. Na imagem da direita o tempo de exposição foi maior, o que permitiu a captura de uma maior quantidade de luz.

A ilustração a seguir, feita sobre a montagem lá de cima, nos ajuda a entender melhor a aparente impossibilidade da Lua estar iluminada em todo o seu disco uma vez que recebe os raios de Sol pela parte inferior.

Lua_exposicoes_campara_legendada.jpg
Os raios solares só atingem a Lua Crescente de forma direta na parte de baixo

Deu para entender que só na parte de baixo da Lua Crescente, onde se forma a “casquinha”, chega luz solar direta? Noutras regiões do nosso satélite não “bate” luz solar direta e, portanto, o esperado seria escuridão total. Mas não é o que observamos.

Para entender o curioso fenômeno, antes precisamos refletir sobre o que é o luar.

O que é o luar?

Superlua_31jan2018_05a[1].jpg
O nascer da Lua Cheia visto da Terra a partir de São João da Boa Vista, interior de São Paulo, Brasil. Note o intenso luar "desenhando" o perfil da serra.

Numa noite com lua, melhor ainda se for Lua Cheia, você pode notar a presença do luar, especialmente se estiver afastado dos grandes centros urbanos. Na foto acima que eu mesmo fiz da Lua Cheia nascendo por trás da serra fica bem evidente o luar "turbinado" que até compete com as luzes do meu bairro.

Imagine que você está num ponto da região marcada na figura abaixo com a letra N (de noite), região da superfície terrestre onde não chega luz direta vinda do Sol. Ao contrário, a região marcada com a letra D (de dia) é banhada diretamente pela luz solar.

Mesmo estando na região escura, à noite, você recebe aqui na Terra luz a solar indireta, ou seja, aquela que é refletida pela Lua e enviada para a Terra. Essa luz refletida de forma difusa¹ e que não é tão intensa quanto a luz direta do Sol é o que chamamos de luar.

Explica_Luar.jpg
Esquema explicativo do caminho da luz do luar. Figura propositalmente fora de escala

O luar, portanto, nada mais é que a luz solar indireta, refletida pela Lua, e que clareia de forma sutil as regiões noturnas da Terra.

O que é a Luz Cinérea?

Terra_nascendo_na_lua_LRO.jpg
O nascer da “Terra Cheia” visto da Lua pela sonda LRO - Lunar Reconnaissance Orbiter.
(Fonte LRO/NASA/Goddard/Arizona State University

Imagine-se agora na Lua. Suponha que você esteja numa região do nosso satélite onde é noite (marcada com N na figura abaixo). Nesta região não está chegando luz solar direta. Mas você olha para o céu e pode ver a face iluminada do globo terrestre, como na belíssima foto acima feita pela sonda LRO da NASA.

A Terra também tem a capacidade de refletir a luz solar que pode atingir a Lua e iluminar as regiões noturnas do nosso satélite. É o equivalente ao luar. Mas, em vez da Lua refletindo a luz solar para a Terra, agora é a Terra quem rebate a luz solar para a Lua.

Explica_Luz-Cinerea.jpg
Esquema explicativo do caminho da Luz Cinérea. Propositalmente fora de escala

Essa luz refletida pela Terra e que ilumina regiões escuras da Lua é chamada de Luz Cinérea². Se você estivesse numa região noturna da Lua e recebesse a Lua Cinérea, teria uma sensação parecida com a luz difusa do luar daqui da Terra.

É por conta da Luz Cinérea que ilumina as regiões noturnas da Lua que podemos ver e até fotografar o relevo lunar que, em princípio, deveria estar invisível na escuridão mas acaba ficando iluminado por uma luz tênue e difusa vinda da superfície da Terra.

Deu para entender?

Incrível, não?! O Universo está repleto de detalhes que gosto de chamar de "caprichos cósmicos"! Mais incrível ainda é o fato de que a primeira explicação convincente para a Luz Cinérea foi dada em 1510 pelo genial Leonardo da Vinci (1452-1519)!

As melhores épocas para observarmos a Luz Cinérea estão no intervalo de até três dias antes e até três dias depois da Lua Nova, época em que a Lua Crescente ou Minguante apresenta apenas uma “casquinha” brilhante iluminada pelo Sol.

Sempre que tiver oportunidade, observe a Luz Cinérea. É bem divertido e instigante. E não deixe de passar esta informação adiante. Em vez de fake news pseudo científicos, manda ver nas boas informações assinadas pela Ciência da melhor qualidade!


Abraço astronômico do prof. Dulcidio. E Física na veia!


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¹ Todo astro que reflete luz de forma difusa tem um albedo ou coeficiente de reflexão. Há várias maneiras de definirmos o albedo. A mais simples diz que o albedo é medido pela razão entre a intensidade da radiação refletida pela superfície do astro e a intensidade da radiação nela incidente. O albedo lunar médio mede 0,1054. Isso equivale a dizer que a Lua reflete em média 10,54% da luz que recebe do Sol. Já a Terra apresenta albedo médio de 0,37, ou seja, reflete em média 37% da luz solar que recebe. Mas a superfície da Terra é bem mais complexa que a da Lua, apresentando superfícies com diferentes poderes de reflexão, desde os mais baixos até os mais altos . Em regiões com neve, por exemplo, o albedo médio pode chegar a 0,80. Noutras regiões terrestres cobertas por solo mais escuro o albedo tem valor em torno de 0,10.

² Por conta do albedo diferencial para diferentes pontos da superfície da Terra, a Luz Cinérea pode variar de intensidade. Assim, quando a Lua passa sobre uma região desértica da Terra, coberta por areia clara, como o albedo aí é maior, a Luz Cinérea fica mais intensa. Se passar por áreas de solo comum, onde a luz é menos refletida, receberá Luz Cinérea menos intensa.

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Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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Muito interessante. Não sabia disso e também nunca tinha parado para pensar na luz refletida pela terra chegando à lua. Isto trás uma nova perspectiva e o texto com as imagens e explicações ficou realmente muito didático e excelente. Vou começar a acompanhar mais de perto pois nosso universo é realmente fabuloso. Um grande abraço.

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Obrigado pela leitura e comentário @pedrocanella!
Você está na Austrália, se não me engano. Ouvi dizer que astrônomos europeus suspeitaram da existência da Oceania observando a Lua Cinérea. Quando a Lua estava sobre o oceano e depois passava sobre o continente, mudava de brilho na região não iluminada pelo Sol diretamente. Essa mudança de intensidade na Luz Cinérea apontava para uma mudança do albedo, indicando que além de muita água (oceano) havia por ali uma grande quantidade de terra firme.
Já pesquisei sobre isso mas não encontrei nenhum trabalho confiável sobre o tema. Mas, como já ouvi essa história de várias fontes, acredito que possa ser verdade, até porque séculos atrás nosso planeta não tinha poluição luminosa por conta dos humanos e observar a Lua e sutilezas na mudança da Luz Cinérea deveria ser bem mais fácil.
Aguardo-o outras vezes por aqui!
Abraço. E Física na veia!

Muito legal. Obrigado pelo comentário tão interessante. Eu moro no Brasil. Mas durante um bom tempo morei em uma região afastada quase sem poluição de luz elétrica a noite e nesta época eu era entusiasta da astronomia e astrofísica. Lia muito sobre o assunto e gostava de observar o céu a noite com uma pequena luneta. Tamo junto. Abraço.

Como sempre matando minhas maiores curiosidades sobre a Lua e me deixando ainda mais apaixonado por ela.
Consegui fazer esse mesmo registro das duas exposições da Lua esse final de semana, me faltou o tripé ok, mas consegui uma imagem até que legal... vou ver se posto essas imagens tb.

Mais uma vez, Obrigado pelos ensinamentos Professor! \0/

Show @alexandrecseco! Posta sim! É legal que outras pessoas se animam pra repetir o "experimento".
Há tripés bem baratos hoje em dia. O meu, que não é nada profissional, comprei faz tempo. E lembro-me que não foi caro. Tem até um case de lona pra transporte. Quebra um galhão! É frágil, é bom que se diga. Mas tendo cuidado, dura muito. Emprestei prum amigo e veio "bugado". Muy amigo! :)
Vale pelo custo/benefício.
Nesta semana vou focar meus textos na Lua. No sábado completamos 49 anos da Apollo 11 e da conquista da Lua.
Abraço. E Física na veia!

Eu tenho um tripé desses tb, quebra todos os galhos pra mim, eu que acabei esquecendo de levar na viagem mesmo, e ainda por cima no domingo iria fazer umas fotos na Praia, acabei esquecendo a câmera na casa e não fui buscar de novo!
Mas antes de subir a serra consegui fazer esse registro! :)
Vou postar ela sim, devo fazer hoje a noite ou amanhã.

Abraços!

Legal! Avisa quando o post estiver no ar!

Pode deixar que aviso sim Professor! :)

Muito bom o conteúdo! Engraçado é que ontem a Lua estava na crescente e geralmente eu mostro para a minha esposa e digo que ela "está sorrindo para você" hahaha...


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Obrigado @coyotelation!
O irresistível sorriso da Lua! :)
Tenho algumas fotos de uma conjunção de Vênus, Júpiter e Lua Crescente que formou um emoticon celeste. Mas, no caso, era uma carinha triste, assim..... :-( (Confira texto & /fotos do Física na Veia! UOL Ciência (ainda na plataforma antiga). Preciso procurar por estas fotos e postar aqui no Steemit em alta resolução. No blog, nesta época (2008) as imagens tinham que ser pequenas por conta da estreita banda de internet que tínhamos.
Abraço. E Física na veia!

Mais um excelente post. Em especial sobre a explicação do que é o luar, e a foto do nosso planeta tirada na lua! Lindíssima!


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Obrigado @guifaquetti!
Já que você vive agradando os nossos ouvidos, publiquei uma imagem (de tirar o fôlego, não?!) para ser 'colírio' pros olhos da galera que vem aqui me visitar! :)
O "Luar" me inspirou pra criar a tag #conteumacancao, já inaugurada noutro post a seguir.
Estou em clima lunático na semana que completamos 49 anos da conquista da Lua!
Abraço. E Física e Música (boa) na veia!

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