Mais um dia no Abrigo - Navalha na carne
Aqui nenhum dia é igual ao outro, aqui tudo muda rápido, a felicidade vira tristeza com facilidade, o sorriso vira lágrima, a dor vira culpa e a culpa gera cicatrizes na pele.
Na calada da noite, no quarto das meninas adolescentes, acontecia algo diferente, um choro mais alto do que normalmente se escuta, as outras perceberam logo, acordaram com uma adolescente de 14 anos se cortando com a lamina do apontador de lápis, imediatamente o espanto se transformou em gritos:
Tia, tia,ela esta sangrando, ela se cortou de novo!!!
A madrugada foi bem longa, a adolescente foi levada a força para o hospital, as outras adolescentes ajudaram a levá-la, as ficaram assustadas. Ninguém mais dormir nesta noite, consequentemente ninguém foi para a escola ao amanhecer.
Quando eu cheguei, fui direto para o Hospital, para o Educador da noite ir embora.
A adolescente, tomou um "sossega leão" e dormiu, foi necessário devido a sua agitação. Depois de horas, a mesma acordou, com um olhar distante, olhando seu antebraço esquerdo todo enfaixado, sem pronunciar uma só palavra.
A observação do hospital é bem movimentada, ou interna, ou vai para casa, a médica deu alta para a adolescente e um encaminhamento para Psiquiatria do Posto de Saúde.
É preciso respeitar o tempo de cada um. Muitas horas depois a adolescente já no abrigo, em sua volta todas as crianças e adolescentes, prestando solidariedade, um gesto muito nobre, porém ela disse para as outras adolescentes, em tom de acusação:
Por que vocês gritaram ontem a noite? Eu não queria ir para o hospital, queria ir para o cemitério!
O motivo de estar no abrigo é fácil para um adulto de fora entender, mas para quem está acolhido não é, leva tempo e amadurecimento, é difícil culpar a mãe, o pai, a tia.... Mas alguém precisa ser culpado, é preciso ter um motivo para estar acolhido, geralmente eles se culpam, autoculpam, ficam lembrando de travessuras que aprontaram, de não ter obedecido em uma ocasião.... Enfim, ficam procurando motivos para estarem acolhidos.
São muitas coisas para se entender com apenas 14 anos, a própria pele paga o preço, pela segunda vez em um ano. Vamos ver o que a equipe vai decidir agora.
Eu queria contar uma história mais feliz, mas hoje não foi possível.
Bah! Que história, mas toda tentativa de suicídio é um grito por ajuda. Mesmo que não admitam, não querem morrer, só querem se livrar dos problemas e não veem outra alternativa =/
Isso mesmo! Difícil para quem tem apenas 14 anos.
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