CRÍTICA | VisionsteemCreated with Sketch.

in #art5 years ago (edited)

Positivo e negativo. Basicamente todas as histórias e estórias da humanidade terminam em algum desses valores. Até mesmo a ironia, que é atingida pela combinação dessas cargas, tende a valorizar uma delas – e só assim que ela funciona pois caso fossem igualmente equilibradas, se anulariam. Isso é demonstrado constantemente, desde a mais antiga literatura até as notícias diárias, através de alusões como o bem contra o mal, a luz contra a escuridão, otimismo contra pessimismo, etc. Ainda que haja perspectivas inerentes, cada um deles carrega a própria carga. Mas isso não significa que ‘negativo’ seja algo ruim. Ele é apenas um valor. No final das contas, a nossa visão sobre o mundo alterna entre um desses valores, significando o pessimismo apenas como uma perspectiva. Tive que dizer tudo isso para justificar por que Vison não mexeu comigo. E até me entediou um pouco.

Vision possui um tema que muito me atrai: autoconhecimento. Naomi Kawase (roteiro e direção) narra a jornada de Jeanne (Juliette Binoche, sempre magnífica), uma jornalista que viaja para uma floresta no Japão em busca da flor Vision que desabrocha a cada 997 anos. Quase desconhecida, a flor é capaz de eliminar o cansaço, a dor e o sofrimento.

Como elaborar visualmente uma jornada de autoconhecimento em busca de uma flor mística que cura mazelas? Ao poucos. Primeiro, a fotografia de Arata Dodo flutua ao redor de personagens-chave, sempre próxima o suficiente para capturar suas essências, conflitos e desejos, o que destaca o trabalho cênico geral. Masatoshi Nagase, que interpreta Satoshi, por exemplo, realiza ótimo trabalho ao criar um interessante e necessário contraponto de equilíbrio à Jeanne. O conflito de Satoshi não é de rancor com o passado, mas uma resiliência plácida. Nagase retrata isso com naturalidade. Igualmente interessante é Aki (Mari Natsuki), num papel com um grau de redundância, que cria mística lírica sem cair no caricato, ainda que flerte com essa possibilidade. Mas a câmera de Kawase também se aproxima, ainda mais, de outro personagem: a floresta.  Carregado de lens-flares¹ – que dão uma áurea fantástica ao ambiente – e com closes de diferentes distâncias, a direção constrói clima envolvente. Do mais próximo e íntimo close numa gota de orvalho, à distante magnitude da floresta, Kawase cria uma simbiose de personagem e ambiente. Mas a vida da floresta é oriunda do departamento de som de cujos detalhes são de tamanha naturalidade que podem facilmente serem ignorados. Mas nem por isso são menos envolventes e importantes para dar pulso à mata densa e úmida.


O otimismo que preenche Vision se reflete até mesmo no constante olhar para cima de Jeanne (Binoche)

Apesar da construção orgânica da obra, os diálogos agridoces criam momentos onde a naturalidade perde espaço para a artificialidade romântica de exageros. O problema não são tanto as frases de efeito sobre o amor e a vida, mas a repetição delas ou de outros recursos. Há ênfase no “carregado” que uso para descrever os lens-flares. Tal como há exagero em algumas reafirmações constantes feitas por Kawase, como os planos aéreos, planos-detalhes de plantas, até mesmo nas alegorias sobre a visão, que batiza a planta, que constrói a personagem cega (mas que vê), ou a busca de Jeanne que é, no subtexto, por mais visão sobre a vida. A quantidade de cortes dentro de uma obra introspectiva e cadenciada se destaca com facilidade e por vezes a direção chama demais atenção para si. Houve um conflito entre o desejo e a execução que resultou em instabilidade.

Ainda assim, Vision busca e consegue estabelecer uma relação orgânica entre o homem e a natureza. Mas não é a natureza apenas quanto flora, embora ela tenha valor fundamental, e sim a natureza completa de vida, algo que vai além da existência e além do tempo. Passado, presente e futuro como o mesmo todo. Para isso, a montagem de François Gédigier e Yôichi Shibuyase se desloca livremente pelo tempo e perspectivas, criando um tempo fluente e único. Há, como é de se imaginar, uma necessidade de atenção extra aí, por parte do espectador, já que além da mudança na fotografia, não há muitas outras distinções acerca do período.

Já determinado o tom lírico e positivista do filme, a conclusão de Vison é lógica dentro da obra, e possui uma poesia catártica confortante. O contraste de cores, equilibradas dentro da paleta límpida e otimista, ganha valor narrativo e condensa visualmente o equilíbrio emocional que o filme busca.

Mas agora chego à grande questão: apesar de algumas instabilidades, por que saí insatisfeito com em>Vision?

Meu problema não foi com o final ou com a obra como um todo, mas com minha discordância subjetiva. Atualmente (principalmente por isso, aliás) olhares otimistas (positivo) não me convencem. A queimada (as vicissitudes da vida) é uma catarse essencialmente positiva, na opinião da diretora, para um momento de renovação, de adaptação, de reação. É a base da da evolução plena. E foi aí que a divergência me rompeu com o filme. Nos dias de hoje, não consigo acreditar que toda “queimada” é necessária e resulta em algo melhor, ainda que entenda sua inevitabilidade. Foi, portanto, uma discordância pessoal. Mas enquanto experiência cinematográfica, Vision foi eloquente e poético – um pouquinho demais? – nos seus argumentos. Há emoção genuína na obra, e reconheço apenas agora. Só não foi o tipo de emoção que me conquista.

PS: Levando em consideração que Vision é do ano passado, sua estreia durante os incêndios criminosos na Amazônia, tão instigados pelo governo de Bolsonaro, é de um sarcasmo bem sacana.


¹ Lens-flare: é uma aberração óptica causada pela dispersão da luz que entra na lente através das suas extremidades. Esse defeito causa certas manchas de luz em formas circulares ou hexagonais. Isto provoca uma diminuição de contraste da imagem final e, geralmente, o assunto está na sombra, o que torna difícil de focar. (Fonte: Wikipedia)




Data de estreia: 12 de setembro de 2019
Gênero: Drama
Duração: 1h49
Classificação: 14 anos
País: Japão, França
Direção: Naomi Kawase
Roteiro: Naomi Kawase
Edição: Eduardo Serrano
Trilha Sonora: Makoto Ozone
Fotografia: Arata Dodo
Elenco: Juliette Binoche, Masatoshi Nagase, Takanori Iwata, Minami, Mari Natsuki



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Muito boa review.

Já está na minha lista para assistir. Binoche é sensacional!

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