Blockchain: A Revanche da Economia Wiki?
A Revolução da Internet
Quando a internet foi criada, apenas os mais visionários poderiam imaginar o tamanho e, principalmente, o tipo de mudança que ela provocaria na sociedade como um todo. Mesmo o que agora pode parecer óbvio, não era nada fácil de antecipar no calor dos acontecimentos. Lá no início dos tempos, não era sequer claro que haveriam transações comerciais e financeiras pela Internet, por exemplo.
Vale dizer que as aplicações que povoavam os corações e mentes quando da criação da Internet eram outras. Aqueles bravos desbravadores sonhavam em construir a World Wide Web, cuja sigla www, ainda agora polui o endereço de tantos sites. A WWW seria, em tradução direta, a teia global formada pelo que na época chamávamos de hipertextos e o os links que os interligavam. Essa teia produzida em escala mundial nos permitiria “navegar” num mar de informações de um lado para o outro, sem fronteiras. Um verdadeiro sonho numa época em que tudo que se tinha eram livros, enciclopédias, rádio e TV. Vale lembrar que o nome de um dos principais protocolos que formam a Internet é HTTP, sigla para Hyper Text Transfer Protocol. Ou seja, a coisa toda foi mesmo pensada para navegar em hipertextos...
Hoje, ainda digitamos http://www...
num “navegador” e, embora, todas estas referências apontem para as ideias acima, elas são como fósseis daquele tempo, aos quais rendemos homenagem, mesmo que o que queiramos fazer não tenha nada a ver com “navegar”, nem com hipertexto (palavra que caiu em desuso) e nem com teia global nenhuma. Hoje, você entra na Amazon para fazer uma compra ou no seu Internet banking para movimentar uma conta corrente e tchau. Uma empresa só; para todos os efeitos, uma página só… Mas, os fósseis estão lá, olhando para você.
O Poder da Informação
Apesar disso, numa perspectiva de longo prazo, comprar na Amazon pela Internet pode não ser tão transformador quanto a democratização da informação propiciada pela WWW. Informação é poder. E a história comprova isso...
Um paralelo muito comum quando se fala em Internet e informação é com a criação da imprensa por Gutenberg, lá por volta de 1430. Anteriormente, livros eram copiados à mão, letra a letra, num processo lento e custoso, que acabava restringindo a muito, muito poucos, o acesso a conhecimentos sofisticados, geralmente, a clérigos e nobres. Depois da criação da imprensa, a queda no custo da reprodução permitiu que as ideias se espalhassem com velocidade inédita, atingindo muito mais pessoas do que antes. Já no período dos descobrimentos, as histórias dos navegadores eram animadamente compartilhadas por um número antes impensável de indivíduos através de livros, folhetos, mapas e toda sorte de material escrito. Uma revolução, como a protestante, baseada nas 95 teses de Martin Lutero, cujos folhetos se espalhavam de mão em mão, provavelmente não seria possível antes da inovação de Gutenberg. Ou, pelo menos, levaria uns séculos a mais…
Essa nova dinâmica na circulação das informações foi uma das bases do próprio Iluminismo e de todas as suas consequências, incluindo aí o aumento na proporção de pessoas letradas. As consequências de tudo isso incluem a perda do poder de reis e papas, o que não é pouca coisa.
Porém, mesmo após a criação da imprensa, a produção e a distribuição de informações permaneceram muito caras para o cidadão médio ainda por séculos. Apesar do aumento do volume de leitores (e, posteriormente, de ouvintes e telespectadores, com o advento do rádio e da TV), o grupo de produtores de conteúdo permaneceu bem restrito até as portas do século XXI. Hoje em dia, a maioria das pessoas publica e compartilha textos, áudios e vídeos, numa espécie de continuação tardia das mudanças introduzidas por Gutenberg. Os efeitos disso a gente já vê em acontecimentos como a Primavera Árabe, as eleições americanas tanto de Obama quando de Trump, as manifestações de 2013 no Brasil etc. O que virá por aí?
A Verdadeira Mudança Leva Tempo…
As transformações geradas a partir de Gutenberg levaram séculos. Claro que naquela época tudo era muito, muito lento. Nos tempos atuais tudo é muito mais rápido, certo? Sim, mas calma aí…
Acontece que a universalização dos produtores de conteúdo também não ocorreu logo no início da Internet. Tanto é verdade que essa Internet onde todo mundo publica recebeu o nome de Web 2.0. Alguns dos seus melhores exemplos, como a Wikipedia e as primeiras redes sociais de grande alcance, só apareceram perto da virada do século XXI, quando a criação e a popularização da Internet já podiam ser medidas em décadas.
No artigo “The Truth About Blockchain”, na prestigiada Harvard Business Review (https://hbr.org/2017/01/the-truth-about-blockchain), os autores classificam tecnologias como o TCP/IP (o nome geek da Internet) como tecnologias fundacionais ou fundamentais. Segundo os autores, para alcançar todo o seu potencial transformador, uma tecnologia fundacional precisa suplantar dois tipos de barreiras: as dificuldades técnicas típicas de uma solução inovadora; e as dificuldades de coordenação entre os diversos atores de uma solução, que acontecem porque a transformação real sempre envolve uma miríade de atores diferentes, como empresas, instituições, clientes etc. Não é possível superar tudo isso ao mesmo tempo. É preciso ultrapassar cada barreira no seu tempo, em uma sequência de fases que é descrita pelo artigo.
E isso não é rápido, mesmo na era da Internet...
A Economia Wiki: Promessa Não Cumprida?
A promessa de que a Internet inauguraria uma forma de produção distribuída de valor, onde as pessoas em geral (os tais 99% ou “the rest of us”) pudessem ser não apenas protagonistas, mas também os principais beneficiários do advento da grande rede, foi uma das mais interessantes visões que animaram o advento Web 2.0. Nesse idílico cenário, grandes corporações não seriam capazes de competir com multidões auto-organizadas, cuja capacidade de inovar e resolver problemas seria insuperável. Assim, estas empresas da Internet, além de gerar melhores soluções para os consumidores, também mudariam o destino da renda gerada pelas atividades desenvolvidas na Internet, que não seguiriam o padrão típico de concentração em poucas mãos de donos de grandes corporações, indo se distribuir mais igualitariamente por todos aqueles que contribuíssem para a oferta destes produtos e serviços.
Um dos livros mais conhecidos dessa época, que geraram grande esperança de que a Internet conduziria o mundo para uma economia mais distribuída, igualitária e com oportunidades para todos, foi o Wikinomics. No livro, o autor descreve uma miríade interminável de possíveis modelos de negócio habilitados pela Internet. O mesmo autor ainda lançou outro livro chamado Macro Wikinomics, onde estendia seu raciocínio para problemas globais que, na sua visão só a Internet era capaz de solucionar, entre eles, as mudanças climáticas.
Todavia, o futuro, esse ardiloso destruidor de previsões brilhantes, foi bem mais sagaz do que imaginavam seus ingênuos observadores. As grandes corporações foram muito ágeis e competentes, tendo sido capazes de produzir modelos de negócio viáveis na selva da Internet, o que foi um grande desafio num mundo onde a estranha regra eram serviços gratuitos. Algumas destas empresas, como o Google e o Facebook, adotaram características similares às ideias Wiki e passaram a extrair valor do domínio da informação, pedra de toque do novo milênio. Até chegamos a empresas que se autointitularam de economia do compartilhamento, como AirBnB e Uber, que são, no fundo, apenas intermediários super poderosos alavancados por tecnologia competentemente aplicada.
Enfim, aquele sonho todo não se concretizou. Ou foi só adiado?…
Agora Vai?
Não deveria ser uma surpresa, portanto, que o autor do livro Wikinomics, grande propagandista da Web 2.0 e da economia wiki, esses irmãos siameses, venha a ser o mesmo autor do livro Blockchain Revolution, cuja autoria Don Tapscott dividiu com seu filho Alex. Sim, Don Tapscott, exímio palestrante e “entusiasta entusiasmado” da economia wiki voltou com a corda toda nesse livro que (olha que novidade!) descreve inúmeras aplicações da blockchain. Don também liderou um estudo do World Economic Forum que, na minha opinião, colocou o assunto blockchain nas mentes e bocas de muitos líderes mundiais, principalmente corporativos. A mim, embora nunca tenha conversado com Mr Tapscott, toda essa movimentação parece uma espécie de revanche por conta do relativo fracasso da visão proposta pelo Wikinomics.
Neste sentido, você deve mesmo esperar que o Blockchain Revolution esteja recheado de propostas de desintermediação e compartilhamento que apontam no sentido de dificultar a concentração de renda e poder. E é exatamente isso que vai encontrar.
Mas, se não deu certo antes, qual a novidade? Óbvio: a blockchain!
O que Tapscott e outros estudiosos perceberam é que a blockchain contém características novas que podem forjar o mundo imaginado naquela proposta wiki que foi relativamente atropelada por Google, Amazon, Facebook, Uber e outros gigantes. A possibilidade de representar valores e ativos de forma digital e distribuída, de criar smart contracts que gerem confiança e negócios entre partes que nunca se viram, de reduzir os custos de transação a ponto de viabilizar verdadeiras organizações distribuídas e autônomas (as tais DAOs), entre outras, são alguns dos atributos que revigoraram estes velhos combatentes.
Não é à toa que a maioria dos envolvidos com blockchains públicas declarem com todas as letras que estão construindo nada menos do que uma Web 3.0, capaz de realizar promessas não cumpridas de sua prima antecessora, a 2.0. Não é só curiosidade que o nome da principal classe JavaScript da biblioteca para acesso à blockchain pública Ethereum seja Web3! O pessoal não está aí para brincadeira não...
Quando se considera todo o cenário em perspectiva, fica claro se tratar de um projeto de enorme envergadura. Batalhas titânicas nos aguardam e os próximos capítulos nenhum de nós pode perder.
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