Antes da aurora a luz da lua

Instante mnemônico de caos: o inebriar-se

por lis kamala

(sussurro) Momento; devaneio fugaz. Noite estrelada da alma. Solidão

- Ao vagar pela sala de espelhos -

Entre as portas da percepção havia abismo. Caos nas labaredas que constituíam uma parte íntima do ser, caos que inebriante calculava minuciosamente a destruição das forças que de dentro de si deveriam sair.

Então ali, entre o portal do que era ou não meu, observava a plena desordem da minha morada. Pandemônio de sensações hora lúcidas, hora completamente alucinadas. Dançavam todas as partes de mim, num vendaval de risadas, de choramingos, gritos tortuosos e mirabolantes cenas dramáticas. Enquanto observava frente ao portal da minha sala de espelhos, do meu templo mental, a agonia ansiosa da cidadela incomum me carcomia o pensar. Respirava vagarosa e intencionalmente, tentando não ser parte constituinte e ativa de meu próprio caos.

“O espírito, afinal, trabalha de maneiras inconstantes, porém plenas. Espera, aguarda um pouco, não te identifica e confia que no fim teu caminho é o que tem que ser.”

E naquele vácuo entre a memória e a fala de um eu ancião veio até mim quase que como uma miragem uma cena incomum;

Era um lago, as luzes da lua se refletiam em sua superfície sonolenta. Solfejo do vento que soprava árvores de um verde escuro. Minhas mãos tinham musgo. Meu coração já não mais agonizava.

Ouvi o silvo das folhas contra si mesmas ao longe, próximo às sequóias. Névoa escorria sobre o lago e, no fundo, uma imagem, uma pessoa, algo que se emaranhava num desemaranhar-se.

Não, não tinha mais nada de mim que fosse menos ou mais, mas aquela sensação de enigma embriagou-me as entranhas. Passo a passo, chão a chão, caminhei até encontrar a borda do lago.

Suspiros de alívio. Eu ouvia como se todas aquelas outras partes de dentro de mim, aquelas que outrora haviam guerreado em meio a um tormento de sensações, assistem mudas a imagem que eu mesma presenciava. “Quieta, criatura” disse-me a voz anciã em meu âmago.

E num assovio quase magnético quase surdo toda a névoa deslizou em minha direção. O frio permeou-me os ossos. Tudo era pálido, úmido e entorpecido. A realidade inconstante da minha memória era feita agora de uma bruma ancestral. O resto era completamente irrelevante.

E com um sussurro, a voz permeou meu contraditório instante de pasmo e deleite, de medo e completa entrega. Imersa em um sigilo, na penumbra de uma revelação, ouvi meu peito arfar.

“Acorde, criatura, antes que o sol volte a nascer”

E num absurdo espanto acordei de meu fugaz devaneio.