Cartas de fim de ano ( parte 2) . # in: O mapa de autoestrada

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Pode ler a 1º parte aqui: https://steemit.com/portugal/@isabelpereira/cartas-de-fim-de-ano-parte-1-in-o-mapa-de-autoestrada

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Qual aprendiz de feiticeiro, iniciei-me, com locução irrepreensível, numa emissão da jovem Rádio Cidade e ainda hoje me arrepia pensar na insensatez com que aceitei, adolescente armada em esperta, assegurar os quinze minutos de antena que me foram entregues para discorrer sobre “um tema à minha escolha”.
Valeram-me os anos de futebol de rua com os rapazes do bairro, as fintas de improviso com que aprendi a ultrapassar as restrições e proibições impostas pelo aquartelamento doméstico e a muita leitura que me sobrou das férias escolares, que não cheiraram praia nem campo, mas apenas um cesto de maçãs e pilhas de livros inapropriados para uma criança, mas muito úteis para uma jovem temerária e de responsabilidades radiofónicas.
Então numa pequena garagem forrada a caixas de ovos, lá cumpri a locução dum entusiasmado roteiro da cidade, visando os pontos de interesse tradicionalmente desprezados pelos autóctones. Estremeci de comoção quando acabou e assim me safei sem repetir a proeza, porque não se abusa da sorte.
A seguir pintei cartazes, fiz escrita de contabilidade, figuração em filmes, artigos para revistas, bolsas e bijouterie, pintei telas, dei aulas, explicações e participei em programas na tv. Vendia tudo o que fazia a bom preço e como água no deserto, angariei prémios e elogios e tencionava verdadeiramente despedir-me de experiências estouvadas com a minha aventura teatral.
Mas um dia deixei-me convencer a escrever. Comecei por uns rabiscos de crónica, ousei um pequeno poema, saltei daqui para ali e acabei por mergulhar numa narrativa, talvez caminho que me falte para chegar ao destino que procuro, pois tudo o que nasce na ideia é co-criação e descoberta de nós.
Hoje procuro compreender porque experimentei todas estas coisas para as quais não tinha qualquer preparação decente. Não sei. Sei apenas que fazer nascer qualquer coisa única e genuína, é um abandono temerário ao que mais somos de ilimitáveis, incompletos, universais e em devir. É acto de coragem antes de tudo, é vivência intimista da alma insubmissa, insurreição à dor ou sublimar de amor, mas em qualquer caso será sempre o mais próximo que chegaremos do big bang.

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