A História do Anarquismo - Parte 2 - O Anarco-Federalismo

in #anarchy6 years ago (edited)

A Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo.
A História do Anarquismo - Parte 2 - Anarquia: Revolução Contra o Estado - O Anarco-Federalismo

"A nossa liberdade é proporcional à liberdade das outras pessoas" - charlie777pt

Introdução

A Revolução Francesa foi uma ruptura violenta causada pela total desigualdade e concentração de poder da realeza, para o dar ao povo, mas que depois foi roubada pela burguesia e nunca foi recuperada.

A difusão explosiva da palavra escrita e impressa, disseminou novas idéias sobre a possível liberdade de cada indivíduo em relação à autoridade de um Poder arbitrário de alguns, rompendo com o domínio da realeza, e fez surgir os Ideais Anarquistas.

O Anarquismo é um movimento social, económico e político de muitas escolas diferentes de pensamento, que pretendem organizar uma sociedade anarquista e é o único antídoto real para a estagnação do desenvolvimento social.

A organização anárquica e o ativismo, com a sua sabedoria coletiva podem construir uma sociedade livre, que lute pelos ideais de autonomia, democracia direta, liberdade pessoal, com ação direta, protesto e projetos anarquistas de longo prazo contra o capitalismo, o Estado, e a Autoridade, pelo bem da liberdade da humanidade.

A auto-organização autónoma dos indivíduos, e a colaboração em grupo são os pilares de uma existência livre em uma sociedade baseada na luta para alcançar essa existência plena.

"Aqueles que são capazes de tirania são capazes de perjúrio para sustentá-la." - Lysander Spooner

1 - Proudhon "O Anarquista"

Proudhon vê uma sociedade sem governo, pelo que lhe chamou Anarquia em oposição ao comunismo e ao socialismo de Louis Blanc e dos coletivistas.
Falar sobre as idéias de Proudhon num panfleto tão curto tem o risco de simplificar ou amputar os pensamentos complexos de um verdadeiro anarquista.
Eu vou ficar mais com suas as palavras do que com as minhas e vou usar Marcel Prélot como um fio condutor de pensamento.

"Se bem que seja amigo da ordem sou anarquista" - Pierre-Joseph Proudhon

Proudhon via um quadro maior sobre a mudança da sociedade, além da simples substituição do governo do Estado, porque ele não queria nenhuma forma de controle centralizado.

Eu vou esclarecer os seus pontos de vista nas suas próprias palavras que mudaram as minhas visões políticas quando eu tinha 16 anos, afastando-me do envolvimentocom qualquer tipo de verticalização(hierarquia) ou coletivismo, porque eu passei a ver que o socialismo e o comunismo tinham roubado as melhores idéias anarquistas, para encontrar novas formas centralizadas de controle.
Isto aumentou o problema da "vontade de poder"(Nietzsche) humana que, sem escrutínio, leva ao seu uso e abuso, provocando dano nas pessoas e gerando estagnação social.

Desculpem a longa citação, mas Proudhon teve palavras duras, afiadas e com impato psicológico, sobre a verticalização coercitiva da sociedade na construção da nossa vida .

“Ser GOVERNADO é ser observado, inspecionado, espiolhado, dirigido, guiado pela lei, numerado, regulado, inscrito, doutrinado, pregado, controlado, verifiado, estimado, valorizado, censurado, comandado, por criaturas que não têm o direito nem a sabedoria nem a virtude para o fazer.
Ser GOVERNADO é estar em todas as operações, em todas as transações anotadas, registadas, contadas, taxadas, carimbadas, medidas, numeradas, avaliadas, licenciadas, autorizadas, admoestadas, impedidas, proibidas, reformadas, corrigidas, punidas.
É, sob pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral, ser colocado sob contribuição, perfurado, esfolado, explorado, monopolizado, extorquido, espremido, defraudado, roubado; então, à menor resistência, á primeira palavra de queixa, ser reprimido, multado, vilipendiado, perseguido, abusado, espancado, desarmado, amarrado, sufocado, aprisionado, julgado, condenado, baleado, deportado, sacrificado, vendido, traído; e para coroar tudo, escarnecido, gozado, ridicularizado, indignado, desonrado. Isto é governo; esta é a sua justiça; esta é a sua moralidade. "
- Pierre-Joseph Proudhon, What Is Property?

2 - Eliminar o Estado

É difícil entender que ordem social, poder e autoridade dos governos vêm dos princípios nucleares da autoridade familiar.
O Estado constrói "um sistema artificial variando segundo os séculos e os climas como natural e necessário á humanidade".
Esta era a idéia principal que ele queria desconstruir na mente das pessoas, que esses sistemas não podem ser corrigidos porque é uma impossibilidade.
Vamos olhar para a maneira como ele viu a democracia, que ele se opôs veementemente.

"O erro ou habilidade de nossos antepassados ​​era considerar o povo soberano como a imagem do homem." Há entre nós democratas que afirmam que o governo tem bons aspectos, socialistas que apóiam essa ignomínia em nome da liberdade, igualdade e fraternidade; - Pierre-Joseph Proudhon

3 - Primazia Económica e o Federalismo

Proudhon, mantendo-se afastado dos liberais, mostra que a ordem económica não é uma maquinaria de restrição física, mas a revelação da espontaneidade humana de pessoas livres vinculadas por contratos mutualistas - "Contratos Inteligentes" :) - como a principal forma de regulação social.
O mutualismo económico substituiria o Estado como um sistema de garantias e confiança, como contratos de garantias mútuas transpondo o mutualismo para o federalismo no nível político.

Como só existimos através de outras pessoas, tornando-nos seres sociais, poderíamos viver em pequenos grupos territoriais soberanos e estabelecer comunidades globalmente(que o reinado anárquico da internet permite hoje), no nível produtivo que seria baseado na livre troca de serviços.

Ele acreditava que as Comunidades Autónomas seriam "em essência, como um homem, como a família e como toda a individualidade e toda a coletividade inteligente, moral e livre, um ser soberano".
Uma Federação tem associados autónomos, por órgãos descentralizados pela divisão do trabalho, mas poderia ter administradores, ter ministros e até fazer leis, com as despesas debitadas no banco, devolvendo a autoridade às raízes da família.

Proudhon afirmou que "Propriedade é roubo" como um "direito de usar e abusar", mas ele não queria retirar violentamente dos proprietários, através da obtenção de capital com pequenos juros (1% ou menos) em bancos nacionais, vendendo os produtos pelo valor de custo, pago aos produtores em horas de contribuição de trabalho, ao que ele chamou Mutualismo.
As trocas de serviços e mercadorias teriam valores equivalentes com base no tempo de produção, ou seja, as pessoas comprariam os bens como casas e nunca pagariam rendas, aplicando esse princípio a todos os tipos de produção cooperativa, como fábricas, minas, transporte e assim por diante.

4 - Decomposição do Estado

O Federalismo Anarquista é a decomposição do governo e do Estado, substituído por grupos autónomos autogeridos.
Como Proudhon faz referência "O Estado não tem que intervir, não aparece em nenhum lugar."

O século XIX traz o surgimento de uma crescente centralização do Estado, e o socialismo não concordava com a visão de Proudhon de uma anarquia federativa e a sua clara recusa de realizar eleições.

“When politics and home life have become one and the same, when economic problems have been solved in such a way that individual and collective interests are identical – all constraints having disappeared – it is evident that we will be in a state of total liberty or anarchy.” - Pierre-Joseph Proudhon, What Is Property?

5 - A Utopia , a Profecia e o legado de Proudhon

A profecia de Proudhon ameaçando a Humanidade a sofrer um "purgatório de mil anos" pela negação da Anarquia, que se tornou uma realidade.
Para ele, ação e contato com a vida real dão origem a novas verdades e idéias.

"Quando as ações falam, as palavras não são nada". Pierre-Joseph Proudhon

Proudhon previa que essa transformação tornaria o Estado obsoleto, fazendo com que a relação dos cidadãos com o consenso livre e com os regulamentos fosse baseada na escrita contabilistica, mas poderia ter algum tipo de arbitragem, para resolver problemas económicos.

William Thompson e seus seguidores na Inglaterra haviam transformado o mutualismo em comunismo como John Gray com seus escritos A Lecture on Human Happiness, 1825 e The Social System, 1831; e J. F. Bray com seus trabalhos sobre "Os erros do trabalho e o remédio trabalhista" de 1839.

As idéias de Proudhon tiveram grande eco nos EUA com experimentos sociais práticos de suas teorias, enquanto na França quase não teve influência pois esta estava dominada na época pelo socialismo cristão de Lamennais, os fourieristas, o socialismo de Louis Blanc e Saint-Simon, ena Alemanha influenciou os hegelianos de esquerda, Moses Hess, em 1843, e Karl Grün, em 1845, que propagavam o anarquismo bem como a anarquia individualista de Max Stirner (Kaspar Schmidt).

Na América, como mencionamos no último post, Josiah Warren, foi o primeiro anarquista americano a militar na "New Harmony" de Joseph Owen, que viu o mutualismo eliminando a individualidade, motivação e responsabilidade, e que ele via um obstáculo à liberdade pessoal gerada pelo problema de autoridade e subserviência à comunidade controlando a produção.
Isto não era simples conversa teórica, porque, em 1827, ele criou esta situação na prática com as "Lojas de Património" que duraram até 1865, mencionadas pelas pessoas como "A Loja do Tempo" onde a moeda era as horas de trabalho de qualquer produto trocado.

"Sim: todos os homens acreditam e repetem que a igualdade de condições é idêntica à igualdade de direitos; que propriedade e roubo são termos sinónimos; que toda vantagem social concedida, ou melhor, usurpada, em nome de talento ou serviço superior, é iniqüidade e extorsão. Todos os homens em seus corações, eu digo, testemunham estas verdades; elas precisam apenas ser entendidos. ”- Pierre-Joseph Proudhon, What Is Property?

O anarquismo das escolas mutualistas proudhonianas cresceu muito, mas alguns seguidores saltaram para o anarquismo comunista, e até mesmo para o anarquismo cristão criado por Leon Tolstoi e o anarquismo literário de alguns escritores modernos.

Proudhon, adorava a ideia de banco mútuo como Josiah Warren nos Estados Unidos, com escolas de seguidores como Stephen Pearl Andrews, William Grene e o promissor Lysander Spooner que iniciou um livro fantástico em 1850, Natural Law, que ele nunca finalizou.

O próximo post é sobre o Anarquismo Libertário, onde as idéias de Proudhon serão chamadas novamente como oposição aos seus contrapartes, para serem comparadas com o anarquismo socialista e libertário, e no post seguinte iremos terminar com o Anarco-Sindicalismo.

A Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo.
Artigos publicados:

Introdução à Dialética da Libertação: Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo

I - Anarquismo

O que é o Anarquismo?

Próximos posts da Série:
I - Anarquismo

  • Parte 2 - Anarquia: Revolução Contra o Estado
    • Post 1 - Federalismo Anarquista - Este post
    • Post 2 - Anarquismo Libertário
    • Post 3 - Anarco-Sindicalismo
  • A Anarquia Hoje

II - Existencialismo

  • O que é o existencialismo?
  • Os "Existencialismos"
  • Humanismo e Existencialismo
  • Existencialismo e Anarquismo

III - Descentralismo

  • O que é o Descentralismo?
  • A Filosofia do Descentralismo
  • Blockchain e Descentralização
  • Anarquismo, Existencialismo e Descentralismo

IV - Dialética da Auto-Libertação

  • O Congresso da Dialética da Libertação
  • Psicanálise e existencialismo
  • O movimento antipsiquiátrico

Leituras:

Anarquismo - Wkipedia
Correntes do anarquismo

Referências:

- charlie777pt on Steemit:
A Realidade Social : Violência, Poder e Mudança
Piotr Kropotkin - O surgimento do anarquismo
Colectivismo vs. Individualismo

Livros:
Bey, Hakim (1991) 7:A.Z.: the Temporary Autonomous Zone, Ontological Anarchy, Poetic Terrorism, Brooklyn, NY: Autonomedia.
Byas, Jason Lee, Toward an Anarchy of Production - Parts I and II
Marshall, Peter, Demanding the Impossible A History of Anarchism, Fontana Press (1992 )
Oizerman, Teodor.O Existencialismo e a Sociedade. Em: Oizerman, Teodor; Sève, Lucien; Gedoe, Andreas, Problemas Filosóficos.2a edição, Lisboa, Prelo, 1974.
Rothbard, Murray N., The Ethics of Liberty (1982)
Rothbard, Murray N., For a New Liberty The Libertarian Manifesto, Revised Edition
Tucker, Benjamin, Individual Liberty, Selections From the Writings
Pierre-Joseph Proudhon , What Is Property?
Sort:  

"... foi roubada pela burguesia e nunca foi recuperada."

Como é que um efeito de algo tão antigo pode estar surtindo resultado na sociedade atual? É de se pensar o quão grave é o caminho que estamos trilhando. ;(

France caused world disasters
Because it occupied many countries and caused the destruction of nations
The French Revolution is not the most courageous

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