Os "Existencialistas" : Parte 3 - Simone de Beauvoir - O Castor

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A Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo
Os "Existencialistas" : Parte 3 - Simone de Beauvoir - O Castor

"Homem e mulher não são opostos, são apenas um ser único" - charlie777pt

1. Introdução


“Não se nasce, mas se torna uma mulher.” - Simone de Beauvoir

Todo indivíduo, mulher ou homem, deve ser igual e ter as mesmas oportunidades, independentemente de seu nascimento, género e sexualidade.
Vivemos numa sociedade violenta, originada pela imagem e cultura do homem, onde o sexo com uma mulher pode ser confundido com agressão, dominação e escravidão aos desejos masculinos impostos.
A sociedade deve fazer os homens e mulheres iguais, aceitando que a sexualidade não determina os papéis sociais, as vocações e ações para a humanidade, com base em direitos comuns de qualquer ser humano sem o rótulo do género.
As mulheres ainda vivem condenadas a não serem livres nesta sociedade androcêntrica, que modela a feminilidade com padrões de depreciação e desvalorização, o que a obriga a ter uma força muito maior do que os homens, na luta pela liberdade.
As mulheres são forçadas a ser um "outro-para-outro", de uma maneira que reforça o poder e o domínio do homem, que também estende a sua influência e perseguição ás diferenças na sexualidade ou na raça.
As mulheres têm que lutar pela sua posse criativa, para superar as restrições sociais de um mundo dominado pelos homens, onde os papéis de género são moralmente definidos pela lei do homem, assim como a cultura, a moda e a expressão sexual.

"Mude sua vida hoje. Não jogue no futuro. Aja agora, sem demora". - Simone de Beauvoir

Tive muita sorte de acompanhar Simone de Beauvoir e uma amiga por dois dias, e fiquei impressionado com a força de seu caráter e a emanação de um poder nascido nas pessoas que têm vidas difíceis lutando contra a realidade e resistindo ao controle social e moral.
Lembro-me do meu estranho autocondicionamento antes de conhecê-la, de nunca mencionar Sartre, que sempre sonhei conhecer.

2 - Simone de Beauvoir (1908-1986)


Simone de Beauvoir nasceu em Paris em 1908, e é inicialmente influenciada por Heidegger e Husserl, e ela via a consciência como um projeto para a vida no jogo da ansiedade e do deleite, para tomar as rédeas do nosso destino na Existência.
Ela foi uma estudante brilhante e termina sua tese sobre von Leibniz em 1925, aos 21 anos de idade na Sorbonne, ganhando o segundo prémio em filosofia, enquanto Sartre teve o primeiro (foi por ser um homem ou por suas capacidades?), e como eles estiveram juntos para estudar para este evento, cresceu entre eles uma grande amizade e ficaram enredados numa paixão para toda a sua vida.
É neste período que Sartre dá a De Beauvoir um apelido - o Castor - que eles usarão para toda a vida.
No seu livro Ethics of Ambiguity (Ética da Ambiguidade, 1947), ela demonstra que estamos condenados a viver ambiguidade em relação à liberdade para nós e para os outros.

"Pensamos que não somos a donas do nosso destino, que não ajudamos a fazer a história, resignamo-nos e submetemo-nos a ela" - Simone de Beauvoir

The Second Sex (o Segundo Sexo/1949) mostra como os homens fizeram esta sociedade que subestima as mulheres e que elas eram as principais responsáveis pela passividade de aceitar uma sociedade masculina estruturada pela moralidade, criando as condições para o surgimento da segunda onda do movimento feminista. A primeira onda foi centrada no voto das mulheres e nos direitos de propriedade.
A feminilidade não está nos genes ou no género, mas é plantada na sociedade, na moralidade e na cultura, que são feitas pelo homem dominante, que subjuga as mulheres a aceitar os estereótipos dos padrões de passividade e beleza de uma sociedade patriarcal, diminuindo a sua autodeterminação e a afirmação das suas capacidades, ações e raciocínio intelectual.
As mulheres livres devem recusar a submissão de se comportar como o homem quer, e questionar esses tabus para igualar os seus direitos de participar na construção da sociedade, sem uma autoridade baseada no género.
Simone viu que as mulheres têm uma tendência à servidão voluntária inculcada pela moralidade, que as torna passivas em relação ao poder do Estado, à sociedade, cultura e educação masculinas, como uma mancha negra que marca a existência das mulheres.

“O homem é definido como um ser humano e uma mulher como mulher - sempre que se comporta como um ser humano, diz-se que ela imita o homem.” - Simone de Beauvoir

Ela acreditava na auto-emancipação e na auto-determinação para obter justiça social, e que os papéis formadores do género estavam ligados à moralidade e à autoridade do Estado, e não à biologia.
Ela não acreditava em "boas ações" porque elas estão ligadas a uma moralidade externa que as identifica, e que não havia um modelo universal ou natural para explicá-las .
A moralidade deve ser encontrada na relação de nossa liberdade com a dos outros.
Como Sartre, De Beauvoir estava comprometida com os tempos, na escrita, no ativismo social e na filosofia, que era um todo que orientava a sua vida, como uma mulher corajosa que perdeu o medo e a cegueira impostos pelo mundo criado pelo homem.
Eles tinham um relacionamento intensamente íntimo e aberto, inclusive lendo e criticando os escritos um do outro, discutindo suas idéias quase todos os dias, assim como o total compartilhamento de seus casos de amor e envolvimento com outros amantes em ambos os lados.

3 - Mulheres vs Androcentrismo


"Uma pessoa não nasce, mas torna-se uma mulher. Nenhum destino biológico, psicológico ou económico determina a figura que a fêmea humana apresenta na sociedade: é a civilização como um todo que produz essa criatura" - Simone de Beauvoir

De Beauvoir fala do processo de invisibilização do género feminino, como um mecanismo social que cria uma barreira de opacidade em oposição, em relação a qualquer ação ou pensamento da mulher, em que o poder masculino é exercido e impõe o seu peso, contra todos os tipos resistência.
Usando o conceito de Heidegger sobre a relação entre a Consciência e as estruturas da Realidade, Beauvoir revela a intermediação do homem cuja interferência reduz sua afirmação e condiciona a capacidade da mulher de desfrutar de uma experiência satisfatória e preenchedora na sua vida.

A estatuto de ser Mulher é condicionado pelos Homens que se interpõem entre o género feminino e a relação da sua consciência com a realidade, preenchida por uma sociedade e um cultura androcêntrica, que é sempre favorecida pelo poder de Estado machista, desvalorizando todas as as ideias e a praxis social feminina, condicionando a sua liberdade de escolha.
O conceito morais e sociais sobre os modos de comportamento feminino na visão dominante masculina, corresponde á passividade, ao recalcamento do direito de lutar pelo poder, bem como pela desvalorização das produções e das visões da experiência da realidade como mulheres.

“Toda opressão cria um estado de guerra. E isso não é exceção. ”- Simone de Beauvoir em The Second Sex

O Androcentrismo refere-se a uma praxis coletiva, que sendo consciente ou não, tende a favorecer o ponto de vista dos homens e que aparece imbuída numa perceção coletiva centrada numa "moralidade" masculina da visão de mundo, na vida social e na cultura e que escreveu a toda a História.
De Beauvoir vem invocar um ponto de vista em oposição, que se insurga contra o atual estado androcêntrico da sociedade, que leva á coisificação da mulher, nesta realidade com espelhos que apenas refletem o modo de pensar dos homens como válido, e que anula o conceito de valor das obras no feminino.
Simone De Beauvoir traz um nova visão ontológica para a libertação do jugo a que as mulheres estão sujeitas, e que devem lutar contra estas barreiras para alcançar o seu reconhecimento e superar esta condição da Existência
A sua capacidade de disfrutar duma Essência que se afirme no mundo, passa pela consciencialização de que existem os homens e uma cultura, que subjugam todo o livre arbritrio e ações das mulheres.

"O ponto, não é para as mulheres simplesmente tirarem o poder das mãos dos homens, já que isso não mudaria nada sobre o mundo. É uma questão precisamente de destruir essa noção de poder." - Simone de Beauvoir

A afirmação do Ser feminino na sua Existência, passa por uma primeira barreira nas relações com o mundo, o poder dos homens secundado pela (sua) cultura, pela Educação, e pela ideologia do Estado.
As mulheres ainda vivem condenadas a não ser livres nesta sociedade androcêntrica, que modela a feminilidade com padrões de depreciação e desvalorização, o que obriga a ter uma um força muito maior do que os homens na luta pela liberdade.
Simone de Beauvoir criou uma consciência para uma nova visão feminina de resistir e combater os estereótipos masculinos e da sociedade sobre a feminilidade, que é socialmente construída, porque a humanidade só será livre quando os últimos escravos - mulheres e crianças - forem libertados e equalizados aos olhos da justiça e da moral, e quando o rei homem estiver morto.

Fonte da imagem: Wikipedia

“A vida de alguém tem valor desde que se atribua valor à vida dos outros.” - Simone de Beauvoir

Filme interessante legendado em Português:

Os amantes do Café Flore - Beauvoir e Sartre

Video Longo legendado em Inglês :
Simone de Beauvoir: 1975 Interview

Video Curto :
Feminine Beauty: A social construct?

A Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo.
Artigos publicados:

I - Anarquismo
II - Existencialismo
Próximos posts da Série:
II - Existencialismo(Cont.)
  • Os "Existencialistas" (Cont.)
    • Parte 4 - Albert Camus - O Absurdista
    • Parte 5 - Merleau-Ponty - O Humanista do Existencialismo
  • Humanismo e Existencialismo
    • Parte 1 - Psicólogos humanistas
    • Parte 2 - O Medo da Liberdade de Erich Fromm
  • Existencialismo e Anarquismo
  • O Futuro: Pós-Humanismo, Transumanismo e Inumanismo
III - Descentralismo
  • O que é o Descentralismo?
  • A Filosofia do Descentralismo
  • Blockchain e Descentralização
  • Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo
IV - A Dialética da Auto-Libertação
  • O Congresso da Dialética da Libertação
  • Psicadelismo e movimentos Libertários e Artísticos
  • O Budismo Zen de Alan Watts
  • Psicanálise e existencialismo
  • O movimento antipsiquiátrico
  • Anarquismo, Existencialismo, Descentralismo e Auto-Libertação
V - Conclusões e Epílogo
Referências:
- charlie777pt on Steemit:
A Realidade Social : Violência, Poder e Mudança
Índice do Capítulo 1 - Anarquismo - desta série - Parte 1 desta Série


Livros:
Oizerman, Teodor.O Existencialismo e a Sociedade. Em: Oizerman, Teodor; Sève, Lucien; Gedoe, Andreas, Problemas Filosóficos.2a edição, Lisboa, Prelo, 1974.
Sarah Bakewell, At the Existentialist Café: Freedom, Being, and Apricot Cocktails with with Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty, and Others
Levy, Bernard-Henry , O Século de Sartre,Quetzal Editores (2000)
Jacob Golomb, In Search of Authenticity - Existentialism From Kierkegaard to Camus (1995)
Herbert Marcuse, One-Dimensional Man: Studies in the Ideology of Advanced Industrial Society
Louis Sass, Madness and Modernism, Insanity in the light of modern art, literature, and thought (revised edition)
Hubert L. Dreyfus and Mark A. Wrathall, A Companion to Phenomenology and Existentialism (2006)
Charles Eisenstein, Ascent of Humanity
Walter Kaufmann, Existentialism from Dostoevsky to Sartre (1956)
Herbert Read, Existentialism, Marxism and Anarchism (1949 )
Martin Heidegger, Letter on "Humanism" (1947)
Friedrich Nietzsche, The Will to Power (1968)
Jean-Paul Sartre, Existentialism And Human Emotions
Jean-Paul Sartre, O Existencialismo é um Humanismo
Maurice Merleau-Ponty, Sense and Non-Sense
Michel Foucault, Power Knowledge Selected Interviews and Other Writings 1972-1977
Erich Fromm, Escape From Freedom. New York: Henry Holt, (1941)
Erich Fromm, Man for Himself. 1986
Gabriel Marcel, Being and Having: an existentialist diary
Maurice Merleau-Ponty, The Visible and The Invisible
Paul Ricoeur, Hermeneutics and the Human Sciences. Essays on Language, Action and Interpretation
Brigite Cardoso e cunha, Psicanálise e estruturalismo (1979)
Paul Watzlawick, How Real is Reality?
G. Deleuze and F. Guattari,
Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia
Robert C. Solomon, Existentialism
H.J.Blackham, Six existentialist thinkers
Étienne de La Boétie, Discourse on Voluntary Servitude, or the Against-One (1576)

Originally posted on Filosofia da Libertação - Philosophy of Liberation. Steem blog powered by ENGRAVE.

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