[BLOG] A ética das motivações

in #pt5 years ago

A ética das motivações


Eu estava bem tranquilo um dia desses, assistindo Flash na Netflix, quando minha mãe apareceu. Parei no meio do episódio e depois de um tempo falando com ela, ela resolveu assistir algo comigo. Procuramos uma série nova para começar e achamos uma chamada The Good Place. Cada episódio tem cerca de 20 minutos, a história é sobre uma moça que morre e vai para um lugar bom no pós-vida, mas por engano, e lá acontecem várias confusões com as quais ela tem que lidar.

Por si só a série é ótima, uma comédia leve, muito bem elaborada em todos os aspectos e prende muito a sua atenção. Mas a obra tem um elemento a mais, que são as discussões éticas e morais inseridas na história. Como a protagonista foi enviada ao lugar bom por engano, ela precisa merecer estar lá, e passa a estudar ética com outro personagem, que a ensina a ser uma pessoa boa.

Uma grande discussão que decorre da série é o que significa ser uma pessoa boa e o que é fazer a coisa certa. Num primeiro momento, podemos pensar que é simples, bastando fazer o bem ou, pelo menos, não fazer o mal. Mas se pararmos para pensar, ao analisar uma determinada ação não só pela ação em si, mas pelos aspectos éticos, morais e pessoais que o cercam, o assunto fica um tanto (muito) mais complicado.

O que é fazer o bem? Se considerarmos que cada ação tem uma finalidade, então fazer o bem significa que nosso agir correto depende da finalidade das nossas ações, que deve, portanto, ser boa, contribuindo, pode-se dizer, para melhorar o mundo que te cerca.

Tranquilo, então a finalidade é tudo? Não, pois pense comigo, e se sua ação, por mais que a finalidade seja boa, prejudicar alguém? Então podemos dizer que não é a finalidade que importa, mas fazer o certo é fazer aquilo que maximiza o bem estar, não prejudicando, mas ajudando outros a atingirem o bem-estar e a felicidade.

Mas isso também tem um grande problema, pois se o agir certo pode se resumir a maximizar a felicidade, então ética é pura matemática e basta fazer um cálculo comparando os resultado de possíveis ações para saber se aquilo que quer fazer é correto ou não. E venhamos e convenhamos, se tentarmos, a todo momento, calcular nossas ações, por mais que façamos o bem a outros, estaremos prejudicando as nós mesmos, impedindo nossa própria felicidade em benefício apenas alheio.

Então usaremos a razão para decidir o que é fazer o bem. Se eu não posso analisar caso a caso para maximizar sempre a felicidade, e considerar apenas a finalidade também não resolve tudo, então poderíamos racionalizar que existem ações específicas e condutas específicas que podemos considerar sempre certas, e a escolha é fácil, bastaria seguir estas “leis” que eu estaria sendo uma boa pessoa. Mas isso é impossível, e o que a moral kantiana vem nos ensinar, e chamamos isto de ética normativa, é, dentre outros, o mais famoso pensamento do pensador Kant, em relação à ética, que se chama Imperativo Categórico.

No post intitulado “Liberdade Negativamente Positiva”, é mencionada esta ideia da moral kantiana, segue o trecho: “Porque na moral kantiana você trata a outra pessoa como um fim nela mesma, você a respeita porque o respeito é uma ação moral universalmente válida, tanto do seu ponto de vista como de qualquer outra pessoa. Age de modo que suas ações possam ser tomadas como princípios morais válidos para todos.”

Isso significa que a moral de Kant trata-se de pensar na finalidade de sua ação como sendo a universalização do princípio que o leva a agir de tal forma, não é a ação em si que será universalizada, mas o princípio que te leva a agir de tal forma. Eu não vou mentir, mas não porque dizer a verdade é uma lei universal, mas sim o princípio “mentir é errado”.

O grande problema desse pensamento é que aplica-lo no dia a dia é inviável, pois se analisarmos as interações humanas perceberemos que fazer o bem é complexo, e nem sempre poderemos aplicar um único princípio e agir de determinada forma em todas as situações da vida.

Quer dizer então que não existe forma de saber se estou fazendo o correto? Existe uma corrente de pensamento que dirá que ser uma boa pessoa se trata da motivação. Quando você decide realizar uma determinada ação, pergunte a si o que te leva a fazer isso, não se trata da finalidade apenas, mas daquilo que esta dentro de você, da razão que te leva a agir.

Pensando nisso, vamos imaginar a seguinte situação: Você fará uma doação para a caridade. Porque fará isso? Qual sua motivação? Para esta corrente de pensamento, de nada adiantará você doar se sua motivação é a obtenção de reconhecimento social, mas adiantará se sua motivação for o puro desejo de fazer o bem, e só assim você estará fazendo o correto pelos motivos certos e será, por fim, uma boa pessoa.

Mas e se sua motivação for boa, mas a ação prejudicar alguém? Pois então, você pode pensar nesse assunto por uma vida toda e não obter todas as respostas. Toda a linha de pensamento terá suas brechas e assim sendo surgirão novas linhas de pensamento com novas propostas, que provavelmente também terão brechas. Não existe uma respostas definitiva para a pergunta do que é ser uma boa pessoa, mas o que ninguém pode negar é que existem de fato algumas coisinhas que todos devemos fazer, como respeitar o mundo e as pessoas a nossa volta, contribuir para o desenvolvimento humano, cuidar do meio ambiente, e termos a consciência de que devemos fazer isso porque  tais ações e princípios fazem do mundo um lugar melhor e mais feliz, e esse é o objetivo de todos nós, sermos felizes, sempre buscando, a cada passo, uma justificativa suficiente para nossa contínua procura de um lugar nesse vasto cosmos de ideias e possibilidades.


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Boa, @thomasmmaker! Também assisti The Good Place e me diverti bastante com os dilemas éticos apresentados. Muito bom unir entretenimento e filosofia, obrigado por compartilhar ;)

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Acredito que muitas das obras audiovisuais que vemos tenham elementos de fundo filosófico ou sociológico, e quando percebemos isso, passa a ser muito mais interessante assistí-las! :D

Belo post, gostei da reflexão e do perfil pedagógico. Obrigada por nos incentivar a aprender e compartilhar a sua perspectiva

ptgram

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Eu que agradeço a leitura, o comentário e o incentivo! Lembrando sempre que meus posts nunca são para ensinar nada, são apenas propostas de reflexões e questionamentos! :D

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