Sobre um passeio e o espírito dos acampamentos (Portuguese)

in #pt6 years ago (edited)

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Foto n°1

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A intenção desse texto é relatar um breve passeio feito nesse último sábado (03/02) e discorrer um pouco sobre a importância que vejo nas expedições dentro da natureza.

Já há algum tempo que formamos em minha cidade um grupo de entusiastas da companhia da natureza, das trilhas e das expedições mateiras. Em tom de brincadeira em relação aos motoclubes, nomeamos nosso pequeno grupo de "Matoclube Urutau", o qual seria base para várias aventuras desde o fim de 2017. Como aventura dessa ocasião, planejamos um acampamento mais afastado, pois habitualmente vamos para as florestas acessíveis nas proximidades de nossa pequena cidade, em locais que podemos chegar a pé e que, mesmo assim, oferecem um bom afastamento da urbe. Para a aventura, o local estipulado foi uma pedreira abandonada (foto n°2) a 15 km da cidade. Nesse sábado, eu e meu amigo, que nos apresentou a localização, fomos até o local para verificar as condições de acampamento e fazer alguns preparativos para o acampamento que deve ocorrer no próximo sábado, dia 10. Munidos de facão, machado e alguns cigarros, subimos até o ponto sob o sol ardente de uma tarde de verão.
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Foto n°2

Tivemos algum trabalho ao chegar lá. Como o plano era de acampar sobre a pedreira (foto n°2), pois na parte inferior o vento encana e produz poderosas rajadas prejudiciais ao acampamento, nós tivemos de encontrar o melhor caminho para chegar ao topo. Estando o local abandonado e fazendo anos que meu amigo não se aventurava por aquelas matas, já prevíamos que algum trabalho haveria de ser feito. Nosso esforço se resumiu a puxar pedras para fazer um caminho sobre o riacho que obstruía a passagem até a subida e, então, abrir uma trilha à facão até o topo, cortar alguns arames farpados antigos que estavam enroscados nas árvores e cortar algo de lenha para facilitar o futuro acampamento. Alguns cortes de arames e pedras e um bom cansaço depois, estávamos lá em cima, com trilha aberta e um belo local para acampar. A vista é fascinante e um pouco dela pode ser vista na foto n°3. De fato, nosso esforço valeu o resultado.

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Foto n°3

Todo o caminho (foto n°1) é de uma beleza ímpar. Uma estrada sombreada pela mata atlântica verdejante em um dos lados e, no outro, pela presença imponente de pinus; árvores que, ignorando os prejuízos que trazem à mata nativa, têm sua beleza própria em harmonia com o clima da nossa região. Mais que isso, o caminho todo nos presenteava constantemente com amoras e framboesas (foto n°4) e também com o frequente aparecimento de lírios à beira da estradinha, tudo isso testemunhado por pequenos grupos de grandes borboletas de um tom meio branco e meio azul que radiavam à luz do sol. A pedreira em si é coisa à parte. Muros enormes que se erguem a mais de quinze metros de altura, coroados por pinheiros americanos entre os quais vertentes serpenteiam junto ao solo e caem das pedras até a parte inferior da pedreira. A beleza da natureza é sempre um convite para que nos sintamos em casa.

Foto n°4

E por que eu relato tudo isso? Relato porque toda vez que a natureza sopra o seu chamado, é como se àqueles que o ouvissem fosse capaz um retorno a alguma espécie de lar esquecido, uma pátria em ruínas e um mundo a ser redescoberto. A natureza é tudo isso? Estou certo de que para alguns raros ela é ainda mais. Deixo de lado aqui qualquer consideração mais específica sobre o que é natureza ou não é; evidentemente que tudo provém da natureza, até os químicos e tudo mais que se produza. É perfeitamente compreensível ao leitor que por natureza tomo a ideia de great outdoors, da natureza selvagem, do mundo aberto que conta com poucas alterações pelas mãos do homem.

Diferentes ambientes animam diferentes disposições em nosso íntimo. Não é diferente nas florestas e nas montanhas. Em alguns momentos é como se recuperássemos uma atividade habitual nossa que não exercíamos há tempos; há algo de extremamente reconfortante numa fogueira à noite. Algo de primitivo e familiar que parece mais antigo que tudo e que ainda assim brota como flor jovem na experiência da noite. Mas é mais que isso. Refiro-me à camaradagem que brota entre os presentes. A ida para o mato é um retiro, um recolhimento em conjunto onde se compartilha alimento, bebida, cigarro, causos e, antes de tudo, a mesma condição existencial de estar largado às mãos da força natural. Estipulam-se várias atividades, sendo cada um responsável por uma parte do acampamento, por um serviço. Um há de cortar lenha, outro de preparar a fogueira, outro pode se aventurar na construção de um abrigo. Essa experiência é como um abrigar conjunto, aquele princípio que garantiu nossa sobrevivência em tempos muito mais difíceis que os de hoje. De alguma forma, irmanamo-nos perante a dificuldade e no desconforto, na total simplicidade da ocasião, na abertura ao perigo e ao desconhecido. Ficamos mais próximos de uma essência real e esquecida, próximos ao perigo e à fragilidade de nossa condição. É nesse contexto que os laços de camaradagem se estreitam e toda a experiência pode alcançar dimensões espirituais e experiências culminantes de transformação interna. E é exatamente nesse espírito que recomendo a prática dessas atividades para todos. Recomendo que acampem, façam trilhas, desbravem o desconhecido, desafiem a si mesmos, não temam o desconforto e reacendam no coração a chama da aventura.

Sort:  

Adoro lugar assim, natureza.

É sempre uma experiência gratificante estar em meio à natureza!

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Que belo relato! Todo o último trecho do texto está perfeito, mas saliento este: "Relato porque toda vez que a natureza sopra o seu chamado, é como se àqueles que o ouvissem fosse capaz um retorno a alguma espécie de lar esquecido, uma pátria em ruínas e um mundo a ser redescoberto.
Isso pra mim é o símbolo do hábito da trilha, da mata, da brincadeira de ser como foram nossos ancestrais. Hoje em dia não temos a obrigação de passar por dificuldades, não viemos a essas terras com poucas ferramentas e quase nada mais. Hoje temos nossos lares quentes e confortáveis mas o desejo, o instinto de ir para o mato e desbravar, de facão na mão, novas trilhas e cenários é muito forte. Tive o prazer de fazer uma pequena (mas árdua) trilha nessa última sexta-feira com o amigo Gustavo e é impossível não se deleitar com as dificuldades (de se perder e abrir uma picada no facão até achar a trilha certa) e depois com os prazeres de uma carne assada na fogueira junto com um mate (chimarrão com água esquentada na fogueira tem um sabor incrível). Ótimo post!

Exatamente, meu amigo! Tinha certeza de que compreenderia esse sentido. Há um tempo, um amigo me contava como era diferente ir pro mato com gente mais velha e "entendida". Nós temos esse amigo como o mais hábil nesses ambientes, mas ele diz que não era nada perto dos mais velhos, que estes faziam de absolutamente tudo e, com quase nada, eram capazes de sobreviver longos períodos na floresta. Nós ainda ficamos muito atrás disso, o que reveste de nobreza esse impulso de buscar o chamado do mato e de nós mesmos.

Deve ser sim uma experiência enriquecedora! Nunca tive oportunidade de trilhar com pessoas de outra geração (a não ser aqueles amigos mais velhos que nos ensinam os caminhos, mas que também são apenas um reflexo adiantado do que seremos para os mais jovens daqui a pouco), mas trilhar com velhos mateiros mesmo, deve ser outro nível!
Sem dúvidas, é quase uma missão, persistir nessa caminhada e aprender tudo que for possível.

Muito boa a ideia do Mato Clube, parabéns. De repente poderia virar tipo uma franquia open source, como o Fab Lab, e inspire outros a espalhar pelo resto do Brasil :-) Valeu! Sucesso e boa sorte mais uma vez!!

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