Mais um dia no Abrigo - Como é ser um educador. Post dedicado a @claudialoureiro
O post de hoje será dedicado aos trabalhadores do abrigo.
Não é muito raro ouvir falar que um funcionário de abrigo está afastado do trabalho, os motivos que mais afastam são, depressão e síndrome do panico e lesões corporais. Isso é o que eu escuto falar, o que eu já vi foi um afastamento por lesão, um adolescente empurrou uma funcionária e a mesma caiu e quebrou o braço.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) promoveu muitas melhorias para a vida das crianças e dos adolescentes, porém os mesmos se apoiam nas leis para se acomodar. Eles tem a razão e de certa forma nos somos os empregados particulares deles. Eu já trabalhei em outro abrigo que essa situação era gritante, era um absurdo mesmo, adolescentes que roubavam as bolsas das funcionárias, ameaçavam bater em troca de dinheiro ou cigarro... Foram 3 longos anos.
Nesse abrigo que eu trabalho agora é bem diferente, tem o comodismo sim por parte deles, mas tem o diálogo que é essencial para educar. Vou tentar explicar relatando o papel de todos os envolvidos:
1 - Prefeitura
A prefeitura repassa um valor fixo para ser gasto com:
Recursos Humanos: Todos os funcionários são pagos com a verba que a prefeitura repassa, porém férias, décimo terceiro e demissões a prefeitura não paga, para esses casos a ONG utiliza o fundo de reserva, quantia "a mais" que a prefeitura repassa.
Contas essenciais: Água, luz, gás, aluguel, telefone... pequenos reparos na casa. Também são pagos com este dinheiro da prefeitura. Mas não pode comprar um computador, uma geladeira, um sofá, uma mesa... com esse repasse, pois são considerados bens duráveis. A ONG se vira nesses casos, ou recebe uma doação.
Alimentação: Com o dinheiro destinado para a alimentação das crianças e dos funcionários só dá pra comprar o básico (arroz, feijão, óleo e mistura), sem incluir o leite. É uma vergonha mesmo, se as ONGs não recebessem doações de alimentos, as crianças passariam fome.
Passeios: Os passeios também são obrigatórios e com a verba repassada. Pelo menos dois passeios são obrigatórios por mês.
Transporte e vestuário: O dinheiro do Bilhete de ônibus e roupas também tem uma verba específica. Porém muitas vezes o passeio mais distante é cancelado por falta de verba. A maioria das crianças chegam com a roupa do corpo e é preciso comprar mais roupas, o que faz faltar para o transporte, já que é uma única verba.
A prefeitura repassa o dinheiro e a ONG na comprova mensalmente onde esse dinheiro foi gasto, tudo com nota fiscal, comprovantes de pagamento, Holerites... e também cobra o andamento do trabalho da ONG, que irei detalhar a seguir.
2 - A s supervisões
Todo abrigo é supervisionado por diversos órgãos:
Prefeitura: Pelo menos uma vez por mês a supervisora aparece no abrigo, geralmente sem avisar e nos piores horários, como por exemplo a hora do almoço, que é bem agitada. Ela anda todos os cômodos da casa e tudo tem de estar impecável, caso contrario o ambiente não vai estar saudável para a criança e faz uma discussão de todos os casos com a equipe técnica.
Poder Judiciário: Todo abrigo pertence à jurisdição de uma Vara da Infância e da Adolescência, um fórum, que supervisiona o local e o andamento de todos os casos. Todo ano, pelo menos dua vezes, a juiza vai no abrigo para fazer pessoalmente essa supervisão.
Vigilância Sanitária: Todos os anos os abrigos passam por uma inspeção minuciosa desse órgão, que verifica a casa, a vestimenta das cozinheiras, documentação e exames dos funcionários, entrada e saída de crianças e adolescentes, documentação da ONG...
Eu concordo com essas supervisões, porém não concordo com o lado pessoal de algumas supervisoras. O que gera o próximo item.
Minha maneira de ver o mundo é a lei, não importa o que você pensa
A prefeitura de São Paulo publicou algumas portarias para normatizar os serviços de acolhimento, o que é ótimo, porém na portaria está escrito ambiente acolhedor, o que é muito subjetivo e se a supervisora achar que em um ambiente acolhedor é imprescindível um quadro do Leonardo Da Vinci, esse quadro vai ter que existir, caso contrário ela escreve em seu relatório ambiente não acolhedor, o que prejudica a ONG em continuar a receber o repasse mensal.
Vou dar um exemplo e envolver todos os órgãos que supervisionam o abrigo, ai vocês irão entender o motivo da doença dos funcionários.
Um adolescente de 17 anos, acorda meio dia para almoçar, pois não foi para a escola porque estava com sono, ficou no celular até as 4h00 da manhã. O almoço não estava pronto, ele xingou a cozinheira e foi para a sala assistir televisão, bateu um duas crianças que estavam assistindo o desenho favorito, colocou o pé no sofá e começou a humilhar e ameaçar de morte o educador que estava tentando conversar com ele. Isso acontece com muita frequencia
Agora a visão de cada órgão para esse caso:
Prefeitura: A culpa é do educador que deixou ele ficar acordado até tarde, que não acordou ele cedo, que deixou tudo isso acontecer, esse adolescente está vivendo como se estivesse na rua, ele não é bem tratado aqui... o trabalho não está sendo feito... Se ele não arruma o guarda roupa, você (Educador) tem que arrumar, você e pago para isso. Se você não aguenta ser xingado, ameaçado você (qualquer funcionário) está trabalhando no lugar errado.
Poder Judiciário: Ele viveu até agora uma vida sem regras, é preciso compreender a situação, tenha mais paciência com ele...
Agora a visão do educador
Entendemos que este adolescente viveu uma vida sem regras e que vai ser difícil de ensinar novas regras a ele, mas as pessoas precisam colaborar para isso também.
Eu me lembro da minha infância, quando eu fazia uma arte eu era punido por isso, um olhar do meu pai com raiva era a pior punição. Mas aqui não tem nenhuma punição, a lei está do lado deles, assim eles continuam com os mesmos comportamentos inadequados. Não se pode tirar de um passeio, ele deve passear todo mês. Se você fizer um Boletim de Ocorrência, você é mal visto pela direção do abrigo e pela supervisora. Não se pode fazer absolutamente nada!
Ainda bem que nesse abrigo as crianças e os adolescentes são legais, eles entendem bastante a nossa situação, mas de vez em quando aparece um mais exaltado. Têm fases, períodos mais calmos, outros mais turbulentos.
Vocês devem pensar que eu sofro bastante no meu trabalho, mas eu garanto a todos, não é bem assim, eu dou pelo menos três risadas por dia, eu faço pelo menos seis crianças gargalharem por dia (cocegas).
É um trabalho muito difícil, quem é educador não trabalha por dinheiro, trabalha por amor!
Agradeço aqui publicamente o comentário da @claudialoureiro no post anterior
Obrigado por compartilhar novamente sua visão, de forma humana e tocante. Me identifiquei em partes por que em minha cidade trabalho em uma isntituição de acolhimento de contra turno, as crianças em situação menos favoráveis ficam aqui até a hora de irem para a escola, mas todos tem família, só vem para oficinas e brincadeiras. São crianças de 5 a 10 anos, então raramente haverá algum comportamento grave, mas vemos muitas famílias complicadas aqui, muitas que estão inconscientemente levando essa criança para um futuro problemático, infelizmente.
Também dependemos da prefeitura e de doações, exatamente como relatou.
A respeito dessa pressão de enfrentar situações violentas (psicológicamente falando) e tudo mais e não encontrar medidas punitivas que estejam de acordo com a lei, realmente é um grande problema. Você comentou que sempre está do lado da lei, o que eu prezo muito também, porém não sei qual é sua visão a respeito das leis em si, pois como disse, é subjetivo o que é um lar aconchegante, acolhedor. E acredito que essa falta de punição (sem violência, naturalmente) é um problema sério para a educação desses jovens. Afinal, se sabem bem que nem mesmo terão castigo, privação de passeios, nem nada, talvez privação de algo que gostem muito, uso do celular, etc, não irão mudar simplesmente por aprender o que é mais certo. Alguns casos envolvem crianças realmente violentas e que não tem cognição suficiente para compreenderem com maturidade o quão errado estão agindo... É um problema mesmo.
Mas fico feliz que existem pessoas fortes como você, para estarem aí dando seu melhor por algumas pessoas que não tem quem faça isso.
Abraço!!!
Que legal, você trabalha em um CCA?
Você deve saber também a pressão que a prefeitura faz.
Sobre a punição, o que se pode tirar de uma criança que já perdeu tudo o que é mais valioso, a família?
Obrigado pelo seu comentário.
Trabalho numa instituição chamada Lar São Mateus, não é exatamente um CCA, mas quase. Por sermos independentes, sem fins lucrativos, filantrópico, não somos propriedade da prefeitura (como seria o Centro da juventude que temos por aqui) por exemplo. Mas temos esse acordo com a prefeitura que banca os funcionarios e a comida.
A punição que eu quis dizer seria apenas algo para a educação mesmo, privar de algum prazer como os passeios ou o celular, para o adolescente compreender os atos, é psicologia clássica, mas não sei o quanto funciona na prática, posso estar errado!
Abraço e boa jornada!
Infelizmente esse tipo de punição não funciona, não tem efeito aqui. Digo infelizmente, porque seria "simples" e resolveria o problema, como resolve com outros adolescentes que convivem com suas famílias. Aqui, eles perderam a família, foram abandonados, esse tipo leve de punição não causa efeito, não faz o adolescente repensar no seu comportamento.
Olá Contador.
Estou compartilhando o texto no grupo do whats da minha especialização. Faço formação de professores para o ensino superior, tecnológico e técnico, e minha vida vem se transformando desde que eu comecei a me ver como professor e entender que minha atuação com os demais, seja no trabalho ou em casa, é com ser assim.
Achei o seu ponto de vista de acordo com o ponto de vista de cada órgão, bastante interessante. Sabemos o quão difícil é lidar com a edução em um ambiente onde o professor tem que ficar de mãos atadas e tentando fazer o possível. Há a impressão que em todos os lugares, o professor não tem a liberdade que precisa para exercer a função e tão pouco há colaboração pra isso, é um desafio pessoal ser professor.
Parabéns e sucesso pra você, um abraço.
Nossa que honra!!!
Obrigado!
Eu vejo o quanto os professores sofrem nos dias de hoje, é uma profissão desvalorizada e essencial para as crianças.
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