O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e os serviços estatais

in #pt5 years ago (edited)

Há uns anos escrevi para o extinto portal Liberzone, um texto onde eu explicava um pouco do funcionamento do SUAS e deixava minhas impressões sobre o mesmo. Procurei essa publicação na internet porém não encontrei. Hoje minha visão é um pouco menos radical do que na época, mas também melhor fundamentada.

O SUAS é o primo mais novo do SUS (Sistema Único de Saúde), porém em vez do atendimento à saúde, é o acompanhamento psicossocial que é oferecido à população. Não vou entrar no mérito da questão da solidariedade via estatismo ou voluntarismo, porque essa é uma discussão muito profunda, onde cada lado tem argumentos igualmente pertinentes. Vou pelo lado onde me sinto confortável de explanar, que é o lado técnico da coisa.

A assistência social tem como objetivo básico garantir o acesso dos cidadãos aos seus direitos previstos em lei. A coisa já começa louca aí, porque "direito" é um conceito muito relativo, já que por serem pagos, alguns de nós (com eu) preferimos dizer "serviços" (e a coisa pode ficar mais louca quando pensamos que alguns deles podem ser obrigatórios, então talvez "deveres" coubesse melhor, mas melhor não aprofundar demais nessas incoerências estatais). Neste caso somente direitos inalienáveis como vida, liberdade e propriedade, entrariam no pacote da assistência.

Só que, olhando de perto, a gente percebe que a garantia de acesso aos serviços estatais - aqui chamados de "direitos" - é que são o objetivo da assistência social estatal (obviamente). Esses direitos são intersetoriais e dizem respeito a uma série de serviços e benefícios em todas as áreas que você puder imaginar.

Por exemplo, ao atender uma família eu primeiramente faço uma varredura da vida dos seus membros para entender por onde esse povo já passou, que direitos já foram acessados e quais estão faltando. Depois faço os devidos encaminhamentos para que eles possam dar um giro nas políticas públicas disponíveis para o perfil da família.

Falando desse jeito fica até meio mórbido, parece que vamos amarrando essas famílias nas teias do Estado até que elas fiquei bem presas e nunca mais consigam sair. E pensando por esse lado eu acho que o SUAS pode agravar muito problema que já é bem grave.

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Mas na prática a coisa funciona de outro jeito, tanto pela demanda da própria população quanto pelas ações dos agentes públicos da ponta, que sabem na prática o quanto a teoria é falha. Assim, a assistência social em sua práxis acaba sendo muito mais uma tentativa de levar conhecimento e escolhas às pessoas que não as têm. Famílias que são originárias de um ciclo secular de marginalização econômica e social, pois a ninguém interessa que sejam incluídas no jogo. Interessa a elas, eu sei, porém sem informação e ferramentas, elas nunca sairão do lugar de sempre.

Lembro de ter feito um quadro de tarefas semanais, um calendário de consultas médicas das crianças e deixado programado o despertador da televisão, um desenho com a trajetória passo a passo de como ingressar no ensino superior, uma rápida explicação de como fazer um currículo ou de como dar um banho em um recém-nascido entre outras pequenas proezas do dia a dia que para nós são tão automáticas enquanto para outros tão complexas.

E ao contrário do que fiz parecer anteriormente, o encaminhamento dos beneficiários para diversos serviços - ainda que estatais - serve como incentivo da autonomia no planejamento estratégico e na resolução dos seus problemas pessoais e comunitários. Ao invés de serem enrolados e presos numa teia de políticas sociais, essas pessoas costumam dar um giro por conhecimentos, possibilidades e oportunidades que contribuem para a expansão dos seus pensamentos e ações. Acessam não apenas "direitos", mas novas ferramentas e informações para a construção de uma trajetória de vida mais digna e autêntica.

Um dia peguntei a um adolescente que curso ele gostaria de fazer. "Nenhum" - ele disse. Mas como assim? Todo mundo tem um sonho! Qual o seu sonho? "Ir embora do Brasil". Ah, tá vendo como você quer fazer um curso? Curso de inglês que chama. E um grande sorriso se abriu no rosto daquele menino franzino que já era egresso da Fundação CASA. Voltou para a escola (educação), está fazendo inglês (profissionalização) e tratamento oftalmológico (saúde). Por cada serviço que ele passa, uma porta que se abre.

Claro que acredito em outros caminhos, até mais que nesse. E quero viver para ver eles acontecerem. Até lá a gente caça com gato.

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